Uma de minhas cunhadas contou um caso tão inusitado que eu não resisti à tentação de recontá-lo aqui no Blogson. É um daqueles
casos que te fazem chorar de tristeza ou rolar de rir, tão bizarra é a
situação. Mas antes preciso definir o cenário onde tudo ocorre.
A casa dessa irmã de minha mulher é parte de um
quarteirão atípico para os padrões urbanísticos da originalmente planejada BH, pois
é uma “lingüiça”, uma faixa de terreno de aproximadamente 170 por 45 metros.
Creio que a explicação para isso é o fato de o terreno transformar-se em uma
barroca logo após a rua, com uma inclinação para cabrito nenhum botar defeito.
Falei dessa particularidade para dizer que o lote de minha cunhada vai de uma
rua à outra e que o acesso à garagem se dá pela rua que separa a barroca do
quarteirão.
Pois bem (está difícil dar sequência ao texto!),
essa barroca foi progressivamente se transformando em uma favela típica com
seus becos, escadarias barracos e casas humildes. Os antigos moradores são
pessoas amistosas e corteses, sujeitos apenas um eventual porre de cachaça e
cerveja. Pelo menos era assim que parecia ser em passado não muito remoto, até
as drogas surgirem. Obviamente não existe droga sem um ponto de venda, sem um
dono da “boca” e sem os usuários que vão ali comprar o “bagulho”.
Como o portão da garagem da casa de minha
cunhada fica exatamente em frente a uma das entradas da favela, ela acabou
conhecendo alguns de seus moradores e moradoras. E é aqui que começa a
história.
O dono da boca de fumo morava na favela e era
um jovem educado no trato, mas rigoroso com as normas de funcionamento de seu
negócio. Para começo de conversa nenhum maloqueiro, nenhum “noiado” tinha o
direito de ficar enchendo o saco da clientela ou dos moradores das proximidades
da boca. O cliente chegava – muitas vezes de carro bacana -, descia a escadaria
íngreme, ia até a “pista”, comprava a mercadoria e vazava. Tudo organizado,
tudo tranquilo.
Mas dizem que não há bem que sempre dure e
foi isso que aconteceu. Assassinaram o dono da boca. Quem fez e por que fez isso não importa,
só sei que um traficante de outra favela foi quem assumiu o ponto. E aí a
região virou uma zona. Como o novo dono não mora no bairro, a única preocupação
que tem é de manter o negócio “operacional”, sem batidas de polícia nem nada.
E para garantir a segurança da boca recrutou os
viciados em crack, os “noiados”, para servir de vigias ou olheiros. E este é o
final bizarro do caso. O pagamento é feito em pedras de crack. Fica o coitado o dia todo na entrada da favela, olhando para um lado e para o outro e gritando “Normal!” a
cada cinco, dez minutos. “Morador” é outra opção. Imagino o que existam outros
avisos, mas o mais frequente é “Normal”.
Dizem que um dia a polícia apareceu e ele se
esqueceu ou não teve tempo de gritar. O castigo foi tomar uma surra de tijolo (!!) que o deixou bastante machucado. Depois,
arranjaram um venezuelano que fica gritando “Normal!” com sotaque. E hoje alguns
moradores de rua e usuários de crack já se amontoam nas proximidades para dar
suas cachimbadas despreocupadamente. Normal!
Numa rua lateral à que mora minha sogra, mora também o dono da boca do pedaço. Ela pode sair e nem trancar a casa. Nunca ninguém nunca assaltou por ali.
ResponderExcluirEsse é o efeito colateral benéfico em uma "comunidade" ou favela (que confunde tanta gente humilde).
ExcluirComplementando, o assistencialismo praticado pelo traficante gera tolerância e simpatia.
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