segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O NOVO NORMAL

 
Uma de minhas cunhadas contou um caso tão inusitado que eu não resisti à tentação de recontá-lo aqui no Blogson. É um daqueles casos que te fazem chorar de tristeza ou rolar de rir, tão bizarra é a situação. Mas antes preciso definir o cenário onde tudo ocorre.
 
A casa dessa irmã de minha mulher é parte de um quarteirão atípico para os padrões urbanísticos da originalmente planejada BH, pois é uma “lingüiça”, uma faixa de terreno de aproximadamente 170 por 45 metros. Creio que a explicação para isso é o fato de o terreno transformar-se em uma barroca logo após a rua, com uma inclinação para cabrito nenhum botar defeito. Falei dessa particularidade para dizer que o lote de minha cunhada vai de uma rua à outra e que o acesso à garagem se dá pela rua que separa a barroca do quarteirão.
 
Pois bem (está difícil dar sequência ao texto!), essa barroca foi progressivamente se transformando em uma favela típica com seus becos, escadarias barracos e casas humildes. Os antigos moradores são pessoas amistosas e corteses, sujeitos apenas um eventual porre de cachaça e cerveja. Pelo menos era assim que parecia ser em passado não muito remoto, até as drogas surgirem. Obviamente não existe droga sem um ponto de venda, sem um dono da “boca” e sem os usuários que vão ali comprar o “bagulho”.
 
Como o portão da garagem da casa de minha cunhada fica exatamente em frente a uma das entradas da favela, ela acabou conhecendo alguns de seus moradores e moradoras. E é aqui que começa a história.
 
O dono da boca de fumo morava na favela e era um jovem educado no trato, mas rigoroso com as normas de funcionamento de seu negócio. Para começo de conversa nenhum maloqueiro, nenhum “noiado” tinha o direito de ficar enchendo o saco da clientela ou dos moradores das proximidades da boca. O cliente chegava – muitas vezes de carro bacana -, descia a escadaria íngreme, ia até a “pista”, comprava a mercadoria e vazava. Tudo organizado, tudo tranquilo.
 
Mas dizem que não há bem que sempre dure e foi isso que aconteceu. Assassinaram o dono da boca. Quem fez e por que fez isso não importa, só sei que um traficante de outra favela foi quem assumiu o ponto. E aí a região virou uma zona. Como o novo dono não mora no bairro, a única preocupação que tem é de manter o negócio “operacional”, sem batidas de polícia nem nada.
 
E para garantir a segurança da boca recrutou os viciados em crack, os “noiados”, para servir de vigias ou olheiros. E este é o final bizarro do caso. O pagamento é feito em pedras de crack. Fica o coitado o dia todo na entrada da favela, olhando para um lado e para o outro e gritando “Normal!” a cada cinco, dez minutos. “Morador” é outra opção. Imagino o que existam outros avisos, mas o mais frequente é “Normal”.
 
Dizem que um dia a polícia apareceu e ele se esqueceu ou não teve tempo de gritar. O castigo foi tomar uma surra de tijolo (!!) que o deixou bastante machucado. Depois, arranjaram um venezuelano que fica gritando “Normal!” com sotaque. E hoje alguns moradores de rua e usuários de crack já se amontoam nas proximidades para dar suas cachimbadas despreocupadamente. Normal!

 


3 comentários:

  1. Numa rua lateral à que mora minha sogra, mora também o dono da boca do pedaço. Ela pode sair e nem trancar a casa. Nunca ninguém nunca assaltou por ali.

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    1. Esse é o efeito colateral benéfico em uma "comunidade" ou favela (que confunde tanta gente humilde).

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    2. Complementando, o assistencialismo praticado pelo traficante gera tolerância e simpatia.

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