quarta-feira, 8 de novembro de 2023

POEIRA DE ESTRELAS

 
Um dia, há muito tempo (eu era mais inteligente que hoje), tive a percepção de que as pessoas comuns, aquelas que nunca serão famosas, que nunca se distinguiram em nada, que nunca foram protagonistas de grandes momentos históricos, aquelas anônimas que representam mais de 99% da população mundial e que nunca serão lembradas em livros de história, não terão bustos em praça pública nem discos gravados ou filmes guardados em cinematecas só permanecerão “vivas” enquanto existir alguém que ainda guarde seus retratos, saiba como se chamavam e se lembre de seus casos. Quando nada mais disso acontecer elas desaparecerão definitivamente, virando apenas “poeira de estrelas”.
 
Infelizmente, por mais simpáticas, inteligentes, divertidas que tenham sido essas pessoas, seu destino é ser rapidamente esquecidas. Não há mandinga ou panaceia que cure essa caminhada rumo ao esquecimento mais absoluto. Você, por exemplo, quando ninguém mais der notícias suas, do que foi ou que fez, de suas pequenas vitórias, derrotas ou perdas, aí você entrará para o grupo dos bilhões de anônimos que passaram pela Terra e que viraram apenas átomos e alguns ossos. O que, convenhamos, é uma puta injustiça, ainda mais se lembrarmos de que existem idiotas que são incensados e adorados por multidões mesmo sem ter nenhuma qualidade para que isso aconteça.
 
Algumas pessoas estranham e talvez até me critiquem por eu ter me dedicado a escrever e publicar no Blogson as poucas lembranças de meus familiares e pessoas com quem convivi. Em minha defesa posso dizer que o carinho e a amizade que senti por elas sempre permearam os textos mais descontraídos que escrevi. Além disso, jamais pensei em escrever biografias solenes e “engravatadas”, pois meu desejo sempre foi traçar retratos “falados” divertidos que captassem a essência de cada um, talvez por acreditar que a simplicidade dos casos e das pessoas retratadas pudesse encontrar ressonância com a vida se não da maioria mas, pelo menos, de algumas pessoas.
 
Ma\s o poeta Affonso Romano de Sant’Anna levantou uma questão em minha mente quando perguntou “Por que só um bom romancista consegue captar as histórias e dar-lhes uma dimensão universal e intemporal? O que há na escrita do escritor que transforma em arte algo que era simplesmente um ‘causo’ ou notícia de jornal?”
 
Acho difícil encontrar uma resposta decente para essa pergunta, principalmente por não ser romancista e, menos ainda, um bom romancista. Mas concordo com estas palavras do jornalista Diogo Schelp: “Qualquer vida, se tem o narrador certo, merece um livro ou, pelo menos, um capítulo”. Por isso, quando escrevi as lembranças de meus familiares e amigos
talvez não tenha sido o narrador certo, apenas o único.


4 comentários:

  1. Respostas
    1. Continuo pensando que sou apenas o único, pois existem pessoas que acreditam que violo a intimidade e exponho a privacidade de quem já morreu. Mas em um formigueiro de oito bilhões de humanos eu continuo acreditando que faço um elogio e uma homenagem essas pessoas, ao tentar lembrar de casos pitorescos que me contaram ou presenciei, mesmo que possam às vezes ser questionáveis pelos mais moralistas.

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    2. Sinceramente, uma vez que citados com tanto respeito e carinho, todos eles se sentiriam honrados.

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    3. Carinho sim, respeito nem tanto, pois sempre fui meio amolecado e sempre gostei mais das "histórias que nossas babás não contavam", mas acredito que ririam intimamente e gostariam de relembrar os epísódios narrados.

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