Algumas coisas me deixam tão perplexo que eu
preciso registrá-las, falar sobre elas, mesmo que não tenha esperança de
entendê-las. Calma, que eu explico: um dia desses recebi pelo uatizapi de um dos
filhos uma imagem do Luis Fernando Veríssimo (meu ídolo) com estas frases que
teriam sido ditas à Folha de São Paulo em entrevista ocorrida no mês de novembro
de 2018:
“Já fui
muito elogiado pelo que nunca escrevi”. “Há uma maneira de detectar se o texto
é falso ou não: se o Luiz da assinatura for com Z, o texto não é meu. Se for
contra o Bolsonaro, é.”
Depois de cancelar meus vínculos de "amizade de facebook" com
os bolsonaristas mais exaltados, creio ter me tornado um pária dessa rede (ou a culpa é da "maioria silenciosa"), pois
ninguém curte ou comenta mais nada do que posto (qualquer semelhança com o blog
é mera coincidência). Mesmo assim, por achar divertidas as frases, copiei e colei a imagem no meu perfil de facebook. Esta imagem provocou duas(!) reações - uma de minha
mulher (que curtiu) e outra de um primo de quem gosto muito. Mas ele não curtiu
nem digitou “kkk”. Pelo contrário,
escolheu o emoji que expressa raiva! Agora, cá pra nós, raiva de quê?
Essa “raiva” me deixou perplexo e eu precisei
buscar no passado uma possível explicação para isso. Eu venho de uma família de
gente conservadora. Conservadora e católica. Conservadora, católica e caipira.
Quando eu digo caipira não estou me referindo à imagem do Jeca Tatu, do caipira
dos antigos filmes do Mazzaropi. O caipira a que me refiro é o sujeito que
nasceu no interior do interior, em fazenda, sítio ou povoado e que se mudou
para a cidade grande trazendo consigo os modos, crenças e costumes do lugar de
onde nasceu. Simples mas não simplório. Matreiro, desconfiado, ladino.
Ao contrário da família de meu pai, onde
todos fizeram faculdade, só um irmão de minha mãe completou o terceiro grau. Os
demais exerceram profissões dignas mas modestas – vendedores, escriturária,
secretária, mecânico, donas de casa. Isso prova alguma coisa? Prova. Prova que
curso superior não é vacina para depressão nem aditivo para realizações profissionais ou para a alegria de viver e bom humor. Nesses quesitos meus tios
maternos ganharam de goleada dos depressivos parentes paternos.
Mas uma coisa os unia: o conservadorismo e a
alergia a tudo que lembrasse “comunismo”. Todos eram católicos fervorosos,
todos foram a favor do golpe de 1964 (embora talvez morressem de medo de ser
confundidos com quem tinha sido contra). Escrevi no passado porque, estatisticamente
falando, a maioria já morreu. Mas creio que esses valores foram passados para todos os filhos, alguns até com excesso. Caso de um primo (já contei esta história
aqui) que quando jovem participou da TFP – Tradição,
Família e Propriedade e que um dia, no início da década de 1970, vi perfilado com outros jovens na
avenida central de BH empunhando estandartes vermelhos com letras douradas e gritando
slogans patrióticos. Contra quem mesmo? Quase me esquecia! Contra o “comunismo ateu”, lógico.
Mas esse fundamentalismo não parecia se
aplicar ao outro primo, o meu “amigo de facebook”.
Creio que foi no velório de minha mãe que fiquei sabendo que ele tinha se
curado de um câncer mega agressivo e esse era o motivo de publicar tantas
orações, imagens religiosas e coisas do gênero. Depois dessa
provação - segundo ele suportada em grande parte com as orações que os diversos “times religiosos”
fizeram por sua cura -, qualquer coisa que recebesse ou visse no feicibuque era
imediatamente compartilhada. Então, até aí nenhuma novidade para um sujeito de
família católica tradicional.
O problema todo começou depois da posse “dele”,
“daquele”, do “coiso”, do “anta”, do mito. Sem que eu me importasse muito com isso,
comecei a ver posts que louvavam coisas como a inauguração de meio metro de
meio-fio, imagens diversas com aquele mantra “isso a Globo não mostra” e algumas fake news. Eu checava por conta
própria algumas imagens ou notícias com cheiro de armação bolsonarista e
avisava para ele, que agradecia e removia o post. Só que aí começou a pandemia, trazendo como efeito colateral a
exibição despudorada de todo o absurdo preconceito, crenças equivocadas, desprezo e negação da Ciência, total falta de sensibilidade, compaixão e solidariedade de um basbaque diante das mortes
pela Covid.
Para mim, as mortes que poderiam ter sido
evitadas foram um ponto de ruptura, pois parei de torcer pelo sucesso do mito,
desabilitei o modo ideológico e decidi que em 2022 votarei em qualquer pessoa que
dispute o segundo turno com o Bozo. Tanto faz se esse candidato for
de esquerda, direita, de centro, monge budista, o ET de Varginha, o Tiririca
ou o Véio da Havan. Se disputar com o
Bozo terá meu voto mais decidido.
E é nessa linha que eu ri das frases
atribuídas ao meu ídolo Luis Fernando Veríssimo. E que fiquei perplexo com a
carinha de raiva clicada por meu primo. Eu odeio o Lula e o PT, mas será
possível que meu primo odeie ainda mais que eu ao ponto de anestesiar a mente e
se esquecer das milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas se o escroto que admira tivesse deixado de lado suas convicções delirantes e equivocadas e pensasse mais na população
do país?
Cara, foi muita decepção! Perceber que
pessoas como meu primo gente boa aceitam, toleram ou se recusam a ver que milhares de
mortes tenham acontecido e ainda aconteçam por culpa de um boçal só porque
odeiam o “comunismo” e são contra a corrupção (que continua a existir), é
motivo de desalento, decepção e imensa tristeza para mim (antes de arrematar este texto mal alinhavado, queria dizer que pelo menos no Brasil é a extrema direita que faz de tudo para ressuscitar essa coisa anacrônica que é o comunismo. Quanto mais verde oliva-amarelo é alguém, mais entusiasmado estará em rotular de "comuna" quem apenas discorda de suas convicções). Mas, só para
sacanear, acho que vou retaliar meu primo com as mesmas “armas” que usou: agora, se ele
postar uma oração, frase do Chico Xavier, uma imagem de inspiração religiosa ou de auto ajuda,
meto-lhe nas fuças um emoji fazendo “Grr”
e quero ver. Reage agora, primo!
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