sexta-feira, 5 de maio de 2017

UNO - MARIANO MORES & ENRIQUE SANTOS DISCÉPOLO

Meu sogro nasceu em 1910, meu pai em 1911. Ambos vieram de famílias numerosas. Os dois irmãos mais novos de meu sogro morreram durante ou logo após o parto. Os dois irmãos mais velhos de meu pai morreram na primeira infância. Meu sogro era filho de português; meu pai, de matuto do interior de Minas. Meu sogro tinha uma personalidade ensolarada; meu pai, nublada e cheia de sombras.

Meu sogro era bem-humorado; meu pai era irônico e sarcástico. Meu sogro era bravo; meu pai, irritadiço. Meu sogro era alegre e meu pai era depressivo. Meu sogro era descontraído, mas severo; meu pai era tímido e nervoso. Ambos tinham olhos azuis. Meu sogro era muito bonito; nunca se poderia dizer o mesmo de meu pai. Ambos foram tabagistas pesados. Meu sogro morreu de câncer no pulmão em 1980; meu pai em 1996, trinta dias após um AVC, que o deixou cego e com um lado paralisado.

Com mais dessemelhanças que "parecenças", o que os aproximava, além do fato de a filha de um ter-se casado com o filho do outro? A música, ou melhor, o tango. Mas, segundo a perspectiva de cada um, pois meu sogro, assim como seus irmãos, teria sido um exímio "pé de valsa" na juventude; até onde sei, meu pai era um poste fincado no chão.

Apesar da boa fama, só vi meu sogro dançar uma vez, e, assim mesmo, por poucos minutos. Morreu com setenta anos. Mas lembro-me de ter ficado fascinado com a leveza e técnica de seu irmão, Sr. Agostinho, quando fizeram uma festa para comemorar seu aniversário de oitenta anos. Todas as sobrinhas e amigas quiseram dançar "cheek to cheek" com ele. Com aquela idade, o tio de minha mulher dançava de forma fluida e elegante, como se tivesse feito isso a vida inteira. como se fosse a coisa mais fácil do mundo.

Imagino que meu sogro deve ter dançado assim também. Inclusive tango, que seria para ele apenas mais uma dança de salão. Para meu pai, o tango já tinha um viés diferente. Eram conflitantes os sentimentos que essa música despertava nele. Ele adorava seus (poucos) discos de tango, mas lembro-me de tê-lo ouvido comentar sobre as imagens evocadas por esse ritmo: eram sempre imagens de cabaré, lascivas, vulgares, de gente desclassificada, cafetões e putas, tal como deve ter sido o ambiente onde o tango se originou.

Para meu pai, essa música era um misto de fascínio e perturbação. Usando uma comparação de que gosto muito, na "rua" do tango que os dois percorreram, meu sogro sempre esteve no “sunny side of the street”, enquanto meu pai lutava para se afastar desse "wild side" que tanto deve tê-lo atraído na juventude.

Tendo falado tanto de meu sogro e de meu pai, até parece que o assunto principal deste post é o resgate de memórias e lembranças dos dois, mas não é. O assunto principal é música, mais especificamente, Tango. E o mais bonito que já ouvi até hoje é "Uno", uma música quase desconhecida. Para ser sincero, eu só conhecia sua versão orquestral (a melhor).

Só hoje descobri que tem letra do Discépolo, o mesmo que fez "Cambalache", tango que o Caetano gravou em seu disco pré-Londres. Pelo que consegui entender, é um prato cheio, ou melhor, um copo cheio para quem bebe tequila ou cerveja barata (mas boa). E é essa música que eu quis compartilhar com "unos dos" ("castelhano" do Collor) leitores deste blog. E em duas versões cantadas. Escuta aí.



4 comentários:

  1. E esse texto agora, JB? Meu sogro foi enterrado ainda hoje em Minas. É interessante lembrar das pessoas e suas particularidades, curioso que é o que o tempo leva e também à porta das lembranças que nos deixa.
    "J"

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Sério? Lamento muito, de verdade. Mas estou agora igual à Gloria Pires na entrega do Oscar: não sei o que dizer. E isso não é uma piada. Por isso excluí o comentário anterior que fiz.

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    3. Deixa de frescura JB, eu já tinha o lido mesmo kkk. Depois até parece que eu sou dessas. Estamos na fila, a questão aqui é só quem tem prioridade. Só não tenho escrito com frequência porque estou aqui na sua terra e como saí às pressas só trouxe o celular. Pra escrever um texto assim gasto o triplo de tempo: primeiro tentando digitar corretamente, depois corrigindo as correções e pra acabar de atrapalhar ainda tenho que fazer tudo isso antes das atualizações de páginas temporizadas. Antes que me esqueça gostei dos vídeos e já pode acelerar a produtividade das postagens pra me ajudar a ter o que ler enquanto estou por aqui.
      "J"

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