domingo, 19 de setembro de 2021

INFERNAL

 
Eu tenho algumas obsessões que volta e meia cismam em dar as caras. Com isso, sempre fico tentado a registrar a “última versão”. Isso nunca foi um grande problema, pois eu sempre me lembrava do que já tinha escrito. Ultimamente, graças à pulverização da minha memória recente, não estava conseguindo me lembrar se já havia publicado algo parecido ao tema de hoje em um dos mais de 2.200 posts que podem ser encontrados no velho Blogson (falando sério é post para dar com pau!).
 
Pois bem, depois de muita pesquisa, descobri que já publiquei um texto sobre o tema “Inferno”. Aliás, cabotinismo às favas, depois de relido achei que é um ótimo texto. A visão aloprada de um ex-chefe sobre o assunto é hilária. E se alguém quiser conferir, o link é este:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2019/12/o-inferno-de-cada-um.html
 
Mas voltando às obsessões, outro dia pensei de novo em qual seria a melhor definição de “inferno”, independente de acreditar ou não em sua existência. E a inspiração surgiu de um sofrimento infernal a que muitas pessoas são submetidas. Antes de abordar essa nova visão – e para suavizar a leitura – preciso dar um pulinho na infância.
 
Creio que foi nos livros infantis do hoje execrado Monteiro Lobato que fiquei sabendo da existência do mitológico barqueiro Caronte, cuja função era transportar as almas dos mortos até os domínios de Hades ou Plutão, mediante o pagamento de um mísero óbolo, uma moedinha que seria enfiada na boca do defunto. Pensem bem, para fazer seu último passeio de barco o sujeito pagava uma merreca! Hoje, numa prova do efeito da inflação ao longo do tempo, paga-se o olho da cara para ver o Cara em um cruzeiro geriátrico. Muita grana nova para ouvir música antiga!
 
Eu, certamente, não pagaria nem meio óbolo. Aliás, nem mesmo pro Caronte. E a explicação é simples, um estratagema para continuar atazanando a vida de alguns. Segundo li na Wikipédia, aqueles que não tinham condições de pagar a quantia ao barqueiro - ou aqueles cujos corpos não haviam sido enterrados -, tinham de vagar pelas margens do Aqueronte por cem anos (mesmo que isso talvez deixasse o Hades plutão da vida).
 
Mas deixemos as abobrinhas de lado pois o assunto é um pouquinho mais sombrio. Segundo o filósofo francês Jean Paul Sartre, “o inferno são os outros”. Não consigo acrescentar mais nada a essa frase, pois nunca li nenhuma de suas obras. Mas é uma afirmação instigante, apropriada para o que se lerá a seguir.
 
Outro dia, ao saber da mais nova rusga das milhares já acontecidas entre um casal de conhecidos, fiquei pensando que o inferno (imaginado ou real) não tem nada da magnificência das labaredas a queimar, a gratinar as almas dos infelizes que fizeram por merecê-las. O inferno pode simplesmente ser a dor, o desconforto, a tristeza e o desalento constantes, sem trégua, sem descanso, movidos, espicaçados por um rancor que não diminui, que não se acaba, que não se esquece.
 
Esse casal que motivou minha nova visão de inferno está junto há muito tempo, aparentemente se gosta, mas os erros do passado de um - provavelmente superavaliados pelo parceiro - frequentemente envenenam o dia a dia dos dois, pois o baú das lembranças de vinte, trinta anos atrás é sempre reaberto e revolvidas as cinzas para que o fogo do rancor queime novamente. Esse embate permanente, frequente, azeda e envenena os dias desse casal de amigos, fazendo-me lembrar de uma frase do escritor Pedro Nava, que disse algo assim: “Não tenho ódio, eu tenho é memória”.
 
E essa é minha nova releitura do inferno: não um lugar, mas uma vida de desconforto, tristeza ou desespero de ser obrigado a relembrar e ser cobrado quase diariamente por coisas acontecidas no passado distante como se fossem fatos ocorridos agora. Ou seja, o inferno de alguém é ser obrigado a ouvir as mesmas recriminações dia após dia, uma tortura psicológica que abala até a vontade de viver.
 
Sinceramente, acho que este texto (como os mais recentes que escrevi) está muito ruim, mas quis deixar registrado o insight que me ocorreu. E a vontade que eu tenho é (apesar da pandemia) é abraçar os dois e dizer-lhes que o céu já está garantido, pois não precisam de nenhum inferno melhor que aquele em que vivem.

 

8 comentários:

  1. Pois é, é o famoso Baú de Ossos.
    E quem merece mesmo ir pro inferno é esse bando de escrotos que ficam depreciando e deturpando a obra do grande Monteiro Lobato. E sem barqueira para esse povinho! Que atravessem o Estige a nado.

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    1. Ah ah!! É por aí. Cada vez mais eu me convenço do acerto de meu finado amigo Pintão quando dizia não ser razoável condenar isso ou aquilo fora de sua perspectiva histórica. E citava como exemplo a Inquisição. Segundo ele, na época em que foram cometidas todas as barbaridades "em nome da fé", o pior que poderia acontecer a alguém seria ser condenado ao inferno. Por isso, uma "torturinha" para expulsar os demônios era um "preço justo" a ser pago pelo/pela infeliz que cometia bruxarias, etc. É difícil aceitar esse tipo de atitude com olhos de século XX ou XXI. Em escala muitíssimo menor estão as deliciosas histórias escritas pelo nosso José Bento. Para mim, pretender adulterá-las ou condená-las só para para ficar de acordo com o politicamente correto de hoje seria uma pespécie de estupro literário. Alguém pensa em condenar ou reescrever a Bíblia?

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    2. Já convivi com uma professora louquíssima de pedra, fanática religiosa ao extremo, neurótica de carteirinha. Para você ter uma ideia da figura, ela chegou a ser proibida judicialmente de frequentar uma igreja católica aqui da cidade, por acusar um dos padres, o sacristão e uma ministra de terem agido em conluio e lhe enviado, via sedex, um consolo vermelho de silicone.
      Pois essa figuraça também justificava a Inquisição. Dizia que a Inquisição foi o embrião do direito romano, dos atuais tribunais de justiça.
      Em condenar a Bíblia, eu até penso... mas reescrevê-la... ai, que preguiça, como diria Macunaíma.

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    3. A Inquisição antes do direito romano é boa! Agora, cá pra nós, como ficariam os neopentecostais com uma Bíblia reescrita? Como promover sessões de descarrego e exorcismo?

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  2. Rui Barbosa, Villa-Lobos, Santos Dumont. Tantos homens honrados, grandes dentre os grandes; todos brasileiros.
    E, em minha humilde opinião, Monteiro Lobato, um dos Maiores dentre os Grandes; hoje, além de tudo, apenas lembrado por seu legado com suas histórias infantis. Porém, grande Homem Público, grande defensor deste país, homem decente e justo.
    Compreensível que seja combatido pela inquisição de freires e moluscos.
    O Inferno não pode existir sem o ESQUECIMENTO e o ÓDIO.
    O Inferno não são os outros.
    O Infernos somos nós.
    Tentemos ser mais cristãos, e o Inferno (e seus servos?) terá menos poder...
    Meus Respeitos a Lobato e ao Autor.

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  3. Rui Barbosa, Villa-Lobos, Santos Dumont. Tantos homens honrados, grandes dentre os grandes; todos brasileiros.
    E, em minha humilde opinião, Monteiro Lobato, um dos Maiores dentre os Grandes; hoje, além de tudo, apenas lembrado por seu legado com suas histórias infantis. Porém, grande Homem Público, grande defensor deste país, homem decente e justo.
    Compreensível que seja combatido pela inquisição de freires e moluscos.
    O Inferno não pode existir sem o ESQUECIMENTO e o ÓDIO.
    O Inferno não são os outros.
    O Infernos somos nós.
    Tentemos ser mais cristãos, e o Inferno (e seus servos?) terá menos poder...
    Longa Vida a Lobato e ao Autor do Blog.

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  4. Rui Barbosa, Villa-Lobos, Santos Dumont.
    Tantos homens honrados, grandes dentre os grandes; todos brasileiros.
    E, em minha humilde opinião, Monteiro Lobato, um dos Maiores dentre os Grandes; hoje, além de tudo, apenas lembrado por seu legado por suas histórias infantis. Porém, grande Homem Público, grande defensor deste país, homem decente e justo.
    Compreensível que seja combatido pela inquisição de freires e moluscos.
    O Inferno não pode existir sem o ESQUECIMENTO e o ÓDIO.
    O Inferno não são os outros.
    O Infernos somos nós.
    Tentemos ser mais cristãos, e o Inferno (e seus servos?) terá menos poder...
    Longa Vida a Lobato e ao Autor do Blog.

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    1. Meu caro Seisenhofer, endosso tudo o que disse sobre o Monteiro Lobato, mesmo que conheça pouco de sua obra adulta. Li apenas Cidades Mortas, Urupês e O Presidente Negro. Quando não se gosta de uma pessoa é fácil criticá-la. Da mesma forma, quando se gosta de alguém é difícil não defendê-lo. Esse é o caso do Lobato. Sempre tive por ele a máxima simpatia, justamente por ter lido toda sua produção infantil. E os livros adultos que li não o desmereceram nem um pouco. Claro que ele pode ter tido pensamentos e comportamentos hoje condenáveis, mas isso certamente foi fruto do zeitgeist, do espírito da época em que viveu. Admiro também seu espírito emprendedor ao fundar editora, companhia para exploração de petróleo (quando não se acreditava em sua existência no Brasil). Como disse um amigo (sempre repito isso), não se deve julgar ninguém sem entender a época em que viveu. Obrigado pelos comentários e pelos votos de longa vida. Abraços.

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