quarta-feira, 4 de setembro de 2019

POR QUE NÃO SOMOS BILÍNGUES? - ODAIR DETERS



Tive um colega de serviço bem mais velho que eu, cujo nome era Herberto. Era filho de alemães legítimos. O pai chamava-se Huberto. A razão para esses nomes idiotas é curiosa. Originalmente, chamavam-se Herbert e Hubert. Durante a Segunda Guerra, em virtude da hostilidade dos brasileiros contra italianos e alemães, resolveram abrasileirar os nomes, que viraram essa bosta.


Outra curiosidade é o fato de seus pais terem vindo para o Brasil ainda crianças com uns quatro anos, por aí. Provavelmente, conheceram-se na colônia alemã de BH (se isso existiu). Seus pais eram, portanto, brasileiros naturalizadíssimos e falavam português sem nenhum sotaque, pois tinham praticamente nascido aqui. Em casa, entretanto, a língua falada por todos era o alemão. Segundo meu amigo Herberto, por causa da guerra, além da mudança de nomes, passaram a conversar só em português, hábito que se manteve mesmo depois da derrota da Alemanha.

Conheci também um italiano chatíssimo que teve sua joalheria vandalizada durante a guerra. Anos depois, conseguiu ser indenizado e comprou uma casinha em Lagoa Santa, próximo à casa de campo de meus tios, também eles italianos. Ou seja, durante a Segunda Guerra parece que a barra pesou no Brasil para alemães, italianos e japoneses e até mesmo para seus descendentes, mais uma prova de que “o brasileiro é cordial”.

Às vezes o “pântano” traz coisas bem legais de se ver ou ler. Encontrei hoje no Facebook (o pântano) de um “amigo” o texto transcrito a seguir, tratando do mesmo assunto. Achei super interessante e resolvi publicá-lo no blog.


Imigrantes e descendentes de alemães, italianos e japoneses, foram perseguidos, roubados e torturados pelo fato de falarem seus idiomas ancestrais na época do ditador Getúlio Vargas, outros idiomas também sofreram.
Em 1757, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral [o velho tupi]. Dois anos mais tarde, expulsou os jesuítas. Com essas duas medidas, Pombal criou os alicerces para um Brasil monolíngue e com uma educação deficitária. Durante séculos, consideramos o monolinguismo como marca de progresso. Era preciso acabar com a confusão de idiomas dos gentios, dizia Von Martius no século 19. Não apenas a diversidade linguística autóctone foi combatida, mas também, embora por motivos diferentes, o uso de línguas estrangeiras.
Mesmo sentimento, deu-se de forma bem mais cruel, quando o ditador Getúlio Vargas implementou uma série de medidas que faziam parte de sua campanha da nacionalização. Movimento que tinha a intenção de valorizar a cultura brasileira e fortalecer a unidade nacional. Na prática, as medidas acabam ganhando um contorno xenófobo.
Os imigrantes alemães e italianos do sul do país ainda se recordam que o ditador Vargas os proibiu de falarem suas línguas maternas, bem como de ensiná-las para as gerações nascidas no Brasil. No caso da educação, esse projeto teve um impacto forte. A partir de 1938, o ensino de línguas estrangeiras era proibido e apenas brasileiros natos ou naturalizados poderiam trabalhar como professores. Isso quer dizer que as escolas criadas nas colônias que lecionavam na língua dos imigrantes eram ilegais e podiam, sim, ser fechadas pelo governo.
A situação era ainda pior no caso do alemão, do italiano e do japonês. Naquela época, essas eram as línguas dos países que constituíam o Eixo, adversários do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1939, foi proibida a circulação de jornais e revistas em língua estrangeira. Programas de rádio também foram suspensos. A repressão chegou a tal nível a ponto de incinerar livros e documentos escritos nessas línguas. Meu avô comentava que em sua casa [de imigrantes com apenas uma década de Brasil], os intendentes passavam confiscando armas, livros, e até as toalhas de mesa com os dias da semana ou datas comemorativas bordadas em alemão, e mencionava também o caso de um conhecido de origem italiana, preso e torturado por esbravejar palavras em italiano [após ter tropeçado com seus tamancos de madeira].
Assim, durante o período da ditadura Vargas, dentre outras medidas, todos os imigrantes e seus descendentes em território nacional foram proibidos de falar sua língua em público como uma forma de obrigá-los a se integrar à cultura brasileira. Tal determinação afetou diretamente a vida dos imigrantes alemães e seus descendentes, pois muitos não sabiam falar português e, pelo fato de o Brasil ter entrado na guerra contra a Alemanha, os mesmos passaram a sofrer ataques por parte da população brasileira: cusparadas, casas de comércio, jornais e estabelecimentos em geral, cujo dono era de origem alemã, foram incendiados e associações foram fechadas. Nessa época, a convivência entre brasileiros e alemães foi conturbada, principalmente pelo fato de que os “nacionais” podiam abusar destas determinações impostas pela ditadura.
Não fossem as medidas proibitivas de Pombal e Vargas, poderíamos ter um número muito maior de pessoas bilíngues.
Na imagem, um quadro obrigatoriamente exposto em casas comerciais, repartições públicas, clubes, ou em locais de aglomeração pública, atendendo à legislação da Ditadura Vargas quanto à proibição de se falar línguas estrangeiras em público, em especial dos países do Eixo.

6 comentários:

  1. curiosamente, hoje o brasileiro valoriza mais países estrangeiros, inclusive a alemanha, que o Brasil

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    1. Não creio que isso seja uma verdade absoluta. O brasileiro valoriza, inveja e deseja só o que há de bom em outros países.

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    2. foi, inclusive, nessa época, que o time de futebol Palestra Itália passou a se chamar Palmeiras.
      No filme A ópera do Malandro, de Ruy Guerra e Chico Buarque, tem uma cena muito engraçado de um bordel de um alemão sendo atacado assim que o Brasil entrou na Guerra ao lado dos Aliados, contra o Eixo.

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    3. poxa, o que tem de ruim ninguém quer (fome, guerra etc) e como não tem como ficar só com o q é bom, o pessoal troca logo de pais

      abs!

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    4. O Palestra de BH virou Cruzeiro.

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    5. E não é que é verdade? E não é que só agora a ficha me caiu? Na volta de minhas férias em Maceió, fizemos uma escala num aeroporto aí de Belo Horizonte, acho que o de Confins. E vi lá uma exposição dos uniformes dos principais times mineiros. E não é que a primeira camisa do Cruzeiro, de 1920 e Jotabê, era mesmo verde? Igual ao do Palmeiras?

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