terça-feira, 10 de setembro de 2019

JOGO DE XADREZ


Escrever um texto só por causa de um jogo de palavras é muita falta do que fazer (ou dizer). Explicar piadas também é outra atitude pouco recomendável. Juntar tudo isso em um único post só pode ser coisa do velho Blogson. Mas tenho um exemplo de que isso é ou pode ser possível (mas longe, muito longe do blog). "O Recital" é um dos textos mais hilariantes do Luís Fernando Veríssimo e começa justamente com uma "receita" de como criar um texto de humor.

"Uma boa maneira de começar um conto é imaginar uma situação rigidamente formal — digamos, um recital de quarteto de cordas — e depois começar a desfiá-la, como um pulôver velho. Então vejamos. Um recital de quarteto de cordas. (...) É preciso instalar-se no acontecimento, como a semente da confusão, uma pequena incongruência.  Algo que crie apenas um mal-estar, de início e chegue lentamente, em etapas sucessivas, ao caos". 

Se você, caro leitor, ainda não leu, vale a pena ler. Caso se interesse, siga este link:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2016/02/o-recital-luis-fernando-verissimo.html

Voltando agora à mediocridade, o que sei é que recentemente fiz um comentário apenas mental sobre alguma notícia divulgada na mídia. Era uma associação de ideias tão idiota que guardei na cachola e esqueci o que a motivou. Fazer o quê, não é mesmo?

A frase era uma brincadeira associando o título de um livro do escritor americano Mark Twain que nunca tinha lido (normal!) com nosso ministro da Economia. Depois, a coisa desandou um pouco mais ao tentar fazer um post de humor com a idiotice que tinha pensado. A solução foi recorrer ao dicionário e, por último, ler o livro que tinha deflagrado o pensamento original. Depois de tanta enrolação, só me resta mostrar a gênese de uma piada no meu cérebro desocupado (um de meus filhos só faltou implorar para que eu não publicasse isso, pois o texto estava ruim demais. Mas eu sou brasileiro e não desisto nunca). Vamos lá.

O título do livro é “Um ianque na corte do Rei Artur”. E a frase original que surgiu no meu cérebro (associada ao ministro) foi “Um liberal na corte do Rei Artur”. Qual a utilidade disso? Nenhuma, obviamente. Mas o desejo de fazer gracinha levou à troca da palavra “corte” por “coorte”. Eu sabia que coorte era alguma formação ou parte das antigas legiões romanas. Mas precisava “contextualizar” a palavra. Nesse ponto é que consultei o dicionário. E, de acordo com meu segundo pai (“pai dos burros”, entendeu?), dois dos significados de Coorte são estes:

"substantivo feminino [História] Unidade tática da infantaria romana (dez coortes formavam uma legião). [Por Extensão] Grupo ou força armada (soldados, militares); tropa”.

Aí a coisa ficou melhor (para mim, para mim!), pois a frase agora poderia ter este sentido: “um liberal na tropa do Rei Artur”. Mas o "Rei Artur" estava sobrando nessa história. A solução foi ler o livro (tudo por uma piada!). Achei na internet um pdf  - aparentemente criado para fins escolares - com uma adaptação desse livro e mandei ver. Minha sorte foi descobrir tratar-se de um livreto de poucas páginas (o “peidei f”, pelo menos), pois a história é boba e sem graça, bem distante da qualidade de outros livros que li do autor. Até pensei em fazer um resumo, mas a internet está cheia deles. Por isso, apenas transcreverei um trechinho do que li (torcendo para que não tenha sido muito “adaptado”):

"Sempre pensei que um país deve eleger seus líderes e estes devem trabalhar para seu povo. Na verdade sempre pensei que um sistema de governo em que apenas um homem manda em tudo e em todos é o ideal, desde que este homem seja sempre justo, capaz de pensar em todos os segmentos da sociedade. (grifo meu).


Faltava ainda encontrar uma solução para a palavra "rei". Dizer que o chefe do ministro talvez se ache o rei da cocada preta é muito clichê. Melhor seria associá-lo a um monarca absolutista - incontrastável, intolerante e vingativo, que manifesta a todo momento suas ideias pré-concebidas, que persegue quem o multou, ("quem manda aqui sou eu"; "o 'Valor Econômico' vai acabar", etc.). Nesse caso, bastaria usar aspas na palavra Rei. Estava nesse impasse quando o próprio capitão veio em meu auxílio, ao declarar “Eu sou o rei, os ministros são os bispos. E o PGR é a dama” (explicitando sua estratégia para a escolha do futuro Procurador-Geral da República - PGR). 

Mas meu amigo Ozymandias, um entusiasta por xadrez (o jogo, o jogo!), certamente condenará a troca do nome "rainha" por "dama", pois jogo de xadrez é uma coisa e jogo de damas é outra (o que me faz pensar que o capitão também não entende nada de "chess").

Enfim, depois de tudo o que foi dito e explicado, foi só cruzar para a área e correr para o abraço, ou melhor, foi só fazer o arremate final da frase. Frequentemente me surpreendo com as expressões faciais do nosso presidente captadas por diferentes fotógrafos. Eu diria que ele está sempre com um ar meio tosco, exibindo quase invariavelmente o cenho fechado (também conhecido por cara amarrada), ou uma expressão meio perdida, como se não estivesse entendendo o que está sendo dito. Depois, foi só juntar a frase, o ministro e seu chefe para sair o trocadilho final:

“Um liberal na coorte do 'Rei' (de) Ar Tosco”. Precisava explicar? Não, não precisava (e eu nem estou falando da piada).


2 comentários:

  1. Você está lendo o 21 lições para o século 21, do mesmo autor de Sapiens?

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    1. Sim. E as previsões ou projeções para o ano de 2050 são de arrepiar. O Cara escreve bem pra caramba e tem um raciocínio impecável, além da massa de informações que possui ou que seus auxiliares coligem para ele. A propósito, o próximo post é a transcrição de um trecho onde ele aborda o jogo de xadrez.

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