sexta-feira, 3 de junho de 2016

VULCANISTAS

Há muito tempo que eu não deixo minha mente dar aquela viajada, pois ela tem andado muito ocupada revirando as lembranças de família para abastecer a seção mais procurada dessa mercearia de bairro pobre que é o Blogson. Por isso, resolvi dar uma folga (para a mente, lógico), para a coitada fazer aquela faxina "pessoal" e depois enfiar o pé na jaca, ou melhor, na estrada. O resultado, bem... Só os 1,8 leitores (estão acontecendo deserções!) poderão avaliar. Por isso, bora lá mochilar.


Acredito que o significado de "alpinista" é uma coisa tranquila para a maioria das pessoas. Alpinista, alpinismo tem a ver com a escalação de picos, escarpas e montanhas que alguns malucos gostam de encarar, daquelas que até lagartixas usariam cinto de segurança para se mover.

Malucos mesmo, pois de acordo com uma estatística que encontrei na internet, "até o final de 2006, 8.030 pessoas tentaram alcançar o topo do monte Everest, sendo que destas 212 não retornaram e 56% delas morreram depois de atingir o cume". Isso sem contar a quantidade de dedos, orelhas e narizes perdidos e amputados em decorrência de congelamento.

Imagino que o mesmo entendimento não aconteça com os termos "vulcanismo", "vulcanólogo" ou "vulcanologista". Vulcanismo, simplificadamente, é o que ocorre com os vulcões em atividade, aqueles mal educados que vivem jogando lava, pedras e gases para fora. Vulcanólogos ou vulcanologistas são os loucos que estudam essa coisa. Procurei também dados estatísticos sobre mortes causadas por vulcões, mas não encontrei nada que interessasse. Só descobri que um vulcanólogo chamado Geoff Mackley passou os últimos 15 anos tentando aproximar-se o máximo possível de vulcões em atividade. O aloprado conseguiu ficar apenas a 27 metros de um desses. Louco de pedra, portanto. E pedra derretida!

Um dos leitores desta bagaça pode estar se perguntando por que eu estaria interessado nesse assunto. Para dizer a verdade, não estou nem um pouco interessado. O que acontece é que surgiu na minha cabeça uma metáfora relacionada a vulcão. Melhor dizendo, um vulcão ativo como metáfora.

Depois de ler alguns textos e ver algumas imagens na internet, fiquei pensando quão estranha é a atração que sentem algumas pessoas por temas, assuntos, palavras ou imagens cruas, transgressoras, desafiadoras, marginais. É como se essa gente gostasse de fazer rapel dentro do cone de um vulcão ativo. E aí me ocorreram dois neologismos para identificar quem se aventura por prazer pelas "entranhas dos vulcões", só para chegar o mais perto possível da "lava incandescente" que são esses temas de altíssima temperatura e potencial capacidade de queimar quem deles se aproxima.

Bem, para simplificar, estou tentando desde o início deste texto criar uma metáfora para as pessoas que se sentem atraídas pelo bizarro, obsceno, vulgar, de gosto duvidoso ou transgressor. Fui claro?

A exemplo dos alpinistas, aqueles que gostam de brincar de lagartixa, de se arriscar a morrer (no sentido literal) só pelo prazer de ter tentado e concluído essas escaladas, fiquei pensando nos "vulcanistas", neologismo que imaginei para identificar o pessoal que sente atração e prazer em mergulhar no "abismo de mil graus" dos temas e imagens provocadoras. Alguns se arriscam tanto a se deixar queimar que eu até os chamaria de "vulcanólatras", viciados mesmo.

O Lou Reed fez uma música cujo título e letra falam muito disso: take a walk on the wild side – dê um passeio pelo lado barra-pesada. Tenho a impressão que fez um contraponto intencional com uma música bem mais antiga, que dizia "life can be so sweet on the sunny side of the street" – a vida pode ser doce (boa) no lado ensolarado da rua.

Não sei o que leva as pessoas a achar graça, a sentir-se atraídas pelo lado mais cru da vida, da sociedade, a preferir o porão abafado ao terraço ensolarado. Não sei, nem me interessa saber, simplesmente porque não me identifico com esse estilo e gosto.

Além do mais, o que teria eu com isso, com essa atração alheia pela antítese de um comportamento mais comedido, mais elegante, menos explícito, menos escrachado, menos escarrado, é a pergunta que se poderia fazer. E a resposta óbvia seria "nada", claro. Mas que é estranho, é.

Alguém disse gostar do estilo leve que adoto para escrever minhas bobagens. Fiquei super feliz com essa avaliação, pois é justamente isso que persigo. Já disse que o Rubem Braga e o Luís Fernando Veríssimo são meus ídolos, mestres em quem tento me espelhar (mesmo que os resultados obtidos estejam a anos-luz de distância desse pessoal). Como sou um caipirão sem cultura, pouco me importa se são ou não os melhores de seu ofício. Para mim, são paradigmas. Por isso, quando tento escrever alguma coisa com leveza ou humor meio non sense é nesse pessoal que estou de olho.

É também por isso que prefiro o lirismo e a leveza da prosa do velho Braga ao texto frequentemente pornográfico de um Bukowski, por exemplo. Questão de gosto, claro. Talvez esse gosto tenha sido moldado ainda na infância, graças à educação repressora que recebi. O que sei é que poderia adotar como minha uma frase que ouvi alguém sensatamente dizer há muito tempo: "eu não converso sobre sexo, eu faço". 

Por isso, apenas por hipótese, se alguém sugerisse que eu escrevesse alguma coisa no estilo "wild side" eu continuaria na minha, mesmo tentado a lhe convencer que o  sutil, o insinuado e o apenas vislumbrado podem ser mais interessantes ou excitantes que o abertamente escancarado. Por ser velho, talvez por ser caipira ou careta, eu prefira mais o "sunny side of the street". 

Então, é onde eu queria chegar (custou!): enquanto alguns se sentem atraídos pelo "interior do vulcão", eu prefiro chegar "só até a borda". Questão de gosto, é claro. E por falar em "gosto", este post ficou com gosto de fundo de gaiola, um lixo total (acho melhor voltar para as memórias...).


https://www.youtube.com/watch?v=_Sr5F4r2Urs

https://www.youtube.com/watch?v=cAfP5BMKgjc

5 comentários:

  1. Zé - eu adoro seu estilo de pensar e de escrever e gosto muito da forma como você elabora seus textos, partindo de uma metáfora e deixando sua mente ir criando livremente à medida que redige seus posts - outro dia li um livro que me fez lembrar de você - não sei se já leu, mas quando você tiver a oportunidade verá que ele reflete muito mesmo - a sua pessoa, o seu estilo e o seu gosto - eu sempre falo que a gente tem muito em comum - talvez por isto eu te admire tanto - fica a dica do livro que comentei : A Mente Organizada - Como Pensar Com Clareza na Era da Sobrecarga de Informação
    Levitin, Daniel

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    1. Grande Mauro! Obrigado pelo comentário, mais elogioso que merecido. Mas o que disse tem fundamento: minha mente funciona à base de associações e tudo começa às vezes de uma única palavra, como este texto. Quanto ao livro, não li e tentarei dar uma conferida. Mas não pude de achar graça no humor involuntário do que disse ("eu sempre falo que a gente tem muito em comum - talvez por isto eu te admire tanto"). E o humor ficou por conta dessa declaração de amor-próprio. No seu caso, mais que merecida. Não sei se tem PHD, mas certamente tem PHO, porque você é PHOda! Brincadeiras à parte, renovo e reitero minha profunda admiração por seu imenso brilho intelectual e profissional. No meu caso, o degrau é bem mais baixo, é quase "chão de fábrica". Abração. Zé

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  2. Também gostaria se saber o que leva pessoas a serem atraídas pelo estranho, incomum, perturbador... Talvez seja um defeito, uma má formação, algo assim, se descobrir a cura favor informar.
    "J"

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    1. Não há cura para doença inexistente. Gostar disso ou aquilo é apenas preferência, característica pessoal. Há muitos anos fizeram uma propaganda que colou em minha mente como chiclete em passeio público. Ela dizia assim: "o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?" É isso.

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  3. Seria um azul escuro, profundo ou índigo meio hippie, sei lá.
    "J"

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