sexta-feira, 24 de junho de 2016

TRÊS POR QUATRO

Em seu primeiro livro, se não me engano, o Stephen Hawking disse (assim entendi) que só há passagem do tempo se houver um observador. Isso, se não houve erro de tradução. Afinal, como dizem os italianos: traduttore, traditore. E, segundo ouvi dizer, na primeira edição brasileira, a tradução estava um lixo.

Já pensei nessa afirmação um bocado de vezes. Para mim, isso só é possível em um universo sem vida. Porque, se a vida é finita, não importa se você é um paramécio ou uma ameba autista, o tempo sempre passará.

Mas, deixemos essas considerações para quem tem QI igual ao do cientista. Afinal, o meu é muito menor! Se o dele é 550, o meu chega, no máximo, a 549,5.

Como diz uma música antiga (linda!), time keeps flowing like a river to the sea. Eu tenho observado essa passagem, esse rio, há muito tempo. Como disse antes, há uma forma fácil para fazer isso: olhar os retratos 3x4 que você tirou ao longo da vida. A lógica disso é simples: a sua posição na foto é basicamente a mesma, sempre. 

A partir da adolescência, por insegurança, vaidade ou obsessão (ou tudo isso junto), comecei a guardar de forma ordenada cada foto 3x4 que era obrigado a tirar. “Ordenar”, no caso, consistia apenas em anotar no verso do retrato a data exata ou, pelo menos, o ano em que foi tirado. Não satisfeito com isso, procurei também identificar a data provável de retratos mais antigos, tirados na infância e pré-adolescência.

Como bom maníaco, usava também um artifício: em lugar de tirar logo uma dúzia de cópias que serviriam por um período maior e várias finalidades, encomendava só seis cópias, reservando sempre uma delas para guardar. Fazendo essa jogada até me formar na faculdade, a cada ano a galeria aumentava. Houve algumas exceções, entretanto.

Quando precisei, por exemplo, tirar retrato para o alistamento militar. Para essa “missão”, coloquei no bolso um pente e um par de óculos que tinha desistido de usar. Esses óculos haviam sido receitados para correção de hipermetropia e astigmatismo no olho direito. A questão é que minha vista esquerda era perfeita. Assim, mesmo com os óculos, a visão direita era sempre pior. No dia da foto, para ficar com uma cara de mané ainda maior que a que já possuía, os óculos saíram da gaveta onde estavam guardados.

Cheguei ao Foto Retes e, como era o costume, encomendei as seis cópias. E aí encomendei outras seis. Na primeira pose, coloquei os óculos, penteei o cabelo de lado, abotoei a camisa até o pescoço e procurei fazer cara de bundão. Na segunda pose, guardei os óculos, desabotoei a camisa e mudei o penteado. Nem precisaria dizer que a pose com óculos está no meu Certificado de Reservista (dispensado por excesso de contingente). Curiosamente, a cara de bundão é a mesma nas duas fotos (é claro que a culpa disso é do fotógrafo, provavelmente um profissional inexperiente, ainda aprendendo).


Outro caso ridículo aconteceu logo depois de ter passado no vestibular. Estávamos em 1970, logo no início do ano e eu, com cabelos ainda muito curtos, depois da cabeça raspada no trote. Estava indo para a faculdade, atrasado como sempre, quando encontrei com meu irmão, já voltando. Perguntou se eu não tinha interesse em me inscrever para ser recenseador no censo que aconteceria naquele ano. A grana era boa, etc. Se quisesse, precisava correr, pois as inscrições se encerrariam naquele dia. Além da carteira de identidade, precisava de fotos 3x4. Comentei que não daria tempo, pois não tinha os retratos. Sempre proativo (não existia esse termo na época), meu irmão sugeriu que eu os tirasse ali mesmo, naquela rua, onde revelavam em uma hora. Solução dada, fui conferir.

A empresa ficava no segundo andar de um sobrado antigo do centrão de BH, sem elevador, a três quadras da Rua Guaicurus, tradicional rua de zona e empresas atacadistas de cereais e outros produtos. Região nobre, como se percebe. Uma escada estreita e mal iluminada dava acesso a algumas salas e lojas modestas, ocupados por alfaiates, escritórios mambembes de contabilidade e congêneres. Dentre esses, o lugar das fotos de uma hora.

Fui atendido por uma senhora de meia idade, com cara emburrada. Naquele dia, pelo menos, ela era recepcionista, caixa e fotógrafa. Mandou que eu me sentasse em uma cadeira posicionada em frente a uma câmera e abriu uma janela que ficava à minha esquerda. Do lado direito, estava um refletor tipo umbrela ou guarda-chuva. Deu para visualizar? A iluminação era feita com apenas um refletor e com a luz que entrava pela janela aberta!

Ordenou que eu olhasse para a lente, não me mexesse e flash! A foto estava tirada, sem que houvesse tempo de corrigir a postura, pois sempre tive a mania de olhar para as pessoas como se as visse por cima de óculos inexistentes. Depois de uma hora, peguei as seis cópias (lógico, né?) e corri para fazer a inscrição.

Apesar da qualidade, esse é o retrato de que mais gosto: a cabeça raspada dois meses antes, o olhar meio assustado, meio de louco, as sombras decorrentes da iluminação “fenétrica” (do francês fenêtre, janela; "frenética” era a iluminação da danceteria carioca Frenetic Dancing Days. Preciso explicar tudo?) acentuando o gogó e as bolsas sob os olhos. Resumindo: uma bosta. Só há uma coisa que sempre me deixou cismado: por que meu irmão conseguiu a vaga de recenseador e eu não?


2 comentários:

  1. Muito bom texto Zé! Fiquei te imaginando na Loja Retes para tirar uma foto e ai pensei numa trilha sonora para a cena : veja se você gosta = https://youtu.be/zlT0ZGBmFCg - abs do Maluco:)

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    1. Meus óculos eram parecidos com os do Herbert Viana, mas só foram usados para o retrato do alistamento militar. E a música é bem legal. O engraçado é que o Herbert tinha cara de menino caxias ou nerd, nunca de roqueiro.

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