Em seu primeiro livro, se
não me engano, o Stephen Hawking disse (assim entendi) que só há passagem do
tempo se houver um observador. Isso, se não houve erro de tradução. Afinal,
como dizem os italianos: traduttore, traditore. E, segundo
ouvi dizer, na primeira edição brasileira, a tradução estava um lixo.
Já pensei nessa afirmação
um bocado de vezes. Para mim, isso só é possível em um universo sem vida.
Porque, se a vida é finita, não importa se você é um paramécio ou uma ameba
autista, o tempo sempre passará.
Mas, deixemos essas
considerações para quem tem QI igual ao do cientista. Afinal, o meu é
muito menor! Se o dele é 550, o meu chega, no máximo, a 549,5.
Como diz uma música antiga
(linda!), time keeps flowing like a river to the sea. Eu tenho
observado essa passagem, esse rio, há muito tempo. Como disse antes, há uma
forma fácil para fazer isso: olhar os retratos 3x4 que você tirou ao longo da
vida. A lógica disso é simples: a sua posição na foto é basicamente a mesma, sempre.
A partir da adolescência,
por insegurança, vaidade ou obsessão (ou tudo isso junto), comecei a guardar de
forma ordenada cada foto 3x4 que era obrigado a tirar. “Ordenar”, no
caso, consistia apenas em anotar no verso do retrato a data exata ou, pelo
menos, o ano em que foi tirado. Não satisfeito com isso, procurei também
identificar a data provável de retratos mais antigos, tirados na infância e
pré-adolescência.
Como bom maníaco, usava também um
artifício: em lugar de tirar logo uma dúzia de cópias que serviriam por um
período maior e várias finalidades, encomendava só seis cópias, reservando
sempre uma delas para guardar. Fazendo essa jogada até me formar na faculdade,
a cada ano a galeria aumentava. Houve algumas exceções,
entretanto.
Quando precisei, por
exemplo, tirar retrato para o alistamento militar. Para essa “missão”, coloquei
no bolso um pente e um par de óculos que tinha desistido de usar. Esses óculos
haviam sido receitados para correção de hipermetropia e astigmatismo no olho
direito. A questão é que minha vista esquerda era perfeita. Assim, mesmo com os
óculos, a visão direita era sempre pior. No dia da foto, para ficar com uma
cara de mané ainda maior que a que já possuía, os óculos
saíram da gaveta onde estavam guardados.
Cheguei ao Foto
Retes e, como era o costume, encomendei as seis cópias. E aí
encomendei outras seis. Na primeira pose, coloquei os óculos, penteei o cabelo
de lado, abotoei a camisa até o pescoço e procurei fazer cara de bundão. Na
segunda pose, guardei os óculos, desabotoei a camisa e mudei o penteado. Nem
precisaria dizer que a pose com óculos está no meu Certificado de
Reservista (dispensado por excesso de contingente). Curiosamente, a
cara de bundão é a mesma nas duas fotos (é claro que a culpa disso é do
fotógrafo, provavelmente um profissional inexperiente, ainda aprendendo).
Outro caso ridículo
aconteceu logo depois de ter passado no vestibular. Estávamos em 1970, logo no
início do ano e eu, com cabelos ainda muito curtos, depois da cabeça raspada no
trote. Estava indo para a faculdade, atrasado como sempre, quando encontrei com
meu irmão, já voltando. Perguntou se eu não tinha interesse em me inscrever
para ser recenseador no censo que aconteceria naquele ano. A grana era boa,
etc. Se quisesse, precisava correr, pois as inscrições se encerrariam naquele
dia. Além da carteira de identidade, precisava de fotos 3x4. Comentei que não
daria tempo, pois não tinha os retratos. Sempre proativo (não existia esse
termo na época), meu irmão sugeriu que eu os tirasse ali mesmo, naquela rua,
onde revelavam em uma hora. Solução dada, fui conferir.
A empresa ficava no
segundo andar de um sobrado antigo do centrão de BH, sem elevador, a três
quadras da Rua Guaicurus, tradicional rua de zona e empresas atacadistas de
cereais e outros produtos. Região nobre, como se percebe. Uma escada estreita e
mal iluminada dava acesso a algumas salas e lojas modestas, ocupados por
alfaiates, escritórios mambembes de contabilidade e congêneres. Dentre esses, o
lugar das fotos de uma hora.
Fui atendido por uma senhora de meia idade, com cara emburrada. Naquele dia, pelo menos, ela era
recepcionista, caixa e fotógrafa. Mandou que eu me sentasse em uma cadeira
posicionada em frente a uma câmera e abriu uma janela que ficava à minha
esquerda. Do lado direito, estava um refletor tipo umbrela ou
guarda-chuva. Deu para visualizar? A iluminação era feita com apenas um refletor e com
a luz que entrava pela janela aberta!
Ordenou que eu olhasse
para a lente, não me mexesse e flash! A foto estava tirada, sem que
houvesse tempo de corrigir a postura, pois sempre tive a mania de olhar para as
pessoas como se as visse por cima de óculos inexistentes. Depois de uma hora,
peguei as seis cópias (lógico, né?) e corri para fazer a inscrição.
Apesar da qualidade, esse
é o retrato de que mais gosto: a cabeça raspada dois meses antes, o olhar meio
assustado, meio de louco, as sombras decorrentes da iluminação “fenétrica” (do
francês fenêtre, janela; "frenética” era a iluminação
da danceteria carioca Frenetic Dancing Days. Preciso explicar
tudo?) acentuando o gogó e as bolsas sob os olhos. Resumindo: uma bosta. Só há
uma coisa que sempre me deixou cismado: por que meu irmão conseguiu a vaga de
recenseador e eu não?
Muito bom texto Zé! Fiquei te imaginando na Loja Retes para tirar uma foto e ai pensei numa trilha sonora para a cena : veja se você gosta = https://youtu.be/zlT0ZGBmFCg - abs do Maluco:)
ResponderExcluirMeus óculos eram parecidos com os do Herbert Viana, mas só foram usados para o retrato do alistamento militar. E a música é bem legal. O engraçado é que o Herbert tinha cara de menino caxias ou nerd, nunca de roqueiro.
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