terça-feira, 21 de junho de 2016

LINGUAGEM DE SOGRA

Minha sogra é uma pessoa interessantíssima e até já publiquei um post sobre ela, falando de sua resiliência diante das dores que a vida pode causar. Tem um bom humor incrível e se presta despreocupadamente a pagar micos quando solicitada pelos netos mais sem noção. Já foi fotografada fazendo gesto de metaleiro (não conseguiu acertar), já tirou retrato com "asas" de folha de couve, já usou véu de noiva (com direito a buquê) e outras maluquices que ela tira de letra e sempre encara com bom humor.

Gosta muito de mim e vive dizendo que eu sou bom demais, que sou como um filho para ela, pois estou sempre disponível para atendê-la. Ultimamente tenho tentado alertá-la para o fato de não ter exatamente a bondade e disponibilidade que acredita ver em mim. Digo sempre que a culpa ou mérito desse julgamento equivocado é de sua filha, ela sim, verdadeiramente carinhosa, gentil e atenciosa com sua mãe. Eu apenas atendo os pedidos feitos por minha mulher. Se ela não me pedisse nada eu ficaria na minha, pois não sou nem solidário nem prestativo, sou exatamente o oposto disso. Mas minha sogra não acredita. Paciência, fazer o que, não é?

A idade avançada trouxe uma enorme dificuldade de se locomover, pois não possui mais as as cartilagens dos joelhos, que ficaram na base do osso com osso (assim entendi). Por isso, utiliza andador quando precisa se deslocar um pouquinho dentro de casa. Além disso, está surda como uma porta (queria saber quem imaginou essa idiotice), mas está lúcida como sempre e com memória melhor que a dos filhos.

Essa surdez foi motivo de uma piada real, involuntariamente dita por ela. Aconteceu quando uma de suas concunhadas resolveu promover um encontro das mulheres da família e convidou sobrinhas e concunhadas ainda vivas para um lanche da tarde em seu apartamento. No dia combinado, levei minha mulher, duas de suas irmãs e minha sogra até o prédio onde ocorreu o encontro. Minha sogra desceu do carro com a dificuldade natural, amparada pelas filhas, não sem antes agradecer minha "bondade".

Quando fui buscá-las, quase usando linguagem de sinais para que ela me entendesse, perguntei à minha sogra se tinha se divertido e conversado muito. Tive de me controlar para não começar a rir depois de ouvir sua resposta:
- Ah, Zé, eu não tenho muito assunto para falar e fiquei só escutando (!!!!).

Pois bem, exatamente hoje ela está completando 94 anos (tempo pra caramba!). Talvez por isso, pela certeza e pelo medo de estar no fim da vida, passa a maior parte do tempo rezando sentada em uma poltrona em seu quarto, alternando orações individuais e rezas de terço com missas e programas transmitidos pelos canais católicos de televisão. "Conversa" com as pessoas que vão visitá-la, talvez fazendo leitura labial para entender mais facilmente o que está sendo dito, e ri com uma simpatia cativante.


Quando fez oitenta anos, ganhou dos filhos um festão e um presente inimaginavelmente carinhoso e delicado: minha mulher pediu a todos os parentes que escrevessem alguma coisa sobre sua mãe. Aos textos e mensagens escritas pelos familiares e amigos, acrescentou cópia da certidão de nascimento, fotos antigas e o proclama de seu casamento com meu sogro. Juntou tudo isso e mandou encadernar em um livreto de capa dura e letras douradas. Para homenagear essa senhora baixinha que teima em me tratar como filho, resolvi transcrever o texto que escrevi para ela há quatorze anos.


É, falar de sogra é complicado. Bastou falar a palavra “sogra” pra todo mundo cair de pau. Afinal, sogra dá palpite sem ser convidada, interfere na vida do casal, chega sempre na hora errada, cisma que cozinha melhor que a nora. Se, em vez de nora, tiver genro, piorou: com certeza “ele é um vagabundo” E por aí vai.
Esse negócio de sogra é tão complicado que algumas coisas estranhas levam nome de sogra. Talvez porque tenham alguma coisa em comum com ela: “olho de sogra” (será que tem a ver com olho grande ou olho gordo?), “língua de sogra” (precisa maior?) e outras que devo estar esquecendo.
Se eu tivesse sogra, com certeza, estaria malhando também, como todo mundo.
Estou dizendo isso tudo só para provocar, pois eu não tenho sogra. A senhora, Dona Lourdes, há muito tempo deixou de ser minha sogra, (talvez nunca tenha sido). A senhora ultrapassou essa etapa e transformou-se em minha mãe. Eu penso que a senhora me adotou, me trata como mais um de seus filhos. Mas isso não é privilégio meu, pois a senhora adota todos que têm a sorte de cruzar seu caminho.
Outro dia, quando conversávamos, eu disse que tive muita sorte de casar com sua filha (que eu amo), de conviver com os “meninos” (seus filhos, gente de emoção à flor da pele), com a senhora e com seu Neca, pois essa convivência tinha feito de mim uma pessoa melhor, menos complicada. E claro que isso é consequência da atmosfera de cordialidade existente em sua casa, da simplicidade cativante com que a senhora trata a todos que ali vão.
Pois bem, dona Lourdes, estou enrolando muito, não é? Mas isso é só para mostrar o tanto que gosto da senhora.
Não entendo de bebidas (no máximo, leite com Toddy), mas dizem que o bom vinho melhora com o tempo. Eu penso que a senhora é como um bom vinho, cada dia melhor.
E é por isso que eu desejo e espero que a senhora possa nos alegrar com sua presença por muitos e muitos anos ainda (no mínimo, mais vinte!), para que possamos ir aprendendo com a senhora a viver melhor. E eu acho que a senhora chega lá, pois a senhora segue a receita do vovô Catapreta, não pára.
Assim, quando algum dos seus filhos falar para a senhora não fazer isso ou aquilo (a Erê em especial), mande plantar batatas!
Eu, particularmente, espero que daqui a vinte anos, em dia de festa em sua casa, nós dois ainda estejamos conversando na cozinha: eu, sentado em um banquinho, a senhora, provavelmente lavando alguma vasilha e o resto do povo, enchendo a cara alegremente no quintal.
Precisa melhor que isso?

PARABÉNS! ! ! !
Zé, seu (com perdão da má palavra) genro.
21/06/2002





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