segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

PAPO DE FORMIGA

Existe um tipo de formiga que me impressiona e incomoda: é aquela filha da puta de cor amarelada que gosta de fazer ninhos em lugares tipo aparelhagem de som, computadores, etc. Aqui em casa, uma vez, encontramos um ninho no material isolante que ficava dentro da porta de uma geladeira, quando resolvemos trocar a borracha de vedação. Também já encontramos dentro de uma caixa onde minha mulher guardava receitas e até no espaço entre o colchão e a estrutura de metal de um beliche.

Os ovos têm o tamanho e a aparência de grãos de arroz e o ninho pode apresentar uma substância de aparência oleosa que me causa algum nojo. Mas o que chama atenção é seu comportamento dissimulado: pelo que já percebi, essa cretina parece ter hábitos noturnos. Além disso, se você chegar perto é capaz de ficar imóvel por muito tempo. Mas, se você der uma cutucadinha, fica igual barata tonta.

Antes que alguém pense que eu comecei a ficar esclerosado, já aviso que o tema de hoje não é o estudo dos insetos da família Formicidae, mas sua associação com certo tipo de gente muito comum no Brasil. Vou resumir:

- Fazem seus “ninhos” de forma a não serem nunca notados;
- Exploram, degradam, danificam ou melam o lugar onde se instalaram;
- Movem-se preferencialmente “na calada da noite”;
- Se pressentirem que estão ameaçadas agem de forma dissimulada, como se quisessem ficar invisíveis;
- Quando um "ninho" é descoberto, há um corre-corre geral para se esconder,  escapar e se salvar.

Se eu pegasse a conversa no meio e ouvisse alguém falando isso, pensaria estar se referindo aos investigados e condenados da Operação Lava Jato. Ou não?

O CLUBE DO SAZÃO - ZIRALDO

Eu estava hoje tentando achar algumas informações para um post que estou escrevendo, quando me ocorreu procurar no "Almanaque do Pasquim", edição comemorativa do primeiro ano de existência desse excelente jornalzinho. Não achando o que procurava, fiquei ali dando umas folheadas naquelas páginas antigas, revendo cartoons geniais, textos inteligentíssimos ou super bem humorados. Resumindo: coçando saco mesmo. 

Nessas folheadas reli um texto escrito pelo Ziraldo. Pensei em escanear e passar o OCR nele, mas ficou um lixo. Escaneei então como imagem e resolvi postar no Blogson, pois se na época em que saiu não achei grande coisa, hoje penso que tem tudo a ver. Minha reverência especial de hoje é para o irmão do Zélio e do Ziralzi, o fantástico cartunista, artista multimídia e multitalentoso Ziraldo Alves Pinto (já aviso que o corporativismo é involuntário). Detalhe: quando o texto foi publicado, o Ziraldo não tinha ainda quarenta anos, mas mandou muito bem. Como sempre. Espero que consigam ler.




sábado, 27 de fevereiro de 2016

TEXTO MUITO MACETOSO

Meu amigo Pintão era o rei da cultura inútil e das curiosidades e notícias bizarras que encontrava em suas leituras diárias. Um dia chegou com uma cópia xerox muito ruim de uma sentença judicial de 1800 e pedrinha.

Custamos a decifrar o que estava escrito, mas divertimo-nos muito com o texto manco e, principalmente, com a condenação. Lembrando-me disso e de algumas expressões hilariantes utilizadas pelo juiz, entrei na internet e achei o texto.

Aqui cabe um pequeno parêntese: é por essas e outras "inovações" linguísticas que o espanhol (galego) e outras línguas neolatinas foram surgindo. Mas, vamos à sentença:


“SENTENÇA DO JUIZ MUNICIPAL EM EXERCÍCIO, AO TERMO DE PORTO DA FOLHA – 1883.

SÚMULA: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus boxes e faz gogas de suas víctimas desejando a mulher do próximo, para com ella fazer suas chumbregâncias.

O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Senhora Sant´Anna, quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu dela de sopetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume e como ella, recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará, e não conseguio matrimônio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja pêijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto.

As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a pervesidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluemos. Dizem as leis que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunhas de avaluemos e assim:

Considero que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar porque eram casados pelo regime da Santa Madre Igreja Cathólica Romana.

Considero que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver.

Considero que a paciente estava pêijada e em consequência do sucedido, deu a luz de um menino macho que nasceu morto.

Considero que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou mãe falecesse.

Considero que o cabra Manoel Duda é um suplicado deboxado, que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer coxambranças com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia.

Considero que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo que elle desejou.

Considero que sua Majestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e as sem vergonhesas por elle praticados e apara as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados.

Considero que o Cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga das incomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo.

Posto que:
Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete.

A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro. Feita a capação, depois de trinta dias o Carcereiro solte o cujo cabra para que vá em paz.

O nosso Prior aconselha:
Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est sentetia qibus capare est macete macetorim carrascus sine facto nortre negare pote.

Cumpra-se a apregue-se editaes nos lugares públicos. Apelo ex-officio desta sentença para juiz de Direito deste Comarca.

Porto da Folha, 15 de outubro de 1833.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

DICAS PARA O MARCELO

"Como é que se vira um pai? Onde fica o interruptor, qual o hormônio que me prepara? Que boas lições eu tive na vida? Aonde encontro os exemplos, onde posso conversar com outros pais? Não é uma competição, nem uma negação de privilégios é uma constatação de que é difícil, é um desabafo, um pedido de ajuda". 


Assim começa um texto colocado no facebook por um sobrinho. Várias pessoas fizeram comentários, inclusive minha mulher, que perguntou se eu também quereria escrever para ele (no perfil dela). Comecei a escrever alguma coisa, mas acho que me entusiasmei e escrevi mais que o padrão "rede social". Por isso, mesmo já sabendo que ele não lerá minhas dicas, resolvi publicá-las (reciclagem é comigo mesmo) no velho Blogson. Talvez possam servir para algum pai fresco (de primeira viagem, bem entendido). E o ibope, é claro, ficará perto do traço. Não importa. Por isso, vamos lá.


Marcelo,
Quando seu primo mais velho nasceu eu tinha 26 anos, era pouco mais que um adolescente e quase tão irresponsável quanto. Não sabia como um pai deve se portar, se comportar. Nunca soube (e continuo sem saber) o que ensinar, o que dizer para nossos filhos. A única certeza que sempre tive é que eu os amava sem meias medidas (como continuo amando até hoje).

O pouco que eu aprendi nesses anos todos que se passaram eu posso compartilhar com você. A primeira dica é olhar para seu filho com os olhos no presente, nunca no futuro. Não tenha pressa de vê-lo sentar sozinho, engatinhar, falar “mamãe”, “papai” e coisas assim, pois ele fará tudo isso no tempo dele. Se você ficar imaginando e desejando o futuro próximo, deixará de vê-lo tal como ele é naquele instante. E o tempo passa rápido, muito rápido.

A segunda dica está relacionada com isso: abrace e beije seu filho e diga a ele o quanto você o ama, o quanto ele é importante para você. Se possível, faça isso todo dia, para que ele sempre se lembre disso. Ele terá muitas dúvidas ao longo da vida, mas nunca a incerteza de ser amado por você.

Só mais uma coisa: um dia, na adolescência, ele terá vergonha de ser visto a seu lado. Isso talvez te assuste, mas é apenas a afirmação de que ele não é mais criança. Mas passa logo, não se preocupe. Você também errará muito - e se arrependerá profundamente. Infelizmente (ou não!), tentar ser um bom pai é como trocar um  pneu com o carro em movimento. A vantagem é que também é bom demais. O importante é que você está vivendo agora o início do que imagino ser a maior emoção da sua vida. Por isso, relaxe e aproveite. Abração. Zé

CHUTA UM NOME!

É SÓ UMA RAPIDINHA
Como tenho preguiça de jogar fora os e-mails que envio, acabei resgatando as bobagens apresentadas a seguir. Algumas piadinhas ficaram meio (ou muito) rançosas, mas não quero nem saber. Esclareço ainda que nem todos os meus 1,3 leitores receberam essa tranqueira na íntegra. Além do mais, há coisas que nunca foram enviadas para ninguém. E, mesmo que as pessoas que convivem comigo acreditem que eu falo demais, que sou prolixo (pro lixo), fica comprovado que não sou de jogar conversa fora (creio já ter feito essa piada antes).


ANTROPOLOGIA
Depois de certa idade, algumas pessoas começam a desconfiar que descendem de um ramo evolutivo pouco conhecido pela Ciência, que em inglês (fica mais chique, mesmo que esteja errado) creio que seria conhecido como "homo nor erectus so". Já em Belzonte e adjacências é “homo nem tão erectus assim".


HOMENAGEM AO MARCO FELICIANO (alguém ainda se lembra dele?)
Estive pensando que algum empresário moderninho e descolado deveria abrir um bar exclusivamente para o público gay. O diferencial desse novo bar em relação aos que já existem para esse fim, estaria no mobiliário: não haveria cadeiras e todas as mesas seriam bem altas, para que os frequentadores pudessem tomar em pé sem ficar constrangidos.


TROCADILHO ESTILO JOTABÊ
Outro dia (isso já faz muito tempo) observei que o youtube tem algumas divisões para facilitar a pesquisa, os "populares no Youtube" (música, esportes, etc.). Minha sugestão é criar mais uma, em homenagem tardia à cura gay – o YOUTOBA.


ISTAUÁ
Fiquei pensando que o Led Zeppelin deveria ter lançado uma música em homenagem ao Darth Vader & Cia. Ltda. O nome poderia ser “Star Wars to Heaven”. Para adiantar (caso os remanescentes ainda se interessem), sugiro essas frases iniciais:

There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's going from star wars to heaven

("a mesma praça, o mesmo banco...")

HARDCORE

Estou parecendo comerciante às vésperas do natal, dia das mães ou das crianças, preocupado em abastecer as prateleiras com os produtos de maior saída. No caso do Blogson, esses produtos são os “causos” e lembranças da seção “Memória”.

E como o freguês tem sempre razão, resolvi registrar alguns comentários, frases e expressões ditas por antigos colegas de profissão, uma gangue de velhinhos (na época, nem tanto assim) de quem perdi total contato. Até acredito que algumas dessas frases (ou a maioria) talvez nem sejam da autoria desse pessoal. Independente disso, são cínicas, engraçadas sacanas ou inesperadas. 

Para começar (jogada de marketing!), mesmo que eu não curta escrever dessa forma, resolvi contar algumas lembranças destinadas ao “público adulto”, pelo componente explicitamente sexual nelas presente. Vamos lá.


Na empresa onde trabalhei durante mais de dez anos, havia um sujeito que se destacava dos demais pelo tipo de comentários que fazia - frequentemente pornográficos, mas muito engraçados. Graudão na empresa e bem nascido, era também um ótimo contador de piadas, apesar da expressão carrancuda e mal humorada que sempre exibia. Tinha estopim mais curto e temperamento meio explosivo, mas ao contar suas anedotas, mudava radicalmente, pois sempre ria da própria piada que estava contando. Ao fazer isso, apertava os olhos enquanto ria quase descontroladamente no final.

O resultado de suas expressões faciais potencializava a graça da anedota, pois acabávamos rindo dele e da piada. Mas era particularmente engraçado nos comentários "de pedreiro" que que fazia tendo sexo como tema. 

O curioso é que apesar de "bem nascido", era "O" escrotão, pois não tinha finesse nenhuma. Às vezes seus casos e comentários eram tão vulgares que chegavam a constranger quem os ouvia. Meu amigo Pintão era um que se levantava e saia quando o "entusiasmo" da narrativa era maior que o normal.

Como consequência do fato de ter nascido em "berço de ouro", as pessoas com quem convivia fora da empresa eram principalmente gente abonada (ou muito rica). Também por isso, sempre frequentou lugares e ambientes que nós, pés duros, nunca pudemos passar perto. Sabendo que não se comprometeria junto a seus “pares”, deitava e rolava nos casos picantes, abusando da escrotidão.

Jogando conversa fora em um grupo só de engenheiros (profissãozinha danada de elitista!), saiu-se com essa ao louvar a bunda de alguma mulher que só ele e mais um ou dois conheciam:

- "Ela é boa pra caralho, tem uma bunda fantástica, mas é do tipo "cu ladrão", aquele que antes de você chegar na porta já te roubou meio palmo de pica". 

Em outra ocasião, criticando o "estilo Lula" de auto elogiar-se usado por um desafeto qualquer (coisa que ele também fazia!), explodiu: 

- "Aquele cara é tão convencido e se acha tão foda que só falta peidar cheiroso".

Talvez por conta do meio social onde nasceu, esse sujeito era (é) meio esnobe, do tipo que em uma conversa identifica uma pessoa pelo nome e sobrenome. Um dia, elogiando e criticando as qualidades de conquistador de um amigo garanhão, comentou:

- "O Fulano (nome e sobrenome) é foda, sempre comeu as melhores mulheres. Agora ele está com a Sicrana (nome e sobrenome), uma mulher que era linda, mas está uma ruína. Eu acho que ele tem um 'pau venenoso', pois destrói toda mulher que pega. Quando separa dela, a mulher está um bagaço".

Comentando sobre outra mulher que só ele conhecia, com um sorriso cínico, lascou essa:

- "Ela é tão gostosa que se fosse comigo a um motel, eu entrava no quarto já lambendo até a maçaneta da porta"!

Para encerrar este post hardcore, lembro uma tirada "filosófica" feita por ele:

- "Um bom cu vale bem um balaio de bucetas".



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

COMENTANDO AS PENÚLTIMAS - 19

Existem notícias que me deixam tão puto ou tão para baixo que só tentando fazer uma piadinha para poder suportar o baque. Vê aí.


- Rapaz, você viu que a Agência Moody's diminuiu a nota do país em dois “degraus” de uma só vez?

- Só conheço The Moody Blues, uma banda de rock das antigas. Que porra é essa que você falou?

- Cara, você, além de velho, é alienado mesmo! A Moody’s é uma agência internacional de classificação de risco de crédito. E ela rebaixou a nota do Brasil. Ou seja, o que era ruim ficou pior.

- Tinha mais é que rebaixar mesmo! Com esse ensino fodido que nós temos você queria o que? Que tirasse nota boa?

- Quem falou de “ensino”, idiota? Acho que só agora eu compreendi mesmo por que o Joaquim Levy pediu demissão do cargo de ministro da Fazenda. É impossível fazer uma anta entender o que você está tentando explicar!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

COMENTANDO AS PENÚLTIMAS - 18

Eu não acho nenhuma graça no ator e comediante Leandro Hassum. Para ser sincero, acho que ele perde longe para a maioria dos humoristas que foram "alunos" do "Professor Raimundo" (o original, lógico). Independente disso passei a admirá-lo pelo comportamento íntegro que teve no episódio da prisão de seu irmão, ao dizer que "lugar de bandido é na cadeia".

Alguns poderão tentar minimizar o valor dessa atitude, lembrando que ele também declarou não conversar com o irmão há mais de dez anos. É claro também que existem os que acharam um absurdo ele virar as costas para o "sangue de seu sangue". No primeiro caso, má vontade; no segundo, burrice.

Lendo as últimas notícias sobre as manifestações pró e contra o Lula, sobre a prisão do João Santana, a soltura do Delcídio e todas essas coisas que intoxicam a mente e aumentam a desesperança de que um dia o país seja mais decente, fiquei pensando na frase dita pelo ator a respeito de seu irmão biológico. 

Esse é o tipo de raciocínio e de atitude que está em falta no partido da língua presa; esse é o comportamento que os petistas e simpatizantes deveriam adotar diante do tsunami de "lama" que, ao longo do tempo, altas autoridades do partido promoveram no governo, com impactos tão dramáticos na vida da população e na economia do país, que fazem os estragos ambientais provocados pelo rompimento da barragem de rejeitos em Mariana parecer fichinha. 

E é estranho que tenham essa cegueira ideológica, porque não dá para defender o que é indefensável, justificar o que é injustificável, nem elogiar o que é execrável ou aceitar o que é inaceitável. Talvez seja essa uma característica humana ou, pelo menos, dos brasileiros (de alguns), a de rejeitar ou condenar um crime mas amar ou admirar o criminoso. 

Mas, ainda bem que o comediante não agiu assim, pois não se desculpa o que é indesculpável nem se admite o que é inadmissível. Este raciocínio vale também para qualquer partido, para qualquer político, para qualquer pessoa, qualquer que seja sua ideologia. Porque os fins que se buscam nunca justificarão os meios adotados, se a ética e a legalidade forem desrespeitadas. Permito-me fazer uma auto-citação ao repetir a frase-piada que já publiquei aqui no blog: o que se pode dizer de uma pessoa para quem os fins justificam os meios? Que ela não tem princípios

Em um país ideal, em um mundo ideal (não existe, eu sei), os militantes e manifestantes mais apaixonados deveriam parar um pouco para pensar e, olhando para seus "irmãos" ("cumpanheros") enlameados, dizer como o Leandro Hassum: "lugar de bandido é na cadeia". Nesse dia, o Brasil passaria a ser um lugar civilizado, privilegiado e respeitado, um país de primeiro mundo.



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

INANIMADOS MUITO ANIMADOS - 03


MAIS UMA HISTÓRIA DO DIGÃO

A ONÇA

Na época em que escrevi os quinze textos originais sobre meu amigo Pintão (ou “Digão”, o apelido falso que usei para contar seus casos mirabolantes), talvez tenha achado boba ou irrelevante essa lembrança, mas, hoje, passado tanto tempo, seu finalzinho faz valer a pena contá-la, principalmente pelos pontos em comum com o texto recente em que eu lembrava as histórias inventadas por meu pai, de tão boa aceitação. 

Antes, um comentário: como eu consigo lembrar bobagens como essa, de forma quase fotográfica? A resposta eu mesmo encontrei muito tempo atrás: eu guardo tudo o que é inútil e esqueço tudo o que realmente importa. Isso é literalmente a verdade! Além disso, minha memória principal é mais visual que tudo, pois lembro-me até da posição e expressões da pessoa com quem conversei. Mas nunca consigo guardar nomes (não é mesmo, Renato?). Agora, chega de enrolação.



Não sei mais por qual motivo meu querido amigo contou esse caso. Na época, seu filho Du, era estagiário de engenharia na empresa onde trabalhávamos. E é com ele ainda criança que surgiu o caso da onça.

O Pintão disse que estava contando histórias para seu(s?) filho(s?) quando resolveu inventar uma caçada de onça. Com cinco ou seis anos, o Du logo se empolgou. A partir de agora, vou tentar reproduzir a descrição do “Digão" para seu filho, tal como nos contou.

- Eu estava na floresta caçando, quando apareceu na minha frente uma onça. Eu peguei a espingarda, mirei e... "pá"!

- Matou ela!

- Não, a espingarda falhou. Ela veio para cima de mim. Peguei então um pedaço de pau e bati na cabeça dela!... mas o pau quebrou.

(O Du foi ficando inquieto com aquela situação, mas o pai continuou, veemente).

- Aí eu peguei minha faca e enfiei nela!

- Ela morreu?

- Não... a faca entortou!

- E o que você fez???

(Nesse momento da história, com o Du preocupadíssimo e de olhos arregalados, o Pintão comentou conosco que não sabia mais o que inventar. Só não podia reproduzir a piada, dizendo que a onça o teria comido. E saiu o fecho “empolgante”):

- Quando ela pulou em mim, eu a agarrei pelo pescoço e nós rolamos pelo chão, mas dei uma gravata com tanta força que ela acabou morrendo sem ar. Então eu peguei a onça pelo rabo, rodei, rodei e joguei ela lá longe!

(a reação empolgadíssima do filho pequeno foi hilária):

- EITA PAI FEDAPUTA!!!!!

Nesse ponto, meu amigo encerrou a historinha com um comentário bem a seu estilo. Rindo, disse:

- Acho que foi o maior elogio que recebi na minha vida!

O RECITAL - LUIS FERNANDO VERISSIMO

Com tanto escritor bom por aí, repetir o Veríssimo  pode parecer sacanagem ou confissão de ignorância. Talvez seja isso mesmo, mas o fato é que sou fã total do Veríssimo, total mesmo. E a crônica transcrita hoje, além de ser hilariante, é uma aula de como criar um texto de humor (bom, nem todo mundo consegue). Não tinha como não “bi-reverenciar” seu autor. Por isso, som na caixa!


Uma boa maneira de começar um conto é imaginar uma situação rigidamente formal — digamos, um recital de quarteto de cordas — e depois começar a desfiá-la, como um pulôver velho. Então vejamos. Um recital de quarteto de cordas.

O quarteto entra no palco sob educados aplausos da seleta platéia. São três homens e uma mulher.  A mulher, que é jovem e bonita, toca viola. Veste um longo vestido preto. Os três homens estão de fraque.  Tomam os seus lugares atrás das partituras. Da esquerda para a direita: um violino, outro violino, a viola e o violoncelo. Deixa ver se não esqueci nenhum detalhe. O violoncelista tem um grande bigode ruivo. Isto pode se revelar importante mais tarde, no conto. Ou não.

Os quatro afinam seus instrumentos. Depois, silêncio. Aquela expectativa nervosa que precede o início de qualquer concerto. As últimas tossidas da platéia. O primeiro violinista consulta seus pares com um olhar discreto. Estão todos prontos, o violinista coloca o instrumento sob o queixo e posiciona seu arco. Vai começar o recital. Nisso...

Nisso, o quê? Qual a coisa mais insólita que pode acontecer num recital de um quarteto de cordas? Passar uma manada de zebus pelo palco, por trás deles? Não. Uma manada de zebus passa, parte da platéia pula das suas poltronas e procura as saídas em pânico, outra parte fica paralisada e perplexa, mas depois tudo volta ao normal. O quarteto, que manteve-se firme em seu lugar até o último zebu — são profissionais e, mesmo, aquilo não pode estar acontecendo — começa a tocar. Nenhuma explicação é pedida ou oferecida. Segue o Mozart.

Não. É preciso instalar-se no acontecimento, como a semente da confusão, uma pequena incongruência.  Algo que crie apenas um mal-estar, de início e chegue lentamente, em etapas sucessivas, ao caos. Um morcego que pousa na cabeça do segundo violinista durante um pizzicato. Não. Melhor ainda. Entra no palco um homem carregando uma tuba.

Há um murmúrio na platéia. O que é aquilo? O homem entra, com sua tuba, dos bastidores. Posta-se ao lado do violoncelista. O primeiro violinista, retesado como um mergulhador que subitamente descobriu que não tem água na piscina, olha para a tuba entre fascinado e horrorizado. O que é aquilo? Depois de alguns instantes em que a tensão no ar é como a corda de um violino esticada ao máximo, o primeiro violinista fala:

— Por favor...

— O quê? — diz o homem da tuba, já na defensiva. — Vai dizer que eu não posso ficar aqui?

— O que o senhor quer?

— Quero tocar, ora. Podem começar que eu acompanho.

Alguns risos na platéia. Ruídos de impaciência. Ninguém nota que o violoncelista olhou para trás e quando deu com o tocador de tuba virou o rosto em seguida, como se quisesse se esconder. O primeiro violinista continua:

— Retire-se, por favor.

— Por quê? Quero tocar também.

O primeiro violinista olha nervosamente para a platéia. Nunca em toda a sua carreira como líder do quarteto teve que enfrentar algo parecido. Uma vez um mosquito entrou na sua narina durante uma passagem de Vivaldi.   Mas nunca uma tuba.

— Por favor. Isto é um recital para quarteto de cordas. Vamos tocar Mozart.  Não tem nenhuma parte para a tuba.

— Eu improviso alguma coisa. Vocês começam e eu faço o um-pá-pá.

Mais risos na platéia. Expressões de escândalo. De onde surgiu aquele homem com uma tuba? Ele nem está de fraque. Segundo algumas versões veste uma camisa do Vasco. Usa chinelos de dedo. A violista sente-se mal.   O violinista ameaça chamar alguém dos bastidores para retirar o tocador de tuba a força. Mas ele aproxima o bocal do seu instrumento dos lábios e ameaça:

— Se alguém se aproximar de mim eu toco pof!

A perspectiva de se ouvir um pof naquele recinto paralisa a todos.

— Está bem — diz o primeiro violinista. — Vamos conversar.  Você, obviamente, entrou no lugar errado.   Isto é um recital de cordas. Estamos nos preparando para tocar Mozart. Mozart não tem um-pá-pá.

— Mozart não sabe o que está perdendo — diz o tocador de tuba, rindo para a platéia e tentando conquistar a sua simpatia.

Não consegue. O ambiente é hostil. O tocador de tuba muda de tom. Torna-se ameaçador:

—  Está bem, seus elitistas. Acabou. Onde é que vocês pensam que estão, no século XVIII? Já houve 17 revoluções populares depois de Mozart. Vou confiscar estas partituras em nome do povo. Vocês todos serão interrogados. Um a um, pá-pá.

Torna-se suplicante:

— Por favor, só o que eu quero é tocar um pouco também. Eu sou humilde. Não pude estudar instrumento de cordas. Eu mesmo fiz esta tuba, de um Volkswagen velho. Deixa...

Num tom sedutor, para a violista:

— Eu represento os seus sonhos secretos. Sou um produto da sua imaginação lúbrica, confessa. Durante o Mozart, neste quarteto anti-séptico, é em mim que você pensa. Na minha barriga e na minha tuba fálica. Você quer ser violada por mim num alegro assai, confessa...

Finalmente, desafiador, para o violoncelista:

— Esse bigode ruivo. Estou reconhecendo. É o mesmo bigode que eu usava em 1968. Devolve!

O tocador de tuba e o violoncelista atracam-se. Os outros membros do quarteto entram na briga. A platéia agora grita e pula. É o caos! Simbolizando, talvez, a falência final de todo o sistema de valores que teve início com o iluminismo europeu ou o triunfo do instinto sobre a razão ou ainda, uma pane mental do autor. Sobre o palco, um dos resultados da briga é que agora quem está com o bigode ruivo é a violista. Vendo-a assim, o tocador de tuba pára de morder a perna do segundo violinista, abre os braços e grita: "Mamãe!"

Nisso, entra no palco uma manada de zebus.

Crônica extraída  do livro "O Analista de Bagé", L & PM Editores Ltda - Porto Alegre, 1981, pág. 58.



sábado, 13 de fevereiro de 2016

NOITES DA INFÂNCIA - A REVANCHE

Com este post encerram-se as lembranças que tenho da família de meu pai e, em especial, dele mesmo.

Quando a indústria cinematográfica americana produz um sucesso estrondoso de bilheteria, um blockbuster, sempre resolve fazer uma continuação para faturar mais um pouco.  E não estão errados, mesmo que às vezes a continuação não mantenha a qualidade alcançada no original.

Jotabê, que é menos bobo do que aparenta ser (a diferença é imperceptível), também age assim. Como o post “Noites da Infância” teve boa aceitação, porque não tentar enfiar (no sentido figurado, lógico) uma segunda parte nos milhares de leitores do Blogson? Então é isso.

O TICO-TICO
No post original eu mencionei a revista O Tico-Tico e os personagens Faustina e Zé Macaco, que foram tomados de empréstimo por meu pai para suas histórias delirantes. Pois bem, resolvi desencavar o único exemplar d'O Tico-Tico que tenho e escanear a capa, onde aparecem os dois personagens citados. Na verdade, não é uma revista normal, é um almanaque que saiu no final de 1956 e foi dado de presente de Natal para meu irmão.

Não sei por que ele não se interessou em ficar com o almanaque. Talvez pelo fato de ter um defeito grave de montagem, pois várias páginas aparecem repetidas. Provavelmente esse pode ter sido o motivo de não ter nenhuma história dos personagens que aparecem na capa do almanaque de 1957. Não importa. Quando minha irmã perguntou ao “Sr. Memória” aqui se queria ficar com ele, a resposta foi –“Lógico!

Como nesse almanaque os personagens são apenas esboçados, como se feitos por uma criança, resolvi buscar na internet uma imagem melhor, a capa de um almanaque de 1954. Nas duas capas o Zé Macaco é facilmente identificável (porque será?) e a Faustina mais ainda, pois é a única mulher que aparece, com seu nariz imenso. Nessa época eu tinha uns seis anos ("o tempo passa, o tempo voa...").





PROPULSÃO A JATO
Essa história, que já era ridícula, ficará agora um pouco mais. Na casa de minha avó não se diziam palavrões nem palavras vulgares. Havia um certo pudor, um certo recato, mesmo que falsos (foram quebrados por minha avó, ao soltar alguns palavrões, já demente).

Assim, a propulsão obtida através da ingestão de batata doce pela heroína peidorreira, nunca foi identificada dessa forma. “Peido” não era uma palavra de bom tom na minha família. Como ninguém conhecia a palavra “flato” (que eu mesmo só vim a conhecer há uns dez, quinze anos), o termo usado era (já estou rindo de novo) “funfa”. Assim, lá em casa ninguém peidava, soltava “funfas” ou, na pior hipótese, “funfava”.  Dureza, não?

(13/02/2016)

NOITES DA INFÂNCIA


Faz algum tempo que deixei minhas memórias de lado, mas algumas já estão registradas e programadas. Como existem alguns que gostam de ler os "causos" que eu conto, resolvi contar um pequenininho, só porque está intimamente ligado a meu pai. Quem lê o que escrevo sabe que não sou nada condescendente com "Seu Amintas" (forma de tratamento usada por mim depois que me casei) e que falo o que penso dos seus defeitos e temperamento irascível.

Falar de forma pouco elogiosa sobre ele não significa que eu não amasse Seu Amintas (tenho certeza que gostava dessa minha descontração). Pelo contrário! Ele não era meu ídolo, nem eu tinha dele uma visão idealizada. Ele era apenas o pai que eu amava, um pai que nos amava sem meias medidas e que me ensinou, pelo exemplo, a amar nossos filhos da mesma forma. Se já escrevi alguma coisa semelhante ao que vou contar, peço que me perdoem, pois é difícil me lembrar de tudo o que já saiu aqui no Blogson. Dito isso, vamos às lembranças.

Morávamos na casa de minha avó materna, junto com oito tios e tias, minha avó e meu avô. Duas crianças e doze adultos. Nessa época não havia ainda televisão em Belo Horizonte. Depois da "janta" (não consigo me lembrar do que comíamos à noite), ficávamos pentelhando por ali enquanto os adultos conversavam, até nossa mãe nos mandar dormir. Como não tínhamos outra opção, obedecíamos. Eu, meu irmão e nossos pais dormíamos no mesmo quarto, em um barracão (edícula) nos fundos da casa. A cama de casal ficava entre a minha e a de meu irmão.

Para nos manter deitados ou por outro motivo qualquer (saco cheio dos cunhados, por exemplo), nosso pai nos contava histórias. Começou com suas lembranças de infância, das empregadas de nossa avó, das traquinagens e peraltices (isso é só para dar um tom de antiguidade) cometidas por ele, seus irmãos e pelo primo Odilon. Falou também dos doidos mansos de Oratórios e Ponte Nova, dentre eles uma mulher meio desaforada e talvez já um pouco idosa, conhecida por "Sá Maria me Atende", que às vezes ia à casa de minha avó pedir esmola ou comida, se não me engano. Finalmente, falou das galinhas garnisés de pescoço pelado que eram para ele o suprassumo da beleza animal (apesar de serem uma das coisas mais feias). E, claro, contou sobre um carrinho ou charretinha que teve, puxada por um bode branco a que deu o nome de Cabritito.

Para nós, meninos presos, criados em cidade grande, aquelas histórias eram magníficas, melhores que qualquer conto das mil e uma noites ou coisa parecida. Assim, contrariando seu desejo provável de que dormíssemos logo, sempre pedíamos mais histórias. Até que as lembranças se esgotaram, pois já tinha contado tudo que poderia nos contar.

Foi aí que teve início a fase ficcional. Começou a inventar histórias com dois personagens de quadrinhos que eram publicados na revista "O Tico Tico" (é, moçada, sou velho pra caramba!): Faustina e Zé Macaco. Creio que eram histórias estilo bang bang ou filmes de caratê bem no estilo "filmes mudos do Carlitos", sempre com algumas porradas, chutes na bunda e bandidos sendo atirados longe depois de rodar sobre as cabeças, seguros pela heroína Faustina apenas por uma perna ou braço. Creio que o Zé Macaco não deu muito ibope e logo foi abandonado.

Mas as coisas ficaram realmente empolgantes quando essa dupla foi substituída pelo Cabritito e pela Sá Maria me Atende. Aí o delírio tomou conta das histórias (e ele nem bebia!), pois logo, logo o bode branco casou-se com a Sá Maria me Atende. E o mais bacana é o fato de ser ela a primeira super-heroína brasileira! Uma super-heroína desconhecida, caipira, louca, casada com um bode e que, além da força física descomunal, voava! E só eu e meu irmão sabíamos de sua existência.

Bom, aqui cabe um parêntese: na época d' O Pasquim, o Jô Soares escreveu um artigo divertidíssimo sobre os super-heróis criados pelo Stan Lee & companhia, lembrando que, ao contrário do Super-Homem, que voava sem nenhuma explicação plausível, toda a turma de super-heróis da Marvel tinha seus truques, a saber: o Homem-Aranha não voava, mas deslocava-se pendurado em uma teia fixada em algum canto dos quadrinhos; o Thor arremessava seu martelo (ou marreta, não é, Azarão?); o Capitão América jogava seu escudo como se fosse um bumerangue; o Surfista Prateado tinha uma prancha de matar de inveja os brothers; o Homem de Ferro tinha foguetes na armadura, o Namor tinha asas nos pés, o Hulk pulava a grandes distâncias e por aí afora.

Pois é, a primeira super-heroína brasileira voava, graças a um artifício bem funcional: batata-doce. Na iminência de pegar algum criminoso que tinha fugido (e que seria atirado longe depois de orbitar em volta dela, agarrado por um braço ou perna), a louca comia batata-doce e logo começava a peidar. Primeiro, um po po po contido, para logo pegar aceleração (Pruuum!) e Fium!!! - sair voando a jato (sem brincadeira, eu escrevi isso agora até chorando de rir!). Era quase impossível dormir depois dessas emoções!


Alguns anos antes de meu pai morrer, lembrando-me dos casos que ele nos contava, perguntei por que não escrevia aquelas lembranças de sua infância. Ele deu um sorriso entre surpreso e irônico e comentou que meu irmão tinha pedido a ele a mesma coisa. Aí eu insisti para que fizesse isso, mas ele comentou: - "Quem iria querer ler essas coisas?” E a resposta foi - “Eu (lógico!), meus filhos, meus irmãos, meus sobrinhos”!". Mas ele não se convenceu ou nunca quis fazer isso. Sinceramente, creio que naquela época, quando já havia perdido quase todos os irmãos, revolver e reviver suas lembranças seria como arrancar a casca de uma ferida que custou a cicatrizar e que ainda doía.

Aqueles casos tão saborosos, aquelas histórias ingênuas que embalaram meu sono de criança hoje estão cada vez mais esmaecidos na minha memória e, talvez, na de meus irmãos. Minha irmã, onze anos mais nova que eu, teve a gentileza de me enviar o registro de alguns dos casos reais (que ela também ouviu um dia), mas imagino que nunca soube das sensacionais aventuras de Cabritito e Sá Maria me Atende.

Olha ele aí, um híbrido de Stan Lee caboclo com Lewis Carroll caipira, em foto tirada na época de vacas gordas, quando eu nem tinha nascido ainda).



Sua benção, meu Pai, a benção, Seu Amintas!

(13/02/2016)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

TANTO RISO, QUANTA ALEGRIA!

O Carnaval é meio que parecido com porres homéricos (aliás, tem tudo a ver), pois, depois que passa, ninguém aguenta nem lembrar. Mas isso é apenas o final de um ciclo - e o início de outro. O estranho é que o antigo tríduo momesco só termine na prática com o "desfile das campeãs", sempre realizado no sábado de Aleluia (hoje em dia, existem os que preferem substituir "aleluia" por "uhu!"). Não sei por que, mas essa calmaria existente entre a terça-feira gorda e o sábado sempre me lembrou o que se poderia chamar educadamente de "coitus interruptus".

Por isso, por estarmos neste intervalo entre a zorra total (não estou me referindo àquele programa sem graça) e o recrudescimento da "alegria" do desfile das campeãs, permito-me fazer algumas divagações sobre as escolas de samba tipo ostentação do Rio e de São Paulo. Vamos lá: 

- Uma ou duas semanas antes do Carnaval, os programas de auditório da Globo tratam quase que exclusivamente dos desfiles de escola de samba (cariocas). É como se não existissem outras formas de "folia" no Brasil. Ou como se existissem apenas as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. E tome samba-enredo, puxador, passistas e núcleos de bateria na telinha todo dia, suficientes para fazer o Ismael Silva até girar na sepultura.

- Durante um desfile de escola de samba, tirando os passistas, quase ninguém samba - e nem estou falando dos destaques dos carros alegóricos. Duvida? Saca só: 
a) a ala das baianas, quando não está se arrastando sob o peso daquelas roupas, só sabe girar, em uma tentativa inconsciente de provocar uma labirintite; 
b) mestre-sala e porta-bandeira só dançam uma espécie de balé ou dança tribal; 
c) existe ainda um pessoal que anda na avenida para lá e para cá com cara de leão de chácara e que nunca samba ou canta. Só falta carregar um chicote;
d) os puxadores de samba e os componentes da bateria também não sambam. Aliás, nunca é demais notar que os sambas-enredo deveriam ser classificados como "marcha-enredo", pois aquele ritmo meio militar é mais adequado para que as pessoas marchem na avenida;
d) sobram os integrantes das diversas alas, mas nem esses sambam de verdade, pois passam a maior parte do tempo "marchando" ou arrastando-se pela avenida. Essa situação só se altera quando passam perto de uma câmera de TV; aí, dão aquela sambadinha básica, só no sapatinho, só para mostrar que conhecem, mesmo que os passos tenham sido aprendidos em academia ou coisa parecida (e aproveitam para fazer coraçãozinho com as mãos), mas falta-lhes o fôlego necessário para continuar assim. Se sambassem mesmo durante todo o desfile, nem precisariam fazer dieta, cirurgia bariátrica ou aulas de spin em academias. Ninguém aguentaria! (nem eu).

- Aliás, se eu fosse um graudão da associação das escolas de samba, me empenharia em fazer um DVD só com os carros alegóricos e com as comissões de frente (estou falando no sentido literal, tá bom?), pois são as únicas coisas em que a criatividade rola solta. Como bônus ou extra, apresentaria uma fantasia de cada ala das escolas e estaria bom demais.

- Imagino que 80% das próteses de silicone colocadas no Brasil desfilam nas escolas de samba do Rio e São Paulo. Se não em total de unidades, pelo menos em volume (ml).

Eu ia falar mais alguma coisa sobre os quesitos e as notas das escolas, mas encheu o saco. Chega, deixa o ciclo se fechar.


POLITICAMENTE CORRETO?







O cartunista Jean-Marc Reiser foi um dos colaboradores do Charlie Hebdo e morreu de câncer aos 42 anos. É o autor do cartoon acima, um ótimo exemplo de humor cruelmente incorreto - e, por isso mesmo, delicioso. 

Eu sempre gostei muito de ler e já li um bocado de coisa (provavelmente, mais que a maioria das pessoas - o que acaba não significando nada em um país de analfabetos funcionais). Qualquer tipo de obra literária disponível. Ultimamente, não tenho tido muita paciência para ficção, tenho lido mais sobre história, biografias, memória, essas coisas.

Mas, para mim, o grande barato é e sempre foi o humor, aquele humor que revira os conceitos e ideias estabelecidas. Em se tratando de texto, o Luis Fernando Veríssimo e o Millôr Fernandes são o que de melhor eu já li nessa área. Já dos cartunistas, os melhores estrangeiros que considero são o Schulz (Charlie Brown) e o autor do desenho que abre este post (Reiser). 

No Brasil, meus ídolos são o Jaguar e o Angeli. Tirando o Schulz, esses cartunistas reviraram o bom tom, o bom gosto, o bom senso e o bom mocismo. E é isso que sempre me encantou no humor, que é (ou deveria ser) a antítese do pensamento e comportamento politicamente corretos.

O Millôr Fernandes foi brilhante (como sempre) quando disse em uma entrevista que "estamos nos aproximando perigosamente da neo-ditadura americana - a mais estúpida da história, tendendo a ficar violenta - a do politicamente correto. Mexe com tudo - cigarro, trepadas, segurança (o cinto), as piadas, as etnias. O cidadão americano hoje se auto-policia tanto quanto o cidadão soviético se policiava no stalinismo e o alemão no nazismo. (...) Os débeis lá de cima - de um lado e de outro - não percebem que quando um negro está sendo tratado com cuidado, é porque o outro o está colocando como inferior, no respeito, e ele está se colocando como inferior, na exigência".


Em português e em inglês existe a palavra drama (com uma pronúncia parecida com "drêma"). Vira e mexe, em algum programa legendado, eu ouço e leio essa palavra, mas o assunto tratado não se encaixa bem no meu conceito de "drama". 

A mesma sensação eu tenho em relação ao famigerado "politicamente correto". Essa é uma expressão infeliz que me dá azia. Sei não, mas tenho uma desconfiança que deve haver alguma sutileza na forma original, não captada por quem a traduziu. 

Por mim, mudaria essa expressão para "comportamento socialmente desejável". Acabaria dando na mesma merda, mas seria mais inteligível. Embora continuasse tão detestável e castrador quanto.



O MEDO DOS IGNORANTES

  Este texto foi escrito no final de agosto de 2025, e eu o fui empurrando para depois, por estar publicando textos mais interessantes. Isso...