terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

UM ATEU CATÓLICO

Durante toda a minha vida, talvez mais que a maioria das pessoas, eu estive de algum modo ligado à religião, à prática religiosa e à religiosidade. Ainda criança, ajoelhava-me às seis da tarde junto com minha mãe e minha avó em frente ao rádio durante a transmissão da “Hora do Angelus”. O tempo passou e eu comecei a me questionar e a questionar algumas práticas religiosas. Entrando na adolescência eu ia às missas de domingo, mas ficava parado no umbral da entrada da igreja. Não ouvia nada do que o padre falava nem prestava atenção na cerimônia religiosa que estava acontecendo, pois meu interesse era apenas ver as meninas que entravam na igreja. Por pruridos de consciência decidi que ou assistia à missa sentado nos bancos próximos ao altar ou parava de ir à missa. Parei.
 
No final da adolescência tive aulas de cultura religiosa no colégio onde estudava. Um padre italiano espanou todas as minhas crenças e crendices, mas parei de assistir às suas aulas. O resultado foi uma perplexidade e, porque não admitir?, uma angústia religiosa, uma necessidade de me reconectar com Deus. Para isso, comecei a ler tudo o que encontrava sobre outras religiões, fui a centro espírita e terreiro de umbanda, mas decidi me afastar completamente de qualquer tipo de atividade religiosa. Continuava a crer em Deus, mas era Ele lá e eu cá.
 
Perto de prestar vestibular pensei em estudar Teologia, mas depois de um esporro fenomenal de meu irmão mais velho (“Você quer ser padre? Vai viver de quê?”) desisti dessa ideia. Um dia, já prestes a me casar com a mulher da minha vida, descobri que precisaria fazer um “curso de noivos”. Adorei a experiência e não passou muito tempo para que eu voltasse a ir à missa todos os domingos. Lia atentamente em um folheto fornecido pela igreja as leituras do dia e prestava máxima atenção nas homilias feitas pelo celebrante, mas questionava muitos textos que lia, especialmente os do Antigo Testamento.
 
Os filhos foram nascendo e a seu tempo participando de atividades dentro da igreja. Quando atingiam a idade de quatorze anos entraram para o movimento de jovens que existia, nele permanecendo até quando quisessem. O mais velho tocou órgão na “missa dos jovens” até quando quis. Pouco depois de se afastar da igreja declarou-se ateu. OK! E assim fui levando minha vida de católico meia-boca, sempre lendo o que pintasse na minha frente, exceção feita a textos produzidos por igrejas evangélicas.
 
Continuei indo à missa todo domingo, sempre comungando, momento em que fazia uma oração mental (“Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé”). Mas não adiantou, pois sentia que minha fé estava indo embora. Até criei uma frase sobre isso: “Minha fé é como a chama de uma vela, qualquer ventinho a faz oscilar”.
 
Um ponto de virada em minha fé aconteceu quando ganhei de presente o livro “Sapiens” escrito por Yuval Harari, um historiador israelense e ateu. O livro é super bem escrito e sua leitura é agradabilíssima, mas o que o torna especial são as informações que traz sobre as últimas descobertas arqueológicas e a análise que faz de suas implicações.
 
A partir de sua leitura tornei-me um “católico ateu” ou um “ateu católico”, pois minhas crenças queridas foram para o ralo. Hoje, apesar de tudo o que penso, tento ainda manter algum tipo de religião, um “catolicismo Jotabê”, talvez por ter o que alguns geneticistas definem como “gene religioso”.
 
Hoje não consigo mais rezar, mas basta algum medo aparecer para me comportar como na frase de Millôr Fernandes: O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde”. E digo isso tranquilamente, pois como já disse muitas vezes, eu sempre precisei mais de Deus que Ele de mim.
 
Talvez, como escreveu o físico Marcelo Gleiser, eu faça parte de um pequeno grupo de pessoas “que se dá a reflexões mais profundas, examina, questiona e reavalia sua fé regularmente, sabendo que o crer é fluido. Nossas convicções mudam com a idade e, com essas mudanças, muda, também, nossa relação com a fé”.
 
Justamente por isso ultimamente tenho pensado muito sobre Jesus e sua relação com a Bíblia e, principalmente, com as profecias bíblicas. Mas essa goma ficará para o próximo post pois, mesmo que não tenha mais leitores, continuo achando que ninguém gosta de ler “textões”, ainda mais se forem sobre as experiências religiosas de desconhecidos. 

3 comentários:

  1. Apesar da minha pouca idade, também já tive várias fases em relação a religião e religiosidade. Hoje acredito muito em Deus, tento cultivar muito minha fé, mas sem religião. De todas as religiões que já conheci, "colhi" o que mais acredito e tomo pra mim, mas sem me nomear de nada.

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    1. Essa é mais ou menos a minha linha de pensamento. Vou tentar finalizar um texto de viagem máxima na maionese a partir de umas ideias malucas que tive recentemente. Se algum evangélico ou católico xiita ler provavelmente me acusará de herege, etc. Espero que te agrade, mas não sei quando sairá. Em compensação há um novo post do blog das gemininiñas, mandado pelo pai da Bia e Cacá que é uma delícia.

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    2. Acabei de conferir.
      Uma graça!

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