Quando eu era criança (o asteroide
responsável pela extinção dos dinossauros ainda não tinha caído na Terra),
revistas em quadrinhos e filmes de faroeste eram a coisa mais comum que
existia. Incomuns ou raras eram as casas que possuíam televisores. Por conta
disso, criou-se até a expressão “televizinho” para indicar os amigos e
moradores mais desinibidos e sem noção que, confortavelmente acomodados nos
sofás e cadeiras do feliz proprietário desse aparelho, assistiam a
programação noturna da única emissora que existia em BH. No caso, a TV
Itacolomi, dos Diários Associados.
A casa de minha avó onde morávamos não tinha
televisão. Em compensação, no barracão (edícula) construído na lateral da casa,
morava minha tia, recém-casada. E ela possuía. O resultado é que no final da
década de 1950 e início de 1960 eu era freguês dos seriados em preto e branco
passados à tarde e início da noite: Rin
Tin Tin, Papai Sabe Tudo, O Último dos Moicanos, Maverick, Bat Masterson,
Ivanhoé, Aventura Submarina, Os Intocáveis, Além da Imaginação e Patrulheiros Toddy
Posso ter-me confundido ou esquecido de
algum, mas essas séries estão no Big
Bang da televisão brasileira. Batman
(zás! pow!), O Agente da Uncle, Zorro (o do hilário Sargento Garcia), Agente
86, Perdidos no Espaço, Jornada nas Estrelas, Família Adams, Bonanza e
outros jurássicos foram exibidos quando eu já era “grande”, ou melhor, quando
já estava às voltas com minha insegurança, medos e dramas da adolescência.
Recentemente, lembrei-me de um desses
antigões, mais especificamente dos “Patrulheiros
Toddy”. Eu estava no final da infância quando esse seriado foi exibido em
BH. Os heróis eram os Texas Rangers americanos, sempre às voltas com algum
criminoso e exibindo aquele chapelão ridículo, do tipo que o dono da Igreja
Mundial e os cantores sertanejos gostam de usar. Muito bem.
Nos intervalos de cada episódio desse
seriado, obviamente patrocinado pelo achocolatado que dava nome ao programa,
entrava um ator brasileiro vestido de patrulheiro, tendo ao lado um ou dois
meninos vestidos da mesma forma. Aquilo para mim era o máximo, pois eu sonhava
(sonho irrealizado) ser também um patrulheiro Toddy. Os potes desse
achocolatado vinham com pequenos brinquedos tipo estrela de xerife, essas
coisas. Certamente devo ter implorado para minha mãe comprar um, para poder
ganhar aquela estrela “fantástica”. Mas não me lembro de ter ganhado ou não,
pois creio que nem todos os potes traziam esse brinquedo. Bela sacanagem!
Anos depois, já casado ou namorando, descobri
que um dos conhecidos da família de minha mulher havia sido um dos
patrulheirinhos que me causaram tanta inveja. É engraçado dar-me conta de que
nunca conversei sobre isso com ele, apesar de ter utilizado seus serviços de
contador por breve tempo. Só pode ter sido ato falho ou inveja recalcada!
Mas alguém pode estar se perguntando por que
resolvi escarafunchar a memória para extrair essa bobagem. O primeiro motivo é
que eu gosto de contar casos (mesmo que já não tenha muita coisa para
contar), como bem sabem os dois leitores do Blogson. O segundo motivo não tem
nada de nostalgia. Na verdade, vem acontecendo já há algum tempo, pois estou
falando de patrulhamento, ou melhor, dos diversos tipos de patrulhamento que
viraram moda no país.
Aliás, pensando bem, "patrulhas"
cujo papel era perseguir e punir os diferentes, os independentes sempre
existiram. Fariseus da Bíblia, Guarda Vermelha,
Inquisição, Comando de Caça aos Comunistas, Guarda Bolivariana, Ku Klux Klan,
milícias de todo tipo, etc. Caçar e queimar bruxas literal ou metaforicamente
falando sempre foi sua missão e razão de existir. E depois ainda dizem que a espécie
humana é gregária. Boa para criar presentes de grego, isso sim! Mas hoje em dia a coisa ficou pior, graças à
visibilidade que esses grupos ganharam nas redes sociais da internet.
“Redes sociais”, pensando bem, é um nome
super adequado, pois a “pesca” é feita de forma indiscriminada, predatória,
descartando-se as espécies que não interessam. Assim como na pesca de peixes, o
que menos importa é preservar ou respeitar a integridade do descarte. Este papo
está meio idiota e pouco consistente, mas o que eu estou tentando dizer é o
seguinte: a ideia do Grande Irmão, do
Big Brother é (na bem sacada
observação do Marreta) uma coisa já
ultrapassada, modesta, pouco ambiciosa, pois o que existe hoje é a Grande Irmandade, sempre pronta a
devorar os independentes, os que não pensam ou seguem suas crenças e ideais.
A Grande
Irmandade dos atores e famosos que se autointitulam intelectuais, por
exemplo, é pródiga em perseguir e condenar os colegas considerados "de
Direita", como se fossem os leprosos bíblicos dos dias de hoje.
Curiosamente, nos Estados Unidos já houve um movimento semelhante, só que no
sentido inverso, quando os considerados "comunistas" eram proibidos
de trabalhar. Prova de que a Intolerância não precisa de ideologia ou religião
para vicejar, para se manifestar e atacar.
Eu me entristeço ao observar o avanço do
comportamento classificado como "politicamente correto", sinal que a
humanidade está ficando a cada dia mais mal humorada, cada dia menos capaz de rir
de si mesma. Ninguém poderia ser julgado e perseguido por ter pensamentos
racistas, sexistas, homofóbicos ou iconoclastas. E daí? Se esse comportamento
não traz prejuízo real a ninguém, qual é o problema de alguém ter esse tipo de
pensamentos e externar isso em sua vida privada?
Eu sou católico praticante (apesar de ter lido
"Sapiens"), mas já fiz e já ri muito de piadas sobre religião, Jesus,
etc. Da mesma forma, sou radicalmente contra o machismo, o racismo e a
homofobia, mas já rolei de rir com piadas sobre isso. E ri justamente porque
são piadas. E foram contadas sem a presença dos que poderiam ofender-se com
elas.
Uma vez criei a expressão "Síndrome da Divindade Adquirida"
(que era também uma piada) para indicar o comportamento de pessoas que
acreditam que o mundo é ou deveria ser "à sua imagem e semelhança", segundo suas crenças. Os
fundamentalistas religiosos são particularmente bons nisso, mas não há verdades
absolutas, não há certezas absolutas. Por isso, divirto-me quando vejo no rosto
de conhecidos e pessoas próximas expressões de perplexidade e espanto
provocados por algum comentário que faço.
Hoje em dia, quando o comportamento
politicamente correto vai aos poucos se transformando em epidemia - ou até
pandemia - vejo pessoas que lembram o Giordano Bruno ao defender de forma
intransigente sua independência intelectual, não se importando com as eventuais
consequências. Esse é o caso de meu amigo virtual Marreta, que viu seu blog “colocado
na fogueira”, mas não se intimidou nem se rendeu.
Eu, particularmente, me identifico mais com o
Galileu Galilei, que para não sentir sua pele pururucar, viu-se obrigado a renunciar publicamente à sua
descoberta de que a Terra não era o centro do Universo. Por isso, segundo a
lenda (lenda mesmo), teria murmurado algo como "apesar disso, ela se move". Eu
me vejo assim. Sigo e respeito convenções, por mais idiotas que as considere,
mas sigo. Por dentro, entretanto, sou livre. E enquanto não inventarem um
rastreador de pensamentos politicamente incorretos, continuarei livre, nunca
patrulhando nada nem ninguém, pois só uma vez, só uma vez na vida eu quis ser
patrulheiro. Patrulheiro Toddy.