sábado, 11 de novembro de 2017

PLANTÃO MÉDICO

No início da década de 1980, creio que em 1982, a empresa onde trabalhava estava passando por graves problemas financeiros, chegando a atrasar o pagamento dos salários dos funcionários por até quatro meses. Tive a sorte de arranjar um trabalho como autônomo, um bico, que me permitiu sobreviver a esse período. Graças a esse serviço, tive a oportunidade de conhecer um senhor já idoso e gente fina, pai de meu contratante.

Graças a meu comportamento amistoso e paciente eu sempre fui o rei dos velhinhos e das velhinhas, enganados pela falsa atenção que sempre dediquei a eles, ouvindo seus comentários, rindo de seus casos, elogiando aqui e ali, enfim: um autêntico puxa-saco da terceira idade. E eles me adoravam (hoje eu sou um deles).

Graças a esse comportamento, sempre que nos encontrávamos, ficávamos conversando um pouco, no estilo “o senhor fala e eu escuto”. Um dia esse senhor resolveu me contar sobre um acidente que sofreu, mas a descrição foi tão vívida e entusiasmada que eu literalmente chorei de rir. Mas chorei mesmo, ainda que pedisse desculpas por isso. A história é a seguinte:

Um dia, e apesar da idade, subiu em uma escada de madeira para trocar uma lâmpada queimada de uma luminária instalada na fachada de sua casa. A lâmpada fica a uns quatro ou cinco metros do chão. Encostou a escada na parede e começou a subir. Mas a escada era velha e a madeira ressecada. Ao chegar perto da lâmpada, o barulho de madeira rachando indicou que uma das pernas da escada estava quebrando. Pior, a parte ainda apoiada no chão exibia  um formato de estaca, pronta a perfurar alguma parte de seu corpo. Tudo isso, claro, percebido em frações de segundo. Não pensou duas vezes: já começando a cair, bateu as mãos na parede empurrando-se para longe a estaca, mas já em queda livre. Só teve tempo de girar o corpo e tentar proteger a cabeça, estendendo os braços para amortecer a queda. A queda de quatro ou cinco metros teve como resultado uma fratura exposta em um dos braços, com os pedaços do osso trespassando músculos e pele.

Foi levado imediatamente a um hospital ortopédico ou coisa parecida. Não sei o motivo, mas parece que a anestesia foi apenas local. E essa foi a parte em que eu quase mijei de tanto rir. Disse ele que primeiro começaram a puxar seu braço para colocar os pedaços de osso no lugar, no mesmo alinhamento. Aquilo já foi uma tortura pois, sei lá, doía pra burro ou era uma visão de filme de terror. Como fratura em idoso (descobri isso recentemente) não “cola” só na base do gesso, a solução é utilizar pinos metálicos para unir e fixar as partes.

O médico, de forma ríspida, pediu a furadeira. Creio que nem começou a funcionar, pois estava queimada. “Que merda, nada funciona aqui!!!”, disse o médico, irritado, deixando-a de lado. Pediu a pua manual (isso mesmo, pua). Não sei o que aconteceu, se não havia broca compatível ou se a existente estava gasta. Só sei que não resolveu. O médico, já putíssimo, atirou-a longe com um espumante “Puta que pariu!!!!!”.

- “Me dá a marreta aí!”, ordenou às enfermeiras. Posicionou o pino metálico no lugar devido e desceu porrada. Nessa altura da narrativa eu já não me aguentava mais de tanto rir, aquele riso nervoso e espasmódico de quem ouve a descrição de uma tragédia surreal. Foi aí que Seu Mário (creio que era esse seu nome) arrematou o caso, reproduzindo o diálogo com o médico:

- Doutor, o senhor tem certeza de que isso é humano?

- Ah, Seu Mário, aqui é o lugar onde os filhos choram e as mães não escutam!

2 comentários:

  1. Esse médico é dos meus : primeiro, senta a pua; não funcionou senta a marreta!
    E é como disse Ariano Suassuna : tudo o que foi ruim de viver, é bom de contar.

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    1. Rapaz, essa do Suassuna é muito boa! Agora, o mais incrível é que o título deste "causo" seria "Senta a pua!". Depois, preocupado com a mais que improvável reação de descendentes de ex-combatentes, resolvi mudar para "Sinta a pua!" (já viu, né?). Mas acabei ficando com esse título chocho.

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