No início da década de 1980, creio que em
1982, a empresa onde trabalhava estava passando por graves problemas
financeiros, chegando a atrasar o pagamento dos salários dos funcionários por
até quatro meses. Tive a sorte de arranjar um trabalho como autônomo, um bico, que
me permitiu sobreviver a esse período. Graças a esse serviço, tive a
oportunidade de conhecer um senhor já idoso e gente fina, pai de meu
contratante.
Graças a meu comportamento amistoso e paciente
eu sempre fui o rei dos velhinhos e das velhinhas, enganados pela falsa atenção
que sempre dediquei a eles, ouvindo seus comentários, rindo de seus casos,
elogiando aqui e ali, enfim: um autêntico puxa-saco da terceira idade. E eles
me adoravam (hoje eu sou um deles).
Graças a esse comportamento, sempre que nos
encontrávamos, ficávamos conversando um pouco, no estilo “o senhor fala e eu escuto”. Um dia esse senhor resolveu me contar sobre
um acidente que sofreu, mas a descrição foi tão vívida e entusiasmada que eu
literalmente chorei de rir. Mas chorei mesmo, ainda que pedisse desculpas por
isso. A história é a seguinte:
Um dia, e apesar da idade, subiu em uma
escada de madeira para trocar uma lâmpada queimada de uma luminária instalada
na fachada de sua casa. A lâmpada fica a uns quatro ou cinco metros do chão.
Encostou a escada na parede e começou a subir. Mas a escada era velha e a
madeira ressecada. Ao chegar perto da lâmpada, o barulho de madeira rachando indicou
que uma das pernas da escada estava quebrando. Pior, a parte ainda apoiada no
chão exibia um formato de estaca, pronta
a perfurar alguma parte de seu corpo. Tudo isso, claro, percebido em frações de
segundo. Não pensou duas vezes: já começando a cair, bateu as mãos na parede
empurrando-se para longe a estaca, mas já em queda livre. Só teve tempo de girar
o corpo e tentar proteger a cabeça, estendendo os braços para amortecer a
queda. A queda de quatro ou cinco metros teve como resultado uma fratura exposta
em um dos braços, com os pedaços do osso trespassando músculos e pele.
Foi levado imediatamente a um hospital
ortopédico ou coisa parecida. Não sei o motivo, mas parece que a anestesia foi
apenas local. E essa foi a parte em que eu quase mijei de tanto rir. Disse ele
que primeiro começaram a puxar seu braço para colocar os pedaços de osso no lugar, no
mesmo alinhamento. Aquilo já foi uma tortura pois, sei lá, doía pra burro ou era uma visão de filme de terror. Como fratura em idoso (descobri isso recentemente) não
“cola” só na base do gesso, a solução é utilizar pinos metálicos para unir e
fixar as partes.
O médico, de forma ríspida, pediu a
furadeira. Creio que nem começou a funcionar, pois estava queimada. “Que merda, nada funciona aqui!!!”, disse o médico,
irritado, deixando-a de lado. Pediu a pua manual (isso mesmo, pua). Não sei o
que aconteceu, se não havia broca compatível ou se a existente estava gasta. Só sei que não resolveu. O
médico, já putíssimo, atirou-a longe com um espumante “Puta que pariu!!!!!”.
- “Me
dá a marreta aí!”, ordenou às enfermeiras. Posicionou o pino metálico no lugar devido
e desceu porrada. Nessa altura da narrativa eu já não me aguentava mais de
tanto rir, aquele riso nervoso e espasmódico de quem ouve a descrição de uma
tragédia surreal. Foi aí que Seu Mário (creio que era esse seu nome) arrematou
o caso, reproduzindo o diálogo com o médico:
-
Doutor, o senhor tem certeza de que isso é humano?
Esse médico é dos meus : primeiro, senta a pua; não funcionou senta a marreta!
ResponderExcluirE é como disse Ariano Suassuna : tudo o que foi ruim de viver, é bom de contar.
Rapaz, essa do Suassuna é muito boa! Agora, o mais incrível é que o título deste "causo" seria "Senta a pua!". Depois, preocupado com a mais que improvável reação de descendentes de ex-combatentes, resolvi mudar para "Sinta a pua!" (já viu, né?). Mas acabei ficando com esse título chocho.
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