Para mim, a Realidade é sempre mais divertida
que a ficção mais delirante. A prova disso é a história que ouvi depois de
publicar o post “Plantão Médico”. O “causo”, acontecido há muitos anos, é o
seguinte:
Já mais idoso, um médico ortopedista
continuava a operar normalmente, até que começou a perder a visão. Mal
comparando, seria como um pintor ou fotógrafo que começasse a enxergar menos a
cada dia. Ou, em caso extremo, como o Beethoven com sua surdez progressiva. Como
exercer sua profissão, como fazer o que gostava de fazer? Porque, imagino, ele
devia amar sua profissão, talvez acima de quase tudo - e, principalmente, - acima do
bom senso. Porque continuou a fazer cirurgias simples, mesmo não enxergando
quase nada.
Para isso contava com a ajuda de residentes (médicos
já formados, mas ainda fazendo especialização em ortopedia). Com a ajuda desses
jovens médicos e graças à imensa experiência adquirida, ia só no “piloto automático”, num autêntico “voo por instrumentos”. Apalpava o local
da cirurgia, identificava o tendão ou coisa semelhante, e orientava o
residente: “- Corta!”.
O corte (ou incisão) era então feito e, provavelmente,
examinado por ele graças a um método “braille-cirúrgico”.
Vinha nova orientação: “- Corta!”.
E assim a cirurgia ia se desenrolando. Mas às
vezes acontecia de o residente alertar:
-
Doutor, isso aí é o nervo!
- Então não corta! Então não corta!
Em outra ocasião, diante de uma situação que
se prenunciava mais complexa, o residente que iria auxiliar na cirurgia teve
uma atitude extremada: pegou alguns biscoitos e os esmagou em volta da cama do
paciente que seria operado. Em seguida, procurou o cirurgião e deu a notícia:
-
Doutor, não vai ser possível fazer a cirurgia hoje!
- Por
que não?
- O
paciente se alimentou.
- Quem
deixou o paciente comer?
- Ah,
não sei não, mas a cama dele está cheia de farelo de biscoito...
E a cirurgia foi remarcada para outro dia,
sendo realizada por outro médico. Nesse caso, os "dedos" do paciente e o “anel” do residente de bom senso ficaram
preservados.
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