sexta-feira, 17 de novembro de 2017

PATRULHEIRO TODDY

Quando eu era criança (o asteroide responsável pela extinção dos dinossauros ainda não tinha caído na Terra), revistas em quadrinhos e filmes de faroeste eram a coisa mais comum que existia. Incomuns ou raras eram as casas que possuíam televisores. Por conta disso, criou-se até a expressão “televizinho” para indicar os amigos e moradores mais desinibidos e sem noção que, confortavelmente acomodados nos sofás e cadeiras do feliz proprietário desse aparelho, assistiam a programação noturna da única emissora que existia em BH. No caso, a TV Itacolomi, dos Diários Associados.

A casa de minha avó onde morávamos não tinha televisão. Em compensação, no barracão (edícula) construído na lateral da casa, morava minha tia, recém-casada. E ela possuía. O resultado é que no final da década de 1950 e início de 1960 eu era freguês dos seriados em preto e branco passados à tarde e início da noite: Rin Tin Tin, Papai Sabe Tudo, O Último dos Moicanos, Maverick, Bat Masterson, Ivanhoé, Aventura Submarina, Os Intocáveis, Além da Imaginação e Patrulheiros Toddy

Posso ter-me confundido ou esquecido de algum, mas essas séries estão no Big Bang da televisão brasileira. Batman (zás! pow!), O Agente da Uncle, Zorro (o do hilário Sargento Garcia), Agente 86, Perdidos no Espaço, Jornada nas Estrelas, Família Adams, Bonanza e outros jurássicos foram exibidos quando eu já era “grande”, ou melhor, quando já estava às voltas com minha insegurança, medos e dramas da adolescência.

Recentemente, lembrei-me de um desses antigões, mais especificamente dos “Patrulheiros Toddy”. Eu estava no final da infância quando esse seriado foi exibido em BH. Os heróis eram os Texas Rangers americanos, sempre às voltas com algum criminoso e exibindo aquele chapelão ridículo, do tipo que o dono da Igreja Mundial e os cantores sertanejos gostam de usar. Muito bem.

Nos intervalos de cada episódio desse seriado, obviamente patrocinado pelo achocolatado que dava nome ao programa, entrava um ator brasileiro vestido de patrulheiro, tendo ao lado um ou dois meninos vestidos da mesma forma. Aquilo para mim era o máximo, pois eu sonhava (sonho irrealizado) ser também um patrulheiro Toddy. Os potes desse achocolatado vinham com pequenos brinquedos tipo estrela de xerife, essas coisas. Certamente devo ter implorado para minha mãe comprar um, para poder ganhar aquela estrela “fantástica”. Mas não me lembro de ter ganhado ou não, pois creio que nem todos os potes traziam esse brinquedo. Bela sacanagem!

Anos depois, já casado ou namorando, descobri que um dos conhecidos da família de minha mulher havia sido um dos patrulheirinhos que me causaram tanta inveja. É engraçado dar-me conta de que nunca conversei sobre isso com ele, apesar de ter utilizado seus serviços de contador por breve tempo. Só pode ter sido ato falho ou inveja recalcada!

Mas alguém pode estar se perguntando por que resolvi escarafunchar a memória para extrair essa bobagem. O primeiro motivo é que eu gosto de contar casos (mesmo que já não tenha muita coisa para contar), como bem sabem os dois leitores do Blogson. O segundo motivo não tem nada de nostalgia. Na verdade, vem acontecendo já há algum tempo, pois estou falando de patrulhamento, ou melhor, dos diversos tipos de patrulhamento que viraram moda no país.

Aliás, pensando bem, "patrulhas" cujo papel era perseguir e punir os diferentes, os independentes sempre existiram. Fariseus da Bíblia, Guarda Vermelha, Inquisição, Comando de Caça aos Comunistas, Guarda Bolivariana, Ku Klux Klan, milícias de todo tipo, etc. Caçar e queimar bruxas literal ou metaforicamente falando sempre foi sua missão e razão de existir. E depois ainda dizem que a espécie humana é gregária. Boa para criar presentes de grego, isso sim!  Mas hoje em dia a coisa ficou pior, graças à visibilidade que esses grupos ganharam nas redes sociais da internet.

“Redes sociais”, pensando bem, é um nome super adequado, pois a “pesca” é feita de forma indiscriminada, predatória, descartando-se as espécies que não interessam. Assim como na pesca de peixes, o que menos importa é preservar ou respeitar a integridade do descarte. Este papo está meio idiota e pouco consistente, mas o que eu estou tentando dizer é o seguinte: a ideia do Grande Irmão, do Big Brother é (na bem sacada observação do Marreta) uma coisa já ultrapassada, modesta, pouco ambiciosa, pois o que existe hoje é a Grande Irmandade, sempre pronta a devorar os independentes, os que não pensam ou seguem suas crenças e ideais.

A Grande Irmandade dos atores e famosos que se autointitulam intelectuais, por exemplo, é pródiga em perseguir e condenar os colegas considerados "de Direita", como se fossem os leprosos bíblicos dos dias de hoje. Curiosamente, nos Estados Unidos já houve um movimento semelhante, só que no sentido inverso, quando os considerados "comunistas" eram proibidos de trabalhar. Prova de que a Intolerância não precisa de ideologia ou religião para vicejar, para se manifestar e atacar.

Eu me entristeço ao observar o avanço do comportamento classificado como "politicamente correto", sinal que a humanidade está ficando a cada dia mais mal humorada, cada dia menos capaz de rir de si mesma. Ninguém poderia ser julgado e perseguido por ter  pensamentos racistas, sexistas, homofóbicos ou iconoclastas. E daí? Se esse comportamento não traz prejuízo real a ninguém, qual é o problema de alguém ter esse tipo de pensamentos e externar isso em sua vida privada?

Eu sou católico praticante (apesar de ter lido "Sapiens"), mas já fiz e já ri muito de piadas sobre religião, Jesus, etc. Da mesma forma, sou radicalmente contra o machismo, o racismo e a homofobia, mas já rolei de rir com piadas sobre isso. E ri justamente porque são piadas. E foram contadas sem a presença dos que poderiam ofender-se com elas.

Uma vez criei a expressão "Síndrome da Divindade Adquirida" (que era também uma piada) para indicar o comportamento de pessoas que acreditam que o mundo é ou deveria ser "à sua imagem e semelhança", segundo suas crenças. Os fundamentalistas religiosos são particularmente bons nisso, mas não há verdades absolutas, não há certezas absolutas. Por isso, divirto-me quando vejo no rosto de conhecidos e pessoas próximas expressões de perplexidade e espanto provocados por algum comentário que faço.

Hoje em dia, quando o comportamento politicamente correto vai aos poucos se transformando em epidemia - ou até pandemia - vejo pessoas que lembram o Giordano Bruno ao defender de forma intransigente sua independência intelectual, não se importando com as eventuais consequências. Esse é o caso de meu amigo virtual Marreta, que viu seu blog “colocado na fogueira”, mas não se intimidou nem se rendeu.

Eu, particularmente, me identifico mais com o Galileu Galilei, que para não sentir sua pele pururucar, viu-se obrigado a renunciar publicamente à sua descoberta de que a Terra não era o centro do Universo. Por isso, segundo a lenda (lenda mesmo), teria murmurado algo como "apesar disso, ela se move". Eu me vejo assim. Sigo e respeito convenções, por mais idiotas que as considere, mas sigo. Por dentro, entretanto, sou livre. E enquanto não inventarem um rastreador de pensamentos politicamente incorretos, continuarei livre, nunca patrulhando nada nem ninguém, pois só uma vez, só uma vez na vida eu quis ser patrulheiro. Patrulheiro Toddy.

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