quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

SONETOS – VINÍCIUS DE MORAES

Gosto muito de poesia e reverencio aqueles que conseguem transmitir emoção de forma concisa, minimalista. Os sonetistas então, esses são a nata, por conseguirem domar o esqueleto rígido do soneto. Em outras palavras, eu os vejo com o mesmo respeito que devoto aos neurocirurgiões. A coisa é mais ou menos como uma cirurgia feita no cérebro: o que falta em espaço sobra em restrições e cuidados a tomar. Ou seja, ambos conseguem o suprassumo da precisão e eficiência, tudo realizado em espaço muito reduzido.

Por isso, minha reverência hoje vai para Vinícius de Moraes, que dispensa apresentações. Para homenageá-lo, optei por transcrever um soneto de sua autoria. A escolha dessa forma de poesia deve-se à minha admiração por quem entende do assunto. E ele entendia muito.

Alguns “modernos” podem até torcer o nariz para uma coisa tão engessada, tão submissa à métrica e rima, mas é aí que está a graça. É difícil demais enquadrar uma ideia em um soneto!

E como fiquei na dúvida entre alguns sonetos, resolvi transcrever três deles, menos conhecidos que o “Soneto de Fidelidade”, mas não menos geniais.
Som na caixa!


SONETO DA SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se do triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


NÃO COMEREI DA ALFACE A VERDE PÉTALA
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro; deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.


SONETO DE INTIMIDADE
Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.

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