Entre 2008 e
2011(!), fizemos uma mega reforma aqui em casa. Minha mulher sempre diz que eu
falo demais, explico demais. Talvez ela tenha razão; mas, para contar um
diálogo idiota que às vezes eu mantinha com os operários aqui em casa, eu
preciso explicar o que me motivava, qual a utilidade dessas conversas.
Nessa reforma,
trocamos o diabo a quatro, quebramos pisos, paredes e um zilhão de coisas
(inclusive e, principalmente, as finanças dos proprietários), desmanchamos
metade da casa (isso é real) sem nos mudarmos para outro imóvel (atitude zen,
digna de monge budista). Durante a reforma, 21 caçambas foram cheias com
material de demolição (não é nada, não é nada, isso representa 100 m³ de
entulho!).
Falei disso para
dar uma ideia da trabalheira e dos inevitáveis aborrecimentos com pedreiros,
ajudantes, encanadores, e outros, pouco acostumados a dispensar aos detalhes o
cuidado que nós, portadores de TOC, esperávamos. E foram várias as trocas de
pedreiro que fizemos, até encontrarmos um que atendeu 99% dos nossos pedidos e
aporrinhações. Esse sujeito demonstrava ter prazer no que fazia, na qualidade
espantosa que alcançava. Trabalhando tão bem, honrou sem saber a memória dos
primeiros operários utilizados na construção de Belo Horizonte, no final do
século XIX e início do século XX.
Até onde sei, a
mão de obra utilizada na construção dos magníficos prédios públicos e casario
desse período era constituída de imigrantes espanhóis e portugueses altamente
capacitados. Era a época dos “mestres de obra” e dos “oficiais” – designação
utilizada para os operários especializados (pedreiros, marceneiros, canteiros,
etc.). Imagino que esse pessoal tinha muito orgulho do que construía, tal a
beleza e qualidade que se observa nessas edificações e em seus inúmeros
detalhes – frisos, cornijas, frontões e todo tipo de acabamento rebuscado, com
seus nomes sonoros e de significado esquecido (ou desconhecido).
Pois bem, esse
apuro na execução, essa experiência trazida pelos imigrantes foi pouco a pouco
sendo esquecida ou abandonada, empurrada pela pressa e desejo de reduzir
custos. Inventaram até um “reboco paulista” (seria uma técnica inventada por lá
ou uma referência à correria em que vive a paulistada?): em lugar do
revestimento feito em duas etapas com argamassa de cal e areia (ou cimento, cal
e areia), que proporcionava um acabamento esmerado e sem trincas, começou-se a
utilizar o “reboco paulista”, à base de cimento e areia, executado em uma única
etapa e que sempre trinca (é, acabei fazendo quase uma dissertação sobre
construção de edifícios. É difícil).
Pois bem, voltando
à reforma, para conseguir que fizessem um ótimo acabamento, eu tentava
sensibilizar os operários contando esses casos (na prática, o que eu fazia era
pagar para que eles ficassem coçando saco enquanto me ouviam). E como muitos
eram evangélicos (nada contra!), eu apelava para um belo sofisma, assim
reproduzido:
- Deus
é perfeito, não é?
- Claro!
- Blá,
blá, blá, você concorda comigo em que a perfeição está nos arremates bem
feitos, nos detalhes?
- Ahã... (olhar
meio desconfiado)
- Então,
pensa bem, Deus está nos detalhes, você não acha?
- É... (sorriso
sem graça e vontade provável de me mandar à merda).
Quem leu até aqui
deve ter intimamente concordado com os operários. Pode ser, mas é fato que
encontramos questões metafísicas sofisticadas em coisas aparentemente sem
importância. Por exemplo, a pergunta “cachorro que late n’água, late em
terra?” nunca foi satisfatoriamente respondida.
E já que a questão
proposta acima nos remete à dicotomia existente entre água e
terra, pode-se afirmar que, mesmo que fale mais que pobre na
chuva, Jotabê no seco anda.
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