quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

MAIOR GRILO

Na década de 1970 surgiu no Brasil um jornal tabloide chamado "Grilo", que publicava histórias em quadrinhos dos papas do desenho de humor da grande imprensa internacional. A partir de algum momento, o formato e conteúdo mudaram radicalmente. E para melhor, em minha opinião. Das páginas da agora revista, brotou uma gangue de fantásticos cartunistas e redatores de traço e texto absolutamente irreverente e crítico, alguns extremamente alternativos ou underground ou erotizados.

Eu, que comprei todos os números no formato tabloide, comprava sistematicamente todos os exemplares no novo formato. Até hoje guardo essa coleção. Infelizmente, não consegui comprar o último número, uma puta sacanagem.

Pois bem, Wolinski, um dos cartunistas dessa segunda fase do Grilo foi assassinado hoje em um atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, onde ainda trabalhava, aos oitenta anos. Quando se assassina um cartunista, o que se tenta realmente é impedir que “a nudez do rei” - de qualquer rei - seja mostrada, comentada e criticada.

Que se pode dizer sobre uma notícia dessas? Que a intolerância e o obscurantismo manifestaram-se em seu grau máximo?
Que o mundo ficou um pouco pior do que já é normalmente?
Que a liberdade de expressão foi fuzilada justamente na pátria da "Liberté, Égalité, Fraternité"?
Que os humoristas e cartunistas do mundo todo devem, a partir de hoje, receber adicional de periculosidade e insalubridade?

Que mundo triste esse nosso! Alguém já disse que a raça humana é um equívoco da seleção natural. E, diante deste fato, sinto-me obrigado a concordar com isso. Muito triste, muito preocupante.

E, guardadas as devidas proporções, não deixa de ser um motivo para reflexão o fato de que esse atentado seria uma "regulação da mídia", só que feita à mão armada.

Para encerrar, um trecho de uma letra do compositor Belchior, que fica como paráfrase ou metáfora de toda essa tristíssima situação:

 Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve, correta, branca, suave, muito limpa, muito leve. Sons, palavras, são navalhas. E eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém

Mas não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo. Isso é somente uma canção. A vida realmente é diferente, quer dizer: a vida é muito pior.

E eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Por favor, não saque a arma no "saloon", eu sou apenas o cantor.


4 comentários:

  1. Horrível o que ocorreu. Não há outra palavra para descrever. Mas EU ainda não perdi as esperanças na humanidade. A violência nunca conseguiu suprimir a liberdade por muito tempo (nem em Cuba, o problema é que eles têm que fugir). Você não deve conhecer, isso não é do seu tempo (nem do meu, não sou Matusalém), o filme mudo de 1920 "A Marca do Zorro", com Douglas Fairbanks, incia-se com o seguinte texto "Opressão - por sua própria natureza - cria o poder que a esmaga."

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  2. Ontem, ao ficar sabendo da morte do Wolinski, fiquei com uma pulga atrás da orelha: de onde conhecia seu trabalho? Lembrei do traço, pensei tê-lo visto em alguma exposição no FIQ, mas você matou a charada: nas páginas psicodélicas da Grilo :-)

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    1. Todo assassinato é lamentável, lógico. Mas, já que mencionou as "páginas psicodélicas da Grilo", preciso dizer que, embora gostasse dele, o Wolinski não era meu predileto, pois seu humor era sempre um pouco pornográfico demais. Eu prefiro muito mais o desenho e humor caótico do Reiser (que já morreu faz tempo) e que também foi colaborador da Charlie Hebdo e que conheci através da velha e boa Grilo. É isso.

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