quinta-feira, 6 de novembro de 2025

“LET’S ALL GET UP AND DANCE...”

Eu não sei se já falei disso antes, pois a memória recente, a memória "rã" foi pro brejo. Se já, peço desculpas. Se não, o lance é o seguinte: todas as vezes que vejo pessoas com paralisia cerebral ou severamente deformadas, sinto uma pena terrível, terrível. Até aí, nada de mais, pois só um poste não sente compaixão por pessoas assim. A questão é que eu sempre vejo essas pessoas como prisioneiras de si mesmas. Dentro de um corpo cheio de limitações há alguém igual a mim, que sente igual a mim, que pensa igual a mim. Mas está preso, imobilizado. E essa sensação potencializa a pena que sinto.

Ultimamente, comecei a sentir algo parecido em relação aos idosos. Pode ser frescura, falta do que fazer, mas o fato é que eu sinto que de nós, os mais velhos, espera-se um comportamento "coerente" com a idade. Se alguém resolver rir alto ou fizer coisas inesperadas e idiotas no shopping (esconder-se atrás de uma coluna, por exemplo), pelo simples fato de estar alegre e despreocupado, provavelmente será olhado com vergonha e constrangimento pelos familiares, com reprovação e desconfiança pelos demais, como se o "preferencial" estivesse delirando ou definitivamente senil.

Quando minha avó materna começou a apresentar sinais de demência, suas ações ficaram cada vez mais inesperadas. Um dia, ela estava sentada em um dos sofás da sala, para onde eu ia também espancar o violão, sem me preocupar com nada. Ao começar a tocar uma música dos Beatles que tem uma batida cadenciada – “Your mother should know” – ela se levantou, pegou uma ponta da barra do vestido e começou a dançar, sorridente, como se estivesse em uma quadrilha de festa junina. Eu achei aquilo sensacional! O curioso é que nenhuma outra música provocava nela esse efeito. Bastava, entretanto, eu começar a cantar “Let’s all get up and dance...” e lá estava ela a dançar de novo. Sim, ela estava doente, mas a demência deu a ela uma liberdade que, provavelmente, nunca se permitiu ter.

O que, afinal, eu quero dizer? Isso: de um senhor ou de uma senhora (assim imagino) espera-se sempre um comportamento "condizente" com a idade que o corpo aparenta, mais contido, severo, senhoril – ou então essa pessoa será julgada e considerada gagá, caduca, senil. Bela merda essa prisão!

(18/09/2014)


12 comentários:

  1. Ótimas colocações. Eu tenho um primo que teve paralisia infantil e ficou com a fala e os movimentos comprometidos. Não por acaso se chama "Eduardo" (porque na família da minha mãe tem um monte de Eduardos). Não tem coisa melhor que ver um velhinho e uma velhinha descolados, alegres, falando merdas. Quer ver outro preconceito chato? "Véio safado" - como se a velhice fosse impeditivo para a safadeza.

    ResponderExcluir
  2. Não sei de onde você tirou essas coisas. Você se preocupa muito com o que os outros irão pensar. Já pensou se um dos seus filhos fosse viado? Acho que você iria enfartar no momento da saída dele do armário. Ah, Ah, Ah!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu tinha 64 anos quando escrevi isso e sempre fiquei puto com o preconceito "piedoso" que os idosos sofrem. Já envergonhei meus filhos por fazer performances malucas em shoppings. Quanto ao filho, tenho a suspeita de que um deles é bissexual, mas isso não me causa nenhum problema. Talvez, quando era mais novo eu ficasse bolado, mas hoje não. Aliás, gosto muito de conversar com gays e tenho dois sobrinhos que são totalmente assumidos. Um deles mora com o namorado, o outro tem um namorado antigo com quem já conversei. Esses dois sobrinhos estão entre os cinco de que mais gosto (são dezesseis ao todo). Curiosamente, o sobrinho que mais desprezo (desprezo mesmo) é heterossexual e irmão do gay.

      Excluir
    2. Tomara que o filho bissexual seja o mais peludo

      Excluir
    3. Curiosamente nada, o sobrinho hétero não tá nem aí pra ninguém. Já o gay, se você tiver interesse, ele vai ficar ciscando que nem galinha, até uma hora você tiver vontade de comer um frango assado. Ahahah.

      Excluir
    4. Não, eu sou tio. E eu sinto desprezo pelo irmão por ter parado de estudar, por ser bolsonarista, por ser muito "periférico", por só tirar retrato com copo de cerveja não mão. Eu tenho preconceito com a vulgaridade.

      Excluir
    5. Eu nunca comi o cu de ninguém, tentei com minha mulher mas ela nunca deixou. Se eu tivesse um sobrinho gay a última coisa que eu pensaria seria pensar em fazer sexo com ele. Vc é muito doentio

      Excluir
  3. Ela dançou porque gostou. Pois é, diante da miserável vida onde nada é novidade, então nada a entusiasmava, ela viu a música como a grande novidade capaz de empolgá-la. Por que não se render ao fluxo da alegria? Depois de uma idade, meu caro, preocupar-se com o que se deve fazer ou falar é uma baita perda de tempo e de consciência. O lado bom de ser idoso é poder viver a vida com o cabresto frouxo. Se o Charlie Brown do Snoopy ficasse idoso, ele seria você, Jotabê. Ah, Ah!

    ResponderExcluir
  4. Aumente um pouco essas letras, pelo amor de
    Deus. Seus leitores todos têm problemas de visão, meu filho!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ué, eu só uso arial 12, mas o blogger transforma em times new roman, alem de mudar o tamanho a seu bel prazer. Como resolver isso?

      Excluir

INTERNAÇÃO

  (Dando um refresco nas memórias familiares. Mas elas voltam!) Se você acredita que uma internação em hospital é período propício à reflexã...