terça-feira, 16 de março de 2021

“LET’S ALL GET UP AND DANCE...”

Eu não sei se já falei disso antes, pois a memória recente, a memória "rã" foi pro brejo. Se já, peço desculpas. Se não, o lance é o seguinte: todas as vezes que vejo pessoas com paralisia cerebral ou severamente deformadas, sinto uma pena terrível, terrível. Até aí, nada de mais, pois só um poste não sente compaixão por pessoas assim. A questão é que eu sempre vejo essas pessoas como prisioneiras de si mesmas. Dentro de um corpo cheio de limitações há alguém igual a mim, que sente igual a mim, que pensa igual a mim. Mas está preso, imobilizado. E essa sensação potencializa a pena que sinto.

Ultimamente, comecei a sentir algo parecido em relação aos idosos. Pode ser frescura, falta do que fazer, mas o fato é que eu sinto que de nós, os mais velhos, espera-se um comportamento "coerente" com a idade. Se alguém resolver rir alto ou fizer coisas inesperadas e idiotas no shopping (esconder-se atrás de uma coluna, por exemplo), pelo simples fato de estar alegre e despreocupado, provavelmente será olhado com vergonha e constrangimento pelos familiares, com reprovação e desconfiança pelos demais, como se o "preferencial" estivesse delirando ou definitivamente senil.

Quando minha avó materna começou a apresentar sinais de demência, suas ações ficaram cada vez mais inesperadas. Um dia, ela estava sentada em um dos sofás da sala, para onde eu ia também espancar o violão, sem me preocupar com nada. Ao começar a tocar uma música dos Beatles que tem uma batida cadenciada – “Your mother should know” – ela se levantou, pegou uma ponta da barra do vestido e começou a dançar, sorridente, como se estivesse em uma quadrilha de festa junina. Eu achei aquilo sensacional! O curioso é que nenhuma outra música provocava nela esse efeito. Bastava, entretanto, eu começar a cantar “Let’s all get up and dance...” e lá estava ela a dançar de novo. Sim, ela estava doente, mas a demência deu a ela uma liberdade que, provavelmente, nunca se permitiu ter.

O que, afinal, eu quero dizer? Isso: de um senhor ou de uma senhora (assim imagino) espera-se sempre um comportamento "condizente" com a idade que o corpo aparenta, mais contido, severo, senhoril – ou então essa pessoa será julgada e considerada gagá, caduca, senil. Bela merda essa prisão!

(18/09/2014)


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