sexta-feira, 30 de maio de 2025

EU, VOCÊ E A BARATA

 
Hoje pela manhã, saindo de casa para comprar pão, deparei-me com uma barata vadia – uma autêntica planetária americana – a andar sem destino pelo piso da garagem. Ao perceber minha movimentação, a cascuda escondeu-se atrás de um vaso, tentando não ser notada nem inseticidada, mas fingi não tê-la visto.
 
Desde que fiquei sabendo do desaparecimento progressivo dos pardais, resolvi fazer minha parte para preservar os que fazem ninho no beiral de nossa casa e deixam suas “lembranças” no chão logo abaixo. Em outras palavras, não me importo mais com o cocozinho dos pardais nem os espanto com jatos de água. Também não mato com inseticida as baratas que ousam aparecer e que podem servir de alimento para eles. Duro é ter de usar o chinelo e ouvir aquele plaft repulsivo, que me obriga a lavar a sola da havaiana antes de voltar para dentro de casa.
 
Pois bem, enquanto espantava com jato de água a barata para fora do portão, fiquei pensando em quanto tempo deve ter sido gasto para ela adquirir suas características e propriedades atuais, sendo uma delas a capacidade de provocar reações histéricas na maioria das mulheres e de alguns homens ao dar com uma delas sassaricando por prateleiras e armários. Por absoluta falta de coisa melhor para pensar, consultei a Wikipédia – a mãe dos muito burros – e anotei estes dados de suma importância, que todos deveriam conhecer antes de morrer:
 
Sabe quando surgiu o L.U.C.A.? Se você nem consegue imaginar de que estou falando, sugiro procurar no Blogson a fabulosa e hilariante história em quadrinhos “A Gaiola dos Lucas”. L.U.C.A significa “Last Universal Common Ancestor”, que em linguagem de gente pode ser entendido como o último ancestral comum a partir do qual todos os seres vivos surgiram. Em outras palavras, eu, você e a barata temos o mesmo tatatatatatatatar...avô. Pois bem, esse nosso avôzinho surgiu há 3,4 bilhões de anos. Do que aconteceu depois disso eu não faço ideia, apenas descobri que seus descendentes peixes surgiram há 530 milhões de anos; os insetos – incluindo os ancestrais do pernilongo e da barata – começaram a encher o saco há 480 milhões de anos, os répteis há 310 milhões, os mamíferos há 220 milhões e as aves há “apenas” 150 milhões de anos.
 
Agora, diga para mim, você consegue imaginar o que significam intervalos de tempo tão gigantescos? Você consegue internalizar uma passagem de tempo tão estupefaciente? Vou te dizer que por mais que eu sinta atração por números, valores, quantidades, não consigo avaliar nem ter a mínima ideia do que significam tempo medido em milhões de anos nem distâncias medidas em anos-luz. A minha limitação intelectual permite apenas que eu trate de forma teórica conceitos que nunca conseguirei realmente vivenciar.
 
Neste ponto, sinto inveja dos membros da tribo amazônica Pirahã, que não sabem contar nem têm palavras para indicar números precisos tipo “um”, “dois” ou “três”. Essa tribo avalia quantidades com termos que indicam “pouco”, “alguns” e “muitos”.  E acho que é assim que passarei a me comportar. Quando alguém perguntar quantos anos completarei no próximo dia sete de junho, apenas responderei:
- Muitos.

7 comentários:

  1. Meu amigo, a barata é um caso deveras interessante. Senão, me diga: porque um bichinho tão pequeno, se for ver bem, até simpático com aquelas anteninhas na cara nos provocar tanta repulsa e gritos histéricos da maioria das mulheres? Inclusive da minha. Meu filho tem uma verdadeira fobia. Mas explicável: quando era mais novo ao abrir a gaveta do armário do banheiro, uma barata saiu voando em desespero pra cima dele...hoje quando aparece uma barata na sala ele se fecha no quarto. Já disse que ele precisa tratar essa fobia, afinal de contas, nós, homens machos héteros top, até podemos ter nojinho de baratas mas jamais demonstrar isso diante de uma mulher.


    p.s. Gostei muito da sugestão dos "muitos".
    p.s 2. dizem que as baratas ainda estarão aqui quando nós formos extintos. Deve ser verdade.

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    1. Um dos livros que o cartunista Henfil publicou é uma coletânea das cartas que escrevia diariamente, compulsivamente, para amigos, enquanto estava nos Estados Unidos tentando se firmar como cartunista (foi escorraçado pelas piadas doentias que criava) e tratar as consequência da hemofilia. O título era "Diário de um Cucaracha" e teve duas capas: uma - destinada ao publico masculino - ostentando uma bela barata na capa e outra, destinada ao público feminino sem o inseto. Minha mulher ganhou o livro com a barata na capa. Sabe o que ela fez? Pediu-me para encapar o livro por não suportar ver nem mesmo uma foto da planetária.

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  2. Aliás, esse encontro baratal do meu filho daria uma boa crônica...e que ele não saiba que eu a escrevi.

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  3. Não, ninguém consegue ter a real noção de períodos de tempo tão gigantescos, não tem jeito, mal conseguimos imaginar cem anos. E essa é uma das dificuldades que recai sobre a Teoria da Evolução. A evolução ocorre com a espécie, não com o indivíduo, e ao longo de milhões de anos. Eu aceito a Teoria da Evolução porque ela me parece bem lógica, explica, creio eu, quase tudo (menos a nossa evolução, a do HS), mas dizer que consigo "ver" o processo todo ocorrendo seria mentir. Creio que ele ocorra, mas não tenho a abstração necessária para visualizar ou imaginar os milhões de anos necessários para isso.
    E sim, a barata sobreviverá a nós.

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    1. Já ouvi dizer que a evolução acontece aos saltos, mas com tanto tempo para acontecer, gosto de pensar no efeito conta-gotas que poderia ocorrer paralelamente. Mudando de assunto, estou lendo o livro de 500 páginas do Millôr que me eviou e será preciso falar sobre ele. Mas preciso terminar o livro (estou na página 70, por aí). Muitas revelações!

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