sexta-feira, 8 de julho de 2022

UM IMPOSTOR SINDRÔMICO

 
“Eu não tenho o menor medo de que me descubram um impostor. Sabe por quê? Porque eu mesmo, há tempos, já me dei conta de que sou um. E continuo me arrastando nesse papel”.
 
Esse foi o comentário feito por meu amigo virtual Marreta (ou Azarão) no post “Síndrome do Impostor”, recentemente publicado aqui no Blogson Crusoe. Como toda resposta grande vira post nesta bagaça, sinal de oportunismo e falta de assunto (eu sou um impostor!), resolvi voltar a esse tema.
 
Segundo uma reportagem de 2021 que li no site da BBC, “Os 'impostores' têm tendências perfeccionistas, abrigando uma necessidade secreta de serem os melhores no que fazem. Quando são incapazes de atingir seus objetivos perfeccionistas, os 'impostores' muitas vezes se sentem oprimidos, decepcionados e se generalizam como fracassados".
 
Antes de continuar, preciso esclarecer que a proposta do post comentado era divertir, fazer humor, objetivo um pouco diferente deste post-resposta. Para começo de conversa, eu considero o comentário de meu amigo uma "impostura", pois ele é um mestre da ironia e do sarcasmo. Então, as aspas colocadas em suas palavras indicam não apenas tratar-se de outro autor como de deixar claro que não concordo com sua auto-avaliação, pois ele é um grande escritor e ótimo poeta. Por isso, transcreverei mais um trecho de um dos vários textos que encontrei na internet sobre a “síndrome do impostor”.
 
"Foi exatamente assim que a doutora Jaqueline Góes começou a se sentir em 2020, quando o trabalho dela passou a chamar a atenção de muita gente. A Jaqueline ficou conhecida no Brasil inteiro no início da pandemia, quando ela e a supervisora, Ester Sabino, integraram a equipe que fez o sequenciamento genético do Coronavírus em 48 horas. Na época, o procedimento levava em média 15 dias” (...) ‘Em muitos momentos eu tento me diminuir. E isso faz, por exemplo, com que eu fique muito envergonhada com alguns reconhecimentos, alguns prêmios que eu recebo E aos poucos eu estou tentando trabalhar essa aceitação de que ‘Olha, o prêmio já está aí, a homenagem já foi feita, não tem mais por que esconder’, diz Jaqueline”.
 
 “Uma pesquisa demonstrou que uma média de 70% de pessoas que estão no mercado de trabalho já sofreram desses sintomas, dessas sensações, como se a qualquer momento as pessoas fossem descobrir que elas não têm aquela capacidade, aquela habilidade”.
 
Mas vou parar com a transcrição de textos para contar dois casos que provavelmente já contei aqui no blog (devo ter contado, pois às vezes me sinto como o bagaço de uma laranja chupada, mais espremido que passageiro de metrô japonês). O gatilho para contar essas lembranças foi o comentário do Marreta, pois os dois casos guardam alguma semelhança com essa síndrome do impostor, apesar de cada um apontar em uma direção oposta à do outro – mesmo que tenham uma raiz comum (me ajuda aí, GRF!).
 
Minha mulher protagoniza o primeiro. Ela é linda, lindíssima. E isso não é conversa de marido apaixonado (eu sou). Na juventude ela possuía uma beleza de modelo das agências Ford ou Elite. Era considerada por seus conhecidos (que nunca disseram isso a ela) a menina mais linda do bairro. Apesar disso, mesmo que muitos tenham tentado namorar com ela, considerava-se feia, por sua irmã mais velha ter olhos azuis e ela não. Mas a cor única e o formato dos olhos da minha mulher sempre me fizeram dizer e pensar que ela tem os olhos mais lindos do mundo (e não sou o único a pensar assim). Hoje, já com mais de setenta anos, apesar do aumento de peso, dos cabelos brancos e das rugas surgidas com a idade ela continua linda. E essa é a conclusão: por um sentimento injustificável de inferioridade, ela sempre se julgou feia ou menos bonita do que sempre foi, apesar da beleza absurda que sempre exibiu.
 
O segundo caso caminha no sentido contrário. Trabalhei em uma empresa de engenharia onde pude conviver com engenheiros de altíssimo nível. Apesar de nunca poder me equiparar a eles (sou um impostor) eu fazia parte dessa equipe. Havia uma exceção a essa excelência profissional (além de mim), que era justamente o chefe. Sua maior qualificação profissional era ser filho de um dos donos da empresa; afora isso, era um grande contador de piadas, fazia comentários de fazer corar até o Bukowski, mas era fraco profissionalmente, visivelmente fraco. O problema é que ele não assumia sua incapacidade técnica; ao contrário, portava-se como se fosse o foda (ele era um impostor). O ponto máximo foi quando, em uma roda de feras, ao falar de um assunto de que não entendia absolutamente nada, usou um termo “técnico” que inventou na hora por não conseguir se lembrar da expressão correta (em lugar de "rigging" disse "jigert"). Ao explicar o que estava dizendo foi aquele silêncio constrangedor, todo mundo com cara de cachorro que peidou na igreja.

Juntando as quatro pessoas citadas neste post, poderia dizer que têm em comum uma avaliação equivocada sobre si mesmos, sobre suas qualidades ou defeitos. Minha mulher, uma perfeccionista em tudo o que faz, era (é) linda mas não conseguia se ver assim; o Marreta é um grande escritor, mas finge que não sabe disso; meu ex-chefe era tecnicamente uma toupeira mas tentava convencer os outros do contrário; e o descompensado Jotabê - ao criar cinco blogs de uma vez - “materializou” a fabulosa frase do Juca Chaves: “Querer ser mais do que valem é dos imbecis a praxe”.

E se quiser saber como uma menina linda apaixonou-se por um ogro como eu, a explicação está no post "Eu me odeeio!"

2 comentários:

  1. Essa frase do Juca Chaves é pedra na cabeça em! Que máxima.

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    1. Essa frase é de uma de suas músicas. Para mim ele tem a marca das pessoas inteligentes, que é a ironia. Talvez, por isso mesmo, não tenha feito mega sucesso. Bom, e também por gostar de compor modinhas. Mas o cara é brilhante em suas críticas à autoridades "de plantão", naquela base da história da roupa invisível de um rei que estava apenas nu.

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4