Fico feliz de jamais ter sido obrigado a trabalhar como empacotador de
supermercado (aquele sujeito que embala as compras dos fregueses em sacolas
plásticas impossíveis de ser abertas por gente normal). Eu gastaria dez minutos
para cada sacola aberta, incompetência que me faria ser demitido no mesmo dia.
E por justa causa.
Também nunca passou pela minha cabeça a ideia de ser professor. De qualquer coisa, de qualquer assunto. Ainda bem, pois eu seria um desastre de proporções quase iguais a um tsunami ou naufrágio do Titanic. Apesar disso, me vi um dia em uma sala de aula, à frente de umas vinte meninas, vinte adolescentes, falando sobre métodos contraceptivos, ou melhor, sobre um artigo que abordava esse assunto e que tinha lido na revista Seleções. Eu tinha apenas dezenove anos e essa “aula”, ideia de uma das alunas, foi quase surreal (creio que foi assim que surgiu minha versão Mr. High, renomeada depois para Jotabê).
Durante a faculdade até tentei levantar uns trocados dando aulas de violão e de matemática. O fracasso dessas duas tentativas me fez abandonar definitivamente a ideia de ensinar qualquer coisa a alguém, pois enquanto eu tentava ensinar para o aluno de violão noções básicas de formação de acordes e conceitos de tom maior ou menor, ele só queria aprender a fazer “quem quer pão, quem quer pão”.
A aluna de matemática até que se esforçou, mas a única coisa de que me lembro foi tentar ensinar a ela o mesmo conceito com abordagens diferentes (tipo assim: “Entendeu? Não? Vou explicar de outra forma”), fazendo com que se confundisse cada vez mais. Mas, pelo menos para mim o assunto lecionado ficou absurdamente claro e definitivamente bem entendido, pois percebi que a melhor forma de aprender algum assunto é explicá-lo para alguém (talvez eu devesse explicar a Teoria da Relatividade para alguém).
Sempre acreditei que o convívio com jovens em uma sala de aula é uma ótima forma de oxigenar o cérebro do mestre. Mesmo assim, nunca quis ser professor. E pensar que a humanidade nunca me agradeceu por isso!
Mas, se nunca consegui ensinar nada a ninguém, nem mesmo “jogo da velha”, casei-me com uma professora. Minha mulher era louca por francês e fez curso de Letras opção português-francês. Sua alegria durou pouco, pois logo depois de formada os colégios tiveram a indelicadeza de retirar de sua grade curricular o ensino da língua que permitiria aos aplicados alunos entender o significado dessa questão quase metafísica: “qu'est-ce qu'il y a avec ton dindon?”
Movida pela necessidade e por algum pragmatismo do tipo “já que não tem tu, vai tu mesmo”, começou a lecionar língua portuguesa. À maneira dos médicos recém-formados que correm para cá e para lá, arranjou emprego em três colégios. Tinha vinte e três anos na época e zero de experiência. Seus alunos eram quase tão “velhos” como ela e bastante agitados. Apesar disso, conseguiu o respeito de todos e foi escolhida por duas salas como paraninfa da turma, mas resolveu parar de lecionar quando nos casamos, pois não gostava de dar aulas de português.
Não sei como seria hoje, especialmente depois da aloprada experiência de “escola plural” que, de tão ruim, quase impediu que nossos filhos cursassem faculdade (pois tiveram de competir no vestibular com alunos bem preparados, egressos de escolas particulares de qualidade).
Na época dessa triste experiência nossos filhos estudavam em escola pública (a grana estava muito curta). Observando dentro de nossa casa aquela esculhambação pedagógica, um dia comentei com o diretor do colégio que a “escola plural” tinha proporcionado aos alunos uma grande modernidade, o “ensino virtual” - onde os alunos fingiam aprender, os professores fingiam ensinar e os pais fingiam acreditar nessa lorota. A resposta foi um sorriso constrangido.
Mas a ideia central da escola plural foi pressentida e aplicada muitos anos antes por dois professores do terceiro ano colegial do turno da noite, “onde por sorte ou castigo dei de parar”, pois no colégio da UFMG onde estudava não havia terceiro ano nos turnos da manhã ou tarde. A explicação é que todo mundo que queria mesmo estudar migrava para o “Colégio Universitário” também da UFMG, longe pra caramba da minha casa.
Eu estava começando a experimentar os efeitos da versão caipira de Dr. Jekyll and Mr. Hyde, vivenciando um Dr. Zeca e Mr. High caboclo (alguns dizem que seria Dr. Jeca ou Dr. Jegue), pois estava sempre com a cabeça nas nuvens e sem vontade de fazer porra nenhuma. E acordar ainda mais cedo não estava definitivamente nos meus planos. Por isso passei para o turno da noite.
A sala estava dividida ate´mesmo geograficamente entre os malandros saídos do turno da manhã (fundo da sala) e o pessoal que ralava, que trabalhava durante o dia (turma do gargarejo). O contraste e as brincadeiras daí surgidas eram muito, muito sem noção. Na verdade, era bullying o tempo todo em cima dos que trabalhavam. Pois bem, foi aí que o conceito de não reprovar ninguém se manifestou.
O professor de química avisou que ninguém precisaria se preocupar com nota, só não queria zona na sala. E realmente dava aula. No final do ano, deu uma prova e disse para a putada escrever alguma coisa, qualquer coisa. Eu não fazia a menor ideia dos assuntos que geraram as questões da prova. Assim, comecei a fazer contas.aleatoriamente e entreguei a prova, “corrigida” ali na hora. O professor (que tinha cara de cachaceiro) juntou a papelada toda sem nem tomar conhecimento do que cada aluno escreveu e foi distribuindo notas de acordo com o diário de classe, uma situação meio “bíblica”, onde cada um recebia a nota necessária para passar (os mais caxias recebiam alguns pontos a mais).
Mas craque mesmo foi o professor de física. Não sei se por perceber a “motivação” dos alunos ou por sua índole mesmo, avisou que quem daria aula seriam os alunos, todos os alunos. Cada aluno escolhia um tema, estudava, preparava a aula e apresentava para aquela gangue que estava pouco se lixando para o que estava sendo “ensinado”. Na aula seguinte outro aluno se apresentava, e assim, sucessivamente, todos os alunos foram cumprindo a obrigação de dar aula no lugar do professor coça-saco. Quer dizer, quase todos, pois o ano letivo estava próximo e eu nunca tinha dado nenhuma aula de nada.
A solução foi encarar a Lei de Hooke. As perguntas feitas por uns dois ou três alunos foram respondidas com um sincero “não sei”. Dias depois aconteceu a prova final. Eu precisava da quase totalidade dos pontos para não ser reprovado. E a escola plural me ajudou. O professor foi chamando um a um, informando quantos pontos precisava para ser aprovado e (o golpe de mestre!) quantos ele achava que merecia pelas aulas dadas. Os mais tímidos diziam merecer uma nota ligeiramente superior à necessária. E o professor cinicamente perguntava ao resto da classe: “Vocês acham que ele merece?” Os vagabundos vindos da manhã aprovavam o pleito de seus “comparsas” e os que sempre estudaram à noite aprovavam os pedidos de seus semelhantes. O que mais me surpreendeu foi a reação da sala quando chegou a minha vez.
Por ter sido um dos últimos a dar “aula” também fui um dos últimos a ser avaliado. Digamos que eu precisasse de 38 pontos em 40 para passar.E foi exatamente a nota que disse merecer. Lembro-me de que o professor me olhou com cara de quem tinha encontrado um cínico filho da puta à sua altura. Ao perguntar à classe se eu merecia aquela nota, para minha surpresa (e dele também), colegas dos dois grupos disseram que sim. Um deles chegou ao ponto de dizer que eu era muito estudioso e que minha aula tinha sido muito boa!
Hoje eu rio um riso de hiena quando me lembro dessas baixarias. Mas de uma coisa tenho certeza: se eu tivesse escolhido o magistério como profissão talvez nunca fosse paraninfo de nenhuma turma. O que não me impediria de ser ovacionado pelos meus alunos. Mas com ovos de granja (ou “ovos de grunge”) e ainda correndo o risco de ser chamado depois disso de “Omeletão”.
Também nunca passou pela minha cabeça a ideia de ser professor. De qualquer coisa, de qualquer assunto. Ainda bem, pois eu seria um desastre de proporções quase iguais a um tsunami ou naufrágio do Titanic. Apesar disso, me vi um dia em uma sala de aula, à frente de umas vinte meninas, vinte adolescentes, falando sobre métodos contraceptivos, ou melhor, sobre um artigo que abordava esse assunto e que tinha lido na revista Seleções. Eu tinha apenas dezenove anos e essa “aula”, ideia de uma das alunas, foi quase surreal (creio que foi assim que surgiu minha versão Mr. High, renomeada depois para Jotabê).
Durante a faculdade até tentei levantar uns trocados dando aulas de violão e de matemática. O fracasso dessas duas tentativas me fez abandonar definitivamente a ideia de ensinar qualquer coisa a alguém, pois enquanto eu tentava ensinar para o aluno de violão noções básicas de formação de acordes e conceitos de tom maior ou menor, ele só queria aprender a fazer “quem quer pão, quem quer pão”.
A aluna de matemática até que se esforçou, mas a única coisa de que me lembro foi tentar ensinar a ela o mesmo conceito com abordagens diferentes (tipo assim: “Entendeu? Não? Vou explicar de outra forma”), fazendo com que se confundisse cada vez mais. Mas, pelo menos para mim o assunto lecionado ficou absurdamente claro e definitivamente bem entendido, pois percebi que a melhor forma de aprender algum assunto é explicá-lo para alguém (talvez eu devesse explicar a Teoria da Relatividade para alguém).
Sempre acreditei que o convívio com jovens em uma sala de aula é uma ótima forma de oxigenar o cérebro do mestre. Mesmo assim, nunca quis ser professor. E pensar que a humanidade nunca me agradeceu por isso!
Mas, se nunca consegui ensinar nada a ninguém, nem mesmo “jogo da velha”, casei-me com uma professora. Minha mulher era louca por francês e fez curso de Letras opção português-francês. Sua alegria durou pouco, pois logo depois de formada os colégios tiveram a indelicadeza de retirar de sua grade curricular o ensino da língua que permitiria aos aplicados alunos entender o significado dessa questão quase metafísica: “qu'est-ce qu'il y a avec ton dindon?”
Movida pela necessidade e por algum pragmatismo do tipo “já que não tem tu, vai tu mesmo”, começou a lecionar língua portuguesa. À maneira dos médicos recém-formados que correm para cá e para lá, arranjou emprego em três colégios. Tinha vinte e três anos na época e zero de experiência. Seus alunos eram quase tão “velhos” como ela e bastante agitados. Apesar disso, conseguiu o respeito de todos e foi escolhida por duas salas como paraninfa da turma, mas resolveu parar de lecionar quando nos casamos, pois não gostava de dar aulas de português.
Não sei como seria hoje, especialmente depois da aloprada experiência de “escola plural” que, de tão ruim, quase impediu que nossos filhos cursassem faculdade (pois tiveram de competir no vestibular com alunos bem preparados, egressos de escolas particulares de qualidade).
Na época dessa triste experiência nossos filhos estudavam em escola pública (a grana estava muito curta). Observando dentro de nossa casa aquela esculhambação pedagógica, um dia comentei com o diretor do colégio que a “escola plural” tinha proporcionado aos alunos uma grande modernidade, o “ensino virtual” - onde os alunos fingiam aprender, os professores fingiam ensinar e os pais fingiam acreditar nessa lorota. A resposta foi um sorriso constrangido.
Mas a ideia central da escola plural foi pressentida e aplicada muitos anos antes por dois professores do terceiro ano colegial do turno da noite, “onde por sorte ou castigo dei de parar”, pois no colégio da UFMG onde estudava não havia terceiro ano nos turnos da manhã ou tarde. A explicação é que todo mundo que queria mesmo estudar migrava para o “Colégio Universitário” também da UFMG, longe pra caramba da minha casa.
Eu estava começando a experimentar os efeitos da versão caipira de Dr. Jekyll and Mr. Hyde, vivenciando um Dr. Zeca e Mr. High caboclo (alguns dizem que seria Dr. Jeca ou Dr. Jegue), pois estava sempre com a cabeça nas nuvens e sem vontade de fazer porra nenhuma. E acordar ainda mais cedo não estava definitivamente nos meus planos. Por isso passei para o turno da noite.
A sala estava dividida ate´mesmo geograficamente entre os malandros saídos do turno da manhã (fundo da sala) e o pessoal que ralava, que trabalhava durante o dia (turma do gargarejo). O contraste e as brincadeiras daí surgidas eram muito, muito sem noção. Na verdade, era bullying o tempo todo em cima dos que trabalhavam. Pois bem, foi aí que o conceito de não reprovar ninguém se manifestou.
O professor de química avisou que ninguém precisaria se preocupar com nota, só não queria zona na sala. E realmente dava aula. No final do ano, deu uma prova e disse para a putada escrever alguma coisa, qualquer coisa. Eu não fazia a menor ideia dos assuntos que geraram as questões da prova. Assim, comecei a fazer contas.aleatoriamente e entreguei a prova, “corrigida” ali na hora. O professor (que tinha cara de cachaceiro) juntou a papelada toda sem nem tomar conhecimento do que cada aluno escreveu e foi distribuindo notas de acordo com o diário de classe, uma situação meio “bíblica”, onde cada um recebia a nota necessária para passar (os mais caxias recebiam alguns pontos a mais).
Mas craque mesmo foi o professor de física. Não sei se por perceber a “motivação” dos alunos ou por sua índole mesmo, avisou que quem daria aula seriam os alunos, todos os alunos. Cada aluno escolhia um tema, estudava, preparava a aula e apresentava para aquela gangue que estava pouco se lixando para o que estava sendo “ensinado”. Na aula seguinte outro aluno se apresentava, e assim, sucessivamente, todos os alunos foram cumprindo a obrigação de dar aula no lugar do professor coça-saco. Quer dizer, quase todos, pois o ano letivo estava próximo e eu nunca tinha dado nenhuma aula de nada.
A solução foi encarar a Lei de Hooke. As perguntas feitas por uns dois ou três alunos foram respondidas com um sincero “não sei”. Dias depois aconteceu a prova final. Eu precisava da quase totalidade dos pontos para não ser reprovado. E a escola plural me ajudou. O professor foi chamando um a um, informando quantos pontos precisava para ser aprovado e (o golpe de mestre!) quantos ele achava que merecia pelas aulas dadas. Os mais tímidos diziam merecer uma nota ligeiramente superior à necessária. E o professor cinicamente perguntava ao resto da classe: “Vocês acham que ele merece?” Os vagabundos vindos da manhã aprovavam o pleito de seus “comparsas” e os que sempre estudaram à noite aprovavam os pedidos de seus semelhantes. O que mais me surpreendeu foi a reação da sala quando chegou a minha vez.
Por ter sido um dos últimos a dar “aula” também fui um dos últimos a ser avaliado. Digamos que eu precisasse de 38 pontos em 40 para passar.E foi exatamente a nota que disse merecer. Lembro-me de que o professor me olhou com cara de quem tinha encontrado um cínico filho da puta à sua altura. Ao perguntar à classe se eu merecia aquela nota, para minha surpresa (e dele também), colegas dos dois grupos disseram que sim. Um deles chegou ao ponto de dizer que eu era muito estudioso e que minha aula tinha sido muito boa!
Hoje eu rio um riso de hiena quando me lembro dessas baixarias. Mas de uma coisa tenho certeza: se eu tivesse escolhido o magistério como profissão talvez nunca fosse paraninfo de nenhuma turma. O que não me impediria de ser ovacionado pelos meus alunos. Mas com ovos de granja (ou “ovos de grunge”) e ainda correndo o risco de ser chamado depois disso de “Omeletão”.
SEU RACISTA!
ResponderExcluirAss. João medeiros pontes
Presidente da Associação nacional dos empacotadores de supermercado
Ahahah!!!! Pô, João, assim você me sacaneia! Eu, racista? Nunca! Além do mais, eu deixei claro que jamais mereceria fazer parte dessa nobre associação. E a deficiência é minha, pois demoro tanto tempo tentando abrir um saco plástico que acabei optando por colocar as compras em caixas de papelão descartadas (a Natureza agradece).
ResponderExcluir"sacolas plásticas impossíveis de ser abertas por gente normal"
Excluirsomos gente normal sim
seu fascista!
tenho um parente que é vereador e vamos fechar seu blog por disseminar fake news!
Ass. João medeiros ponte viagra
Presidente da Associação nacional dos empacotadores de supermercado
Eu mereço! Primeiro me chama de "racista", depois de "fascista" sem que eu seja nada disso. De quantos outros "ista" você me chamará? Além do mais, tenho os empacotadores em alta conta, pois eles têm a manha para abrir rapidamente as sacolas, coisa que gente como eu não consegue. Então, isso foi um elogio, nunca uma crítica. Mas tá de boa. Você é um grande gozador, pois nem você como presidente nem a associação que preside existem no mundo real. Como disse, tá de boa. E se quiser fechar o blog eu até posso ajudar, pois já acabei com ele umas três ou quatro vezes. Por isso, "João", fique à vontade. Mas não espere outra resposta, pois essa brincadeira já cansou.
ExcluirPããããta que o pariu!!!! Arrumou o seu primeiro hater!!! Eu tive vários. Inclusive um que, em 2014, disse que havia me denunciado por racismo à Polícia Federal. Desde então, eu tenho esperado o japonês da Federal bater à minha porta, mas até agora nada.
ResponderExcluirE só botando mais lenha na fogueira, eu sou muito mais ágil que todos os empacotadores (ou empacatadores) de mercado. Enquanto eles abrem uma ou duas sacolinhas, eu já coloco todas as minhas comprar em um sacolão reutilizável.
na verdade, nunca acreditei que fosse um comentário sério. Até imaginei ser uma brincadeira de algum conhecido (do mundo real ou virtual). Mas não curto esse tipo de humor.
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