sábado, 2 de julho de 2022

RODA NEURAL

 
Acho que perdi a capacidade de sonhar acordado, pois não tenho mais nenhum sonho que realmente queira realizar. Em compensação, as noites e madrugadas têm sido pródigas em pesadelos. O mais recente deles nem sei se posso classificar como sonho, delírio ou pesadelo, pois aconteceu no final da madrugada, quando já estava no limite entre o sono e a vigília.
 
Sonhei (ou pensei) que estava levando um “lero fiado” com meus neurônios remanescentes, contando para eles sobre as agruras da velhice, sobre a vida, sobre a vontade de mijar às quatro da matina, tal como tal como se estivesse numa roda de amigos em um botequim ou como se fosse um índio velho de filme americano ensinando aos meninos da tribo sentados à sua volta os segredos e mistérios da existência.
 
Os neurônios ouviam em silêncio as lamúrias e os esporros tardiamente dados a desafetos antigos. Foi quando eu falei do desejo de ser lido, ouvido, aplaudido (ou vaiado), de ser lembrado.
 
Eles já sabiam de tudo isso, não pelo fato de serem os responsáveis por processar toda essa goma, mas por já ter ouvido a mesma lenga-lenga uma centena de vezes (velho é muito repetitivo!).
 
Um deles, metido a engraçadinho, perguntou por que eu não criava um blog. Os demais (não muitos, para dizer a verdade) riram ou protestaram, dizendo que eu já tinha um.
 
A partir desse ponto fui praticamente ignorado e posto de lado na roda, pois esse neurônio ainda em boas condições físicas e mentais monopolizou a conversa e argumentou:
 
- Ninguém escreve, pinta ou compõe nada apenas para si próprio. O que todos querem é ser lidos, ouvidos ou vistos. Essa é uma característica de ser o mano.
 
Outro neurônio, metido a entender de gramática e outras coisas relacionadas ao bom uso da língua, reclamou:
 
- Não é “ser o mano”, idiota, é “Ser Humano”!
 
O neurônio espertinho esperou baixar um pouco o nível de adrenalina e corrigiu:
 
- O que eu quis dizer é que todo mundo quer ser visto como “o cara”, todo mundo quer “ser o mano”, sacou?
 
Aquele trocadilho idiota provocou um breve e constrangedor silêncio (a maioria já estava mesmo cochilando), quando alguém perguntou como fazer isso, como atingir essa visibilidade sem sair dando lupas para qualquer incauto que se aproximasse. O neurônio esperto (smart) respondeu com argumentos que fizeram cair o queixo, ou melhor, as sinapses de todos:
 
- Sisters and brothers (ele era um pouco pedante), a grande ideia para aumentar a nossa visibilidade é a segmentação de mercado. 
- Como assim? – disseram em uníssono os neurônios ainda não adormecidos.
- O macete é criar blogs especializados, tantos quantos nosso boss desejar.
- E o que aconteceria com o blog original?
- Ora, ele continuará a ser alimentado com material inédito no blog e funcionará como a casa paterna onde filhos entram e pegam emprestado ou tomam posse de alguma coisa que seja de seu interesse, mesmo que não morem mais ali. Por isso, proponho a criação de blogs filhotes, cada um dedicado a um estilo ou assunto já existente no blog original.
- Isso é pura besteira!
- Besteira nada! Andei pesquisando e descobri que alguns amigos virtuais do Blogson possuem mais de um blog ou utilizam várias plataformas diferentes para um mesmo blog. Obviamente, a principal motivação deve ser atingir todo tipo de público, tornar-se mais visíveis, mais lidos, menos censurados, etc. E eles estão certíssimos!
 
A conversa estava nesse pé quando um neurônio com apenas duas sinapses resolveu ser espirituoso:
 
-Mas o boss tá sem ideia, não tem mais inspiração, está quase expirando!
 
Isso causou algum reboliço e uma resposta irada do “smart”:
 
- Pra começo de conversa, jogos de palavras vulgares nunca foram bem aceitos neste ambiente. E, pelo jeito, você não captou a estratégia proposta. Sabemos das limitações cada vez maiores do boss e não esperamos novas ideias que tenham um mínimo de criatividade. A jogada é fazer antologias do que já foi publicado.
- Dê exemplos.
- Seria criado um blog exclusivamente para os "dezénhos" já produzidos, outro dedicado às literatices do boss, englobando seus poemas, contos e crônicas; um blog com uma pegada de humor, reunindo os "diálogos de spamtar" e textos "sem noção". E mais um para as viagens mentais do boss, englobando os textos "papo cabeça" e "falando sério". Fazer isso é trabalho para uns dois anos pelo menos. E dará uma trabalheira tão infernal para o boss que quem acabará sendo beneficiado seremos nós.

Os neurônios aplaudiram a ideia e um mais puxa-saco completou:

- Cada blog atendendo a um público específico e tudo a custo zero, gastando apenas uma revisão ou descarte do que for abaixo da critica (da nossa própria crítica, claro)
 
Nesse ponto resolvi encerrar a reunião. Tomei novamente a palavra, prometendo pensar seriamente nessas propostas. E acordei, pois a bexiga reclamava atenção e alívio urgente. Mas fiquei com aquelas ideias na cabeça.

2 comentários:

MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4