sexta-feira, 22 de julho de 2022

O PRIMATA ESCORPIÃO

 
Alguém já me disse que “a porção melhor que trago em mim agora” é a de contador de “causos”, de histórias. Se é verdade eu não sei. Como diriam os italianos, se non è vero, è ben trovato”. Com esse empurrão inicial (quem está empurrando sou eu, OK?), resolvi contar algumas estorinhas (ou historinhas).
 
A primeira delas é fruto de meu conhecimento enciclopédico de porra nenhuma e fala da Terra, “a nave nossa irmã”. As grandes mudanças geológicas e climáticas já sofridas pela Terra não são coisa para amador. Florestas viraram desertos, desertos transformaram-se em pastagens verdejantes, a temperatura global subiu, desceu, gigantescos terremotos e tsunamis aconteceram, placas tectônicas se chocaram, continentes se separaram, cataclismos cósmicos arregaçaram o planeta, a maior zona.
 
E quem mais sofreu com essas mudanças radicais foram os animais e plantas que existiam na época desses acontecimentos. Sabe Deus quantas espécies já foram extintas! Só nos últimos 400 mil anos aconteceram quatro ciclos glaciais e interglaciais alternadamente. Mas (até onde eu sei – e eu não sei nada de nada!) essas mudanças nunca foram provocadas pelos manos, pelos sapiens. Pelo menos até agora, pois a atividade industrial dos dois últimos séculos está mostrando que os manos conseguem foder com o clima do planeta de uma forma antes inimaginável.
 
A segunda historinha é uma fábula cuja autoria é atribuída por alguns a Esopo. Tentei confirmar, mas sabe como é a internet... E é a conhecida história da rã e do escorpião, devidamente reproduzida entre aspas:
 
“Um escorpião pediu para uma rã ajudá-lo a atravessar o rio, pois não sabia nadar. A rã disse que nem pensar, pois ele iria picá-la e ela morreria. O escorpião, aparentando estar muito ofendido, retrucou:
- ‘Caraca, moleque’, se eu te picar nós dois morreremos – você envenenada e eu afogado. E eu não quero morrer!
A rã ficou meio cabreira, mas acabou concordando. O escorpião subiu em suas costas e a dupla partiu. Mais ou menos na metade da travessia o escorpião feriu-a com seu ferrão. Já sentindo os efeitos do veneno, a rã exclamou desesperada:
 - Por que você fez isso, seu corno? Agora nós dois vamos morrer!
Já afundando, o escorpião respondeu cantando:
- Ferroar é minha sina, eu gosto mesmo é de ocê”. E a fábula termina num gloob gloob geral (sinceramente, esta versão ficou muito ridícula e patética!).
 
A terceira historinha fala de clima, de efeito estufa e, mais particularmente da China, o país que é o maior emissor de gases provocadores do efeito estufa do mundo. E tudo isso causado por sua “matriz energética”. Graças à abundância do material no país, a China gera cerca de 60% de sua energia com a queima de carvão fóssil. A consequência imediata é uma poluição atmosférica absurda, como aconteceu em 2021 na cidade de Pequim, quando a visibilidade chegou a menos de 200 metros, provocando a paralisação de várias atividades ao “ar” livre, fechamento de estradas, etc.
 
Quarta historinha: outro dia vi uma reportagem sobre uma espécie de formiga conhecida como “formiga legionária” (Eciton burchellii) que é o bicho, ou melhor, o inseto. O termo em inglês é ainda mais explícito - “army ant”. É nômade, seu ninho é formado por milhares de formigas que se agrupam em torno da rainha (devem ser muito educadas, pois imagine o trabalho para alimentar a rainha – “Dá licença? Preciso levar o rango para nossa mãe e suas pernas e antenas estão atrapalhando”). Essas formigas são do tipo “passa a régua”, pois vão comendo tudo o que encontram pela frente, inclusive pássaros e roedores que não conseguem fugir de seu caminho a tempo.
 
A última historinha, mais recente, é uma notícia quentíssima que saiu na mídia internacional (e põe quentíssima nisso!). A notícia de que foi estabelecido um novo recorde de temperatura no Reino Unido me deixou de queixinho caído (pois é, mesmo que eu não seja um Noel Rosa, não tenho propriamente um queixo para se esborrachar no chão).
 
Voltando à Inglaterra, novos recordes sempre são motivos de celebração e alegria, concordam? Só que não, pelo menos, não nesse caso. Como foi noticiado pela mídia, a temperatura no Reino Unido atingiu seu nível mais alto em toda a história, com os termômetros marcando 40,3 graus Celsius em Coningsby (Lincolnshire, Inglaterra).
 
40,3 graus Celsius! Alguém chamou a isso de “Apocalipse de calor”. Se alguém apresentar uma temperatura corporal desse nível, elefantes cor de rosa dançarão à sua frente, pois um estado febril assim pode provocar delírios e alucinações. Quando criança, peguei a chamada Gripe Asiática e a temperatura bateu nos 40 graus ou mais. Não me lembro de nada, mas minha mãe disse que eu tive delírios com a febre nesse nível.
 
 
Talvez as leitoras e leitores desta bagaça estivessem esperando uma reflexão extraída de tudo o que foi dito até agora, mas como minha mente está muito embaçada, não consigo refletir nada (piada velha!). O escritor Yuval Harari destaca em seu livro Sapiens uma curiosa coincidência: em quase todos os lugares aonde chegaram os homens a mega fauna foi extinta.
 
Por isso, vou concluir este post com uma conclusão (hoje a ironia, geralmente de má qualidade, está uma lástima, mas o humor, esse continua de quinta série): eu me entristeço em pensar no mundo em que minhas netinhas, os filhos e filhas dos Ricardos e das Majus e tantas outras crianças viverão sua fase adulta, um mundo onde os sapiens - verdadeiras formigas legionárias gigantes - não conseguem se descolar do presente e pensar no futuro, um mundo onde alguns acham normal cortar dezoito árvores por segundo na floresta amazônica e talvez nem acreditem no asfixiante aquecimento global.
 
“Um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito. Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”. Quem disse isso é Serge Latouche, sociólogo, antropólogo e... economista.
 
Talvez seja essa a nossa sina, pois na prática, agimos como se fossemos uma nova espécie de primata, um primata escorpião que ferroa e ferra sem dó o planeta e apressa a extinção de seus descendentes. Entendeu ou quer que desenhe?

4 comentários:

  1. A adaptação da fábula para a atual linguagem coloquial ficou bem legal.
    "Coincidência", a megafauna do local ser extinta com a chegado do chamado Sapiens? Essa foi uma das partes do livro que eu mais gostei, aliás.
    E esses ingleses são uns frouxos. Aqui em Ribeirão, no verãozão brabo, dezembro, janeiro, a temperatura bate fácil nos 40º oficiais, medidos na estação experimental, que fica fora da cidade, numa área arborizada etc. No asfalto, chega a 45 sem muita novidade.
    Eu entendi, mas se você quiser desenhar também será legal. De alguma forma, seu traço é adequado às suas ideias.

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    1. Rapaz, mas no país do fog londrino, do hemisfério norte, um recorde histórico de temperatura elevada é algo com que se preocupar, e muito! Essa parte do Sapiens é muito boa mesmo. Aliás, o livro todo é matador (principalmente de crenças). Quanto ao desenho, era uma pergunta apenas retórica.

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    2. Tenha cuidado com o que pergunta retoricamente, ele pode se realizar. Mas ficaria legal um desenho seu de uma espécie de híbrido de um macaco com uma cauda venenosa ferrando com o planeta.

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