domingo, 30 de janeiro de 2022

RADICALISMO E GENIALIDADE

O dono de uma das mentes mais brilhantes que já existiram foi Sir Isaac Newton. Era um ídolo para Einstein. Mas se era um gênio indiscutível, era também “uma pessoa detestável, um homem amargo, estranho, recluso”. Tão execrável que depois de assumir o cargo de presidente da Royal Society após a morte de Robert Hooke (a quem detestava profundamente), mandou queimar o único retrato que existia dele. Quando fez 19 anos, Newton escreveu uma lista dos pecados que cometera. Um deles foi o desejo de queimar a casa onde sua mãe e seu padrasto moravam. Com eles dentro, claro. Gente fina!
 
Outro gênio de comportamento irrepreensível foi Albert Einstein. Em 1986 encontraram guardados no cofre de um banco em Berkeley vários documentos seus. Dentre eles, uma lista de exigências que Einstein escreveu em 1914 para “salvar” o seu casamento com Mileva Maric. “Coincidência”: o casal se separou em 1914. Olha a suavidade e carinho contidos nessa lista endereçada à esposa:
A. Cabe a você fazer com que minha roupa esteja sempre limpa e em ordem; eu receba minhas três refeições normalmente em meus aposentos; meu quarto e meu escritório estejam sempre bem-arrumados e, principalmente, que minha escrivaninha seja usada apenas por mim.
B. Você se absterá de quaisquer relações pessoais comigo, a menos que sejam absolutamente necessárias por motivos sociais. Sobretudo, você abrirá mão de minha companhia em casa; sair ou viajar comigo.
C. Você observará os seguintes pontos em suas relações comigo: não esperará nenhuma intimidade de minha parte, nem me repreenderá de forma alguma; parará de falar comigo quando eu lhe pedir; sairá de meu quarto ou de meu escritório imediatamente e sem objeções, quando eu lhe pedir.
D. Você se comprometerá a não me depreciar, com palavras ou atos, diante de nossos filhos.”
 
Impossível não ficar chocado com essas grosserias, para dizer o mínimo. Na minha opinião prova suficiente de que ninguém é genial em tudo o que faz, pensa ou defende.
 
Mas a lista não para por aqui, pois grandes talentos da música e das artes em geral tiveram comportamentos totalmente condenáveis ou, no mínimo equivocados, comprovando que não existe passe livre para cometer burradas, crimes ou atitudes deploráveis só porque se é gênio em alguma atividade ou profissão. Sem detalhar muito, esse é o caso do deus da guitarra Eric Clapton com seu incompreensível e inaceitável comportamento antivacina ou do fabuloso pintor Caravaggio, que não pode ser dissociado dos crimes que cometeu (assassinato, inclusive).
 
Bom, se nem os gênios são geniais ou louváveis o tempo todo, o que se dirá das pessoas comuns, aquelas que hoje alimentam e se alimentam do lixo despejado nas redes “sociais”? Pois é, é aí que eu queria chegar.
 
Eu nunca tenha pensado nisso, jamais imaginaria essa possibilidade, mas ela é plausível e talvez seja mesmo real (esta frase meio enigmática é só para tentar seduzir o provável leitor desta bagaça a não abandonar a leitura deste post).
 
Estou falando de radicalismo, ou melhor, da minha crença de que uma pessoa com pensamento radical sobre ideologia acaba irradiando esse radicalismo para outras manifestações de sua personalidade.
 
Graças à experiência muitas vezes assustadora de ler ou tomar conhecimento das sandices e delírios que algumas pessoas publicam nas redes sociais, desconfio poder afirmar que o radicalismo de alguém é como uma planta que se alastra sem controle por todos os lugares, sem controle. Ao contrário da genialidade, que se apresenta de forma localizada, o radicalismo ultra exacerbado se espraia por todos os lugares, em todas as falas, em todos os comportamentos, em todas as crenças e, por que não? em todas as formas de delírios ou má fé.
 
Cheguei a essa conclusão depois de ler dois “prints de tela" que meus filhos me enviaram via whatsapp. Não sei de quem receberam, mas como são (graças a Deus!) totalmente moderados, equilibrados e gozadores, não tenho dúvida de que receberam esses prints já como piadas prontas, tal o delírio que expressam. Para que ninguém duvide das minhas desconfianças olhai os prints mencionados (mas o assunto não termina aqui):




 




sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

UM SEDUTOR MASCARADO

 
Meu amigo virtual Marreta publicou em seu excelente blog um ótimo artigo onde nos conta de uma pesquisa sobre o efeito embelezador do rosto masculino com o uso das máscaras contra covid. Pensei até em comentar no próprio blog, mas Jotabê, esta múmia que vos fala, foi citado em algum momento, fato que sempre aciona o comando automático de transformar resposta longa em novo post (mas do Blogson, que eu não sou bobo de perder essa chance).
 
O problema é que a máscara deixa invisíveis meus atributos mais atraentes: meu nariz sessualmente aquilino (embora meu nome nem seja Aquiles) e uma vistosa barba branca a emoldurar e demarcar meu inexistente queixo. Minha mulher até sugeriu que eu me vestisse de Papai Noel no Natal passado. Ainda que o comentário, na verdade, tenha sido motivado não pela barba, mas pela barriga que se derrama sobre o cinto da calça, lembrando a água que ultrapassa a borda de uma barragem de rejeitos. (Acho quer fugi um pouco do assunto).
 
Mas o uso de máscara é bom, mesmo que incomode um pouco mantê-la sempre abaixo do nariz, protegendo o queixo. Eu nunca tive esse tipo de problema, graças a duas características pessoais: sempre fui muito mascarado e, como disse antes, nunca tive queixo.
 
Pensando bem, o resultado dessa pesquisa é um poderoso incentivo ao uso de máscara. Para mim, o maior problema seria a aferição do efeito sedutor do seu uso, até por ficar trancado dentro de casa a maior parte do tempo. Além disso, caso insistisse em fazer uma pesquisa de campo correria o risco de acabar dependurado pelo saco em algum prego mais resistente.
 
Mesmo assim, mesmo não tendo como comprovar o fenômeno, acredito piamente nas conclusões da pesquisa. Aliás, se eu duvidasse dos efeitos positivos do uso de máscaras eu teria emprego garantido no Ministério da Saúde.
 
E digo mais; apesar de não entender o comentário sobre minha desconhecida aparência física, concordo com o raciocínio brilhante do Marreta, quando teoriza que a parte coberta deixa margens e dá asas à imaginação. Uma mulher pode olhar para mim e imaginar que há um belo nariz, um másculo queixo, uns carnudos lábios e um sorriso sedutor por debaixo da máscara”. Pois é, sonhar não custa nada mesmo...
 
O que me entristece é imaginar que nasci em época errada. Por exemplo, com meus atuais 102 kg (IMC =30, peladão, peladão) eu seria no século XVIII um gordo gostoso; mas vivo no século XXI, tendo de me conformar em ser invisível aos olhos femininos. Meu consolo é saber que pelo menos assim consigo manter distância do prego e preservar a integridade de minhas duas pérolas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

UMA TRAGÉDIA (TRÊS ANOS DEPOIS) - ROBERTO BOCA

 
Tenho um amigo de facebook a quem mal conheço. Não sei, por exemplo, seu nome verdadeiro. Sei também que deve ser bem mais novo que eu, justamente por ser amigo de juventude de meus cunhados, adolescentes ainda quando eu já estava casado. Apesar disso, pela afinidade que sinto por ele, acredito que ele é mais meu amigo que muitos “amigos” reais que conheço.
 
Seu apelido é Boca, Roberto Boca, dono de uma das risadas mais escancaradas e alegres que conheço. Sei que é publicitário, diretor de arte e que desenha absurdamente bem. Às vezes compartilha comigo alguma imagem ou notícia daquelas boas para fazer pensar, para ficar de olho parado, só matutando. Hoje compartilhou uma dessas imagens, tão impactante que não resisti à tentação de enriquecer com ela este blog desclassificado. Olha que maravilha!

Salve, Roberto Boca!



terça-feira, 25 de janeiro de 2022

SOFISMANDO POR AÍ

 


Realidade alternativa, teorias da conspiração, fake news, meias verdades, pós-verdades, edição maliciosa de fotos, adulteração de textos, substituição de autores, tudo isso parece ter uma raiz, uma origem comum - a incapacidade de entender, ver ou aceitar a realidade tal como se nos apresenta. Para mim, os sofismas também fazem parte dessa tchurma. Para melhor explorar essa ideia, criei um sofisma roqueiro/religioso/negacionista, depois de ler esta notícia:
 
“O guitarrista Eric Clapton, 76 anos, divulgou mais uma fake news sobre a vacina. Segundo ele, a pessoa que tomar a vacina contra a covid-19 será ‘vítima de hipnose de formação de massa’.”
 
Que decepção! O cara sempre foi uma fera da guitarra, um verdadeiro “guitar heroe”, tão foda que, em Londres, lá pelos anos 60, um dia pixaram a frase "Clapton is God". Por isso, juntando a duas informações, saiu este sofisma:
 
Clapton is against the vaccine
Clapton is God
So, God is against the vaccine
 
E assim foi criada mais uma fake news. Bom dia.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

LA ESPERA - MANUEL VILAS

 
Para fazer uma brincadeira com a “perda de 4 cm” provocada pelo coronavirus e descrita pelo meu amigo virtual Marreta, pedi ao Google para mostrar sites onde eu pudesse encontrar rimas em espanhol com a palavra “covid”, pois queria fazer um jogo de palavras e o máximo que tinha conseguido imaginar era “con viejo” (com velho).
 
Em vez de rimas, o Google mostrou no site do “El Mundo” o título "Poesía en estado de alarma: 9 poemas inéditos sobre el coronavirus y el confinamiento" (imagino que tenham sido escritos bem no início da pandemia).  Aí, em vez de piadas idiotas resolvi publicar um poema muito bonito escrito por Manuel Vilas. A seguir, o original em espanhol e, na sequência, uma tradução descolada pelo Google Translator. Olhaí.


Ahora ya sabemos que la vida es comer con un amigo en una terraza, ir de librerías, tomar el sol, ver una película en un cine, perderte por una calle desconocida, coger un tren.
 
Por eso, cuando la vida regrese, le pediremos menos cosas.
 
Y me acuerdo ahora de los restaurantes llenos, de las bodas, de las fiestas, de los viajes en autobús, en avión, en el metro.
 
Nostalgia de las rebajas de todas las tiendas y mercadillos de España, mi gran país, mi pobre país torturado y humillado.
 
Cuando esto termine, yo creo que jamás volveremos a dar un beso protocolario. Todos los besos se volverán besos poderosos, fuertes, grandes, sexis y salvajes.
 
Cuando regrese la vida, me verá guapo y elegante, como siempre.
 
Cuando ella vuelva, porque volverá, me encontrará bien dispuesto y a la orden.
 


Agora sabemos que a vida é almoçar com um amigo em um terraço, ir às livrarias, apanhar sol, ver um filme no cinema, perder-se numa rua desconhecida, viajar de trem.
 
Portanto, quando a vida voltar, pediremos menos coisas.
 
E agora me lembro dos restaurantes cheios, dos casamentos, das festas, das viagens de ônibus, de avião, de metrô.
 
Saudade das vendas em todas as lojas e mercados da Espanha, meu grande país, meu pobre país torturado e humilhado.
 
Quando isso acabar, acho que nunca mais teremos um beijo formal. Todos os beijos se tornarão beijos poderosos, fortes, grandes, sensuais e selvagens.
 
Quando a vida voltar, ela me verá bonito e elegante, como sempre.
 
Quando ela voltar, porque ela vai voltar, ela vai me encontrar bem disposto e em ordem.

domingo, 23 de janeiro de 2022

CELEBRANDO AS PALAVRAS

 
Por mais que eu tenha desejado acreditar em outra coisa, sou um sujeito mediano. Ou medíocre, como ironizou meu falecido amigo Pintão. Mediano nos gostos, nas crenças, nos preconceitos, em tudo ou quase tudo igual à maioria alfabetizada deste país. Mas sou egocêntrico e vaidoso. Justamente por isso, pela associação do egocentrismo com a mediocridade, sempre acreditei que ao falar do meu próprio umbigo, dos meus grilos, raivas, medos e temores eu provavelmente estaria falando também dos sentimentos do brasileiro médio.
 
Mas, ao contrário da maioria das pessoas, da maioria silenciosa, daqueles que jamais dão o braço a torcer ou que se recusam a pensar em suas próprias limitações e defeitos (fazendo lembrar a ironia contida no poema de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos - “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho”), eu sempre falei de mim e de meus defeitos, um permanente strip tease moral e comportamental.
 
Agindo assim, eu sempre imaginei, tive a veleidade de achar que isso poderia ser útil a algumas pessoas que acessam ou acessaram o blog, por fornecer pontos de contato com a vida de cada um. Não como professor, mas como simples aluno.
 
E esse foi o motivo de publicar o post “Pode me chamar de Sigmund”, um convite subliminar para que as pessoas escrevam suas histórias, contem suas lembranças, reflitam sobre si mesmas. E os trechos transcritos de uma reportagem sobre esse tema corroboravam essa ideia.
 
Mas nem tudo é perfeito, pois o post mencionado recebeu o comentário mais desconcertante e incisivo que já foi feito aqui no blog: “Falar sobre o papel da escrita, estender-se sobre o porquê escrever, é, indubitavelmente, falta de assunto e de ideias para se escrever. Quem tem o que falar, escreve; que não tem, escreve sobre não ter”.
 
Apesar da aspereza das palavras, acreditem, gostei demais. E por estes motivos: mesmo que não integralmente, concordo com o que foi dito. Além do mais, de acordo com cláusula pétrea do blog, resposta grande vira post (antídoto para a falta de assunto). E para finalizar, curiosa e coincidentemente, hoje, Terceiro Domingo do Tempo Comum, é o “dia dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus”.
 
Os ateus podem desconsiderar a expressão “de Deus”. Mesmo assim, fica a sugestão para que o dia de hoje e todos os demais sejam dedicados à celebração, reflexão e divulgação das palavras. Apenas não devem se prestar à divulgação de fake news ou discursos de ódio. Que sejam palavras tolas, palavras vãs, inúteis, piegas, pueris, pouco importa. Basta que sejam úteis para quem as disse.

sábado, 22 de janeiro de 2022

PODE ME CHAMAR DE SIGMUND


Como já disse outras vezes (sou meio repetitivo), o velho Blogson foi aos poucos se transformando em uma espécie de “blogoterapia”, um lugar de desabafos, onde eu exibi todo tipo de preconceitos, erros e burradas que cometi ao longo da vida. Sinceramente, nunca vi problema em (re)admitir meus erros e culpas, pois só os idiotas não aceitam que erram ou que erraram.
 
E o motivo dessa transformação do blog em instrumento de autoanálise é o fato de ter-me atirado no velho Blogson sem nenhuma rede de proteção, sem filtro quase nenhum. A cada espatifada que eu dava no chão surgiam peças do mosaico que fui montando de mim mesmo. E o que começou como uma brincadeira, um passatempo para um idoso aposentado acabou se transformando em uma terapia gratuita, uma blogoterapia de longa duração que me permitiu ver com bastante nitidez quem eu realmente sou hoje, quem eu fui e o que fiz para chegar até este momento.
 
E por que estou me repetindo? Hoje li uma reportagem (cujo link encontra-se no final deste texto) que fala justamente do papel terapêutico da escrita, de como o “exercício de botar para fora pensamentos e emoções abre a possibilidade de perceber características pessoais e refletir sobre si mesmo”. A seguir, transcrevo alguns trechos que realçam essa ideia.
 
Para Mary Yoko Okamoto, professora de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Assis, no caso de processos mais profundos, escrever não significa que aquela questão vai se resolver, mas é um primeiro passo. "A escrita, sim, pode ajudar. Num primeiro momento, como uma fonte de reflexão para perceber algumas questões. A pessoa geralmente faz uma imersão nela mesma e isso vem à tona. Ela pode escrever e depois, relendo o material, se dar conta de algumas coisas que estão lá no conteúdo. Outra coisa é que tipo de modificação vem a partir daí."
 
A escrita é usada como recurso em terapias, por exemplo, para o tratamento de traumas. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o Projeto Escreva-se é inspirado numa técnica de Yale, universidade americana. São estratégias de intervenção autoguiada, sem mediação, com tarefas de escrita", explica o professor da PUC-RS Angelo Brandelli Costa.
 
Ele ressalta que os participantes precisam seguir o modelo proposto pelo método. "Não é pegar um diário e escrever. Embora não tenha um profissional de saúde acompanhando, é parecido com a psicoterapia", afirma Costa.
 
"Não importa se vai ser uma frase ou cinco páginas. Independentemente do volume de texto, existem evidências de que esse processo melhora a saúde mental, apenas com o fato de a pessoa tentar botar de uma forma organizada a situação traumática, endereçado a alguém ou a si mesma", diz.
 
A escrita tem uma função instrumental em terapias tradicionais, explica Costa. "Na psicanálise, há várias técnicas projetivas. Quando Freud analisa os sonhos, está analisando as narrativas", explica Costa. Um diário também pode servir para a pessoa lembrar do que acontecia com ela no momento em que se sentiu de determinada maneira. "Algumas pessoas conseguem se expressar muito bem com a fala. Outras desenham, outras escrevem."
 
A professora pontua que escrever não é para todo mundo. "Tem gente que tem essa maneira de expressão. Para outras pessoas, pode ser mais acessível a música, a pintura ou a fotografia. São as formas de linguagem de cada um."
 
Tendo criado um blog originalmente destinado a desovar as piadas infames, besteiras e idiotices que mandava para por e-mail para alguns amigos, fico feliz em constatar que – por puro acaso – eu estava correto em utilizá-lo também como “Muro das Lamentações” ou, em outras palavras, um híbrido de terapeuta e terapia, uma “blogoterapia”.
 
Se o blog fosse uma pessoa, talvez pudesse dizer:
- Meu nome é Blogson Crusoe, mas pode me chamar de Sigmund. Freud, naturalmente.
 
https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/na-ponta-do-lapis-como-a-escrita-pode-ajudar-no-autoconhecimento,26c270fe4ef7b237415fcd63c07a384dkw3z1h8t.html
 

 

  

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

MOSAICO TOSCANO

Durante uma entrevista no programa do Jô Soares o apresentador Ratinho contou ter vendido “churrasquinho de gato” no início de sua vida profissional.  Diante da surpresa do Jô, esclareceu que “carne de gato” era só onda. O que ele vendia mesmo era churrasquinho de carne de segunda, amaciada com leite de mamão verde.

Lembrei-me dessa história ao comentar com um jovem que o Tempo é o melhor solvente que existe, pois “dissolve” músculos, tendões, articulações, lembranças, sonhos e esperança. Ele riu e eu disse que ele ainda demoraria a entender o significado real disso.

Como sabem algumas pessoas que acessam este blog, desde a criação do Blogson fui dando spoilers variados sobre velhice e envelhecimento. Spoilers para quem é jovem, bem entendido. E fiz isso porque entendo muito do assunto, aprendido na base da aula prática mesmo, pois sou velho pra caramba.

Já disse uma vez que na velhice tudo que deveria manter-se cai. E tudo o que deveria diminuir, aumenta. E essa transformação é um negócio muito impressionante de se observar. Diria que é quase tão impactante quanto a visão das cataratas do Iguaçu, porque na velhice o iguaçu exibe muitas quedas, se consegue me entender.
 
Creio que todos ou, pelo menos, a maioria dos leitores desta bagaça são mais novos que eu. Para ser sincero, isso não é nada difícil, pois, como disse, sou velho pra caramba, informação diariamente ratificada pelo espelho do banheiro.
 
Pois é, movido pela inconveniência que a velhitude me proporcionou, resolvi dar um spoiler meio desagradável. Talvez não seja um spoiler original, pois nem sei mais quantas lágrimas eu tenho derramado por aqui. Em todo caso, vamos lá.
 
Preciso repetir, alertar a todos os leitores de que a velhice é uma merda. E que, muitas vezes, muitas, muitas vezes recebe a visita indesejada de sua amiga depressão. Este é o spoiler. Depressão e velhice frequentemente andam de braços dados, como se fosse amigas de infância ou coleguinhas de ensino fundamental.
 
Dia desses, por exemplo, bateu uma depressão um pouco mais pesada que o normal. Usando a imagem criada pelo depressivo Winston Churchill, era um black dog muito grande, talvez um fila brasileiro, um mastim italiano, um dog alemão, um rottweiler enfurecido. Exasperado com a minha vida, exclamei mentalmente: - A Vida não tem sentido!
 
Meu desejo momentâneo era repetir em voz alta essa ideia. Para que ninguém pensasse que eu estou enlouquecendo (talvez esteja), digitei no computador essa frase e a repeti dezenas de vezes, tal como no filme “O iluminado”. A diferença é que eu apenas copicolei no Excel, excelente para fazer esse tipo de idiotice.
 
Ao fazer isso, a depressão foi se acalmando, o cachorro foi adormecendo e eu comecei a brincar com a frase, mastigando e remontando mentalmente as palavras, como se fossem cacos de um mosaico quebrado que alguém apressadamente tentasse colar de novo:
 
a vida não tem sentido
não tem sentido a vida
sentido a vida não tem
tem a vida sentido não
não tem, não tem, não
tem não, tem não, tem
não, não, não, não.
 
Aí o saco encheu e fui assistir o programa da Sonia Abrão que estava passando na TV, uma prova de que a Vida realmente não tem mesmo nenhum sentido.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

MENSAGEM DO FILHO DO POETA THIAGO DE MELLO:

 
Este blogueiro que vos fala é um sujeito meio de miolo mole, mas, principalmente, de coração mole, muito mole. Que se emociona com pequenas coisas, pequenos gestos e cujos olhos se enchem de lágrimas quando se vê diante de manifestações intensas de carinho, amor ou dor. E se esses sentimentos vierem embrulhados juntos, não tem como resistir. Recebi de minha mulher o texto abaixo, tão comovente e tão amoroso que não pude deixar de publicá-lo aqui no blog. Olhaí.

 
Passei três semanas no Amazonas, viajando sozinho. Se é que é possível dizer que viajei sozinho, pois sempre estive acompanhado de gente que me quer bem, amigos e familiares que encontrei pelo caminho. Gente que amo e que me constitui. Fui com dois propósitos nessa imersão solitária. O primeiro, visitar meu pai. Estar com ele por alguns momentos, já ciente da situação de saúde e cuidados na qual ele se encontrava. Depois, fui com o objetivo de iniciar uma reforma inadiável em nossa casa à beira do rio, em Freguesia do Andirá, no interior do município de Barreirinha, a quase 350 km de Manaus. Um dia de barco pra chegar até lá. A casa me pede zelo já há um tempo e estou há uns meses organizando uma campanha para arrecadar recursos para as obras. Consegui uma parte do dinheiro através da generosidade e da compreensão de muitos amigos e conhecidos, todos amantes da amizade, da poesia, da Amazônia e da obra literária de meu pai. Todos sonhadores como eu, que sabem, como meu pai, que arte e cultura geram evolução individual e progresso social. Embarquei no final de Dezembro para Manaus, sendo acolhido pela minha família amazonense que tanto quero bem. Fui ao apartamento de meu pai e Pollyanna. Ele já estava praticamente sem se levantar. Fui até o quarto. Quando ouviu minha voz, comentou: "voz bonita a do meu filho". Com a memória dissolvida pelo tempo (do qual não se corre) e pelas neuropatias, perguntou meu nome e se eu tinha filhos. Disse que me chamava Thiago e que tinha duas filhas. Nossas mãos entrelaçadas num carinho suave e ancestral. "Mas então nós temos o mesmo nome", ele notou. Falei que isso tinha sido invenção dele, pôr meu nome Thiago Thiago de Mello. No que ele, após um certo silêncio, falou baixinho: foi pra ficarmos juntos até mesmo no nome. "Cuida bem das suas filhas". (Eu me emocionei muito nessa hora porque queria dizer a ele que se sou um bom pai é porque ele foi o melhor formador e educador que eu pude ter). Seguimos nossa conversa cheia de silêncios e respirações. Quis saber o que eu fazia da vida. "Canções e poemas", não titubeei. Ele fez que sim com a cabeça e repetiu "canções e poemas, isso". Perguntei se eu estava indo no caminho certo. "Certíssimo", ele me disse com a voz grave de trovão adormecido. Comentei que estava indo para Barreirinha cuidar da nossa casa, pedi a sua benção ("Deus lhe abençoe", me beijando a mão) e segui o meu caminho rumo ao rio Andirá, dos Saterês-maués. Fiquei semanas num país submerso, me nutrindo do passado, de banho de cheiro, tucumãs, ovas de curimatã, sombra de castanheira, amizades verdadeiras e caldeiradas de tucunaré e tambaqui. As obras começaram. Retiramos as vigas podres. Os esteios corroídos substituímos por madeira nova. Passamos óleo queimado para afugentar o cupim de terra traiçoeiro. Compramos tinta, cimento, ferro. Vieram os trabalhadores. As telhas chegaram de Parintins, presente de Antonio Beti, cuja doação jamais esquecerei. Recebi tanto em minha jornada pelas águas. Fiz um trabalho firme, aguentando o rojão sob chuva e sol quente. Barreirinha, onde meu umbigo está enterrado, me acolheu como sempre. Vi a felicidade nos olhos de gente simples, hospitaleira, contadora de histórias. É com meus irmãos e irmãs ribeirinhos que meu espírito se molda e evolui. Na verdade estava, sem saber, me preparando para um adeus após uma longa despedida. Fortaleci minha alma estando naquele lugar, berço meu, que aprendi a amar com meu pai e minha mãe desde que pra lá fui levado aos 6 meses de idade. Voltei pra Manaus e fui ao apartamento ver meu pai. Ele não me respondeu, já completamente dentro do seu próprio mundo, distante daqui. Pedi um violão e, então, comecei a tocar. As lágrimas caíram, eu sentado e ele deitado na cama. Tirei do baú as canções que sempre cantávamos juntos: "Azulão", "Por que tu te escondes", "Linda vida", "Pai velho", "Quem me levará sou eu", "Faz escuro, mas eu canto". Fiquei ali cantando por mais de trinta minutos, a primeira vez em nossas vidas que ele não cantou junto comigo. Foi um concerto de despedida. A nossa despedida tinha que ser com música e poesia, universo no qual sempre nos encontrávamos. Saí dali e fui comer um pacu assado de brasa em sua homenagem. Botei bastante pimenta murupi e tomei um suco de taperebá pra aliviar o peito. No dia seguinte, logo cedo pela manhã, papai atravessou o rio da vida. Morreu dormindo, bravo merecedor. Parece que estava só me esperando para seguir à Casa do Infinito. Sincronicidade astral, projeto dos deuses, dádiva da natureza. Ele foi em paz. Estamos de luto, mas em breve cantaremos com alegria, como ele sempre nos ensinou.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

QUEM SAI AOS SEUS...

 
Alguém disse uma vez que “quem sai aos seus não degenera”. Imagino que tenha algum fundo de verdade nessa frase, pois foi o que pensei quando recebi um trocadilho horroroso de um de meus filhos sobre o tenista Novak Djokovic.
 
Mas não contente em ter imaginado o trocadilho, ainda comentou que seria uma espécie de karma do tenista, que já traz no nome uma dica sobre seu comportamento negacionista - “No vak” (deve ser o equivalente sérvio de “No vax”). Com tanta piada ruim em um mesmo comentário, não resisti a publicar o trocadilho genialmente horroroso no Facebook. Olha como ficou:



sábado, 15 de janeiro de 2022

AS ENSINANÇAS DA DÚVIDA - THIAGO DE MELLO

Nunca me arrependi por não ter estudado Letras. Me arrependi de não ter estudado Psicologia ou Economia em lugar de Engenharia. Na verdade, arrependo-me de não ter estudado, pois fui um aluno medalha de ouro em irresponsabilidade. A melhor e mais sincera definição que já fiz de mim mesmo é esta: Sinto-me como se fosse o resultado de um projeto ambicioso que não deu certo, seja por defeito de concepção, seja por erro de dimensionamento, talvez pela má qualidade dos materiais empregados ou por falhas no processo produtivo ou, até mesmo, por vícios de utilização.
 
Mesmo sabendo que agora é tarde para me deleitar com o choro derramado (ou seria chorar pelo leite derramado?) uma coisa eu sempre soube: jamais estudaria Letras. Por isso, tudo o que eu sei ou não sei sobre literatura eu aprendi “tocando de ouvido”, jamais lendo a “partitura”. E crítica literária é bem isso, você precisa saber ler partitura, conhecer a teoria para dar sua opinião..
 
Esta introdução tosca é só para falar de Thiago de Mello, poeta amazonense cuja obra só conheci agora, depois de sua morte. Os literatos, os intelectuais (se lerem este blog) poderiam colocar as mãos no rosto para exibir seu espanto e horror diante de minha ignorância, reproduzindo assim o quadro “O grito”, do pintor Edvard Munch. O que posso dizer é que literatura sempre foi prazer para mim, nunca objeto de estudo.
 
Já tinha ouvido falar de Thiago de Mello, mas nunca tive paciência ou interesse em ler seus poemas longos e engajados, pois embora goste muito de poesia, seu efeito em mim tem de ser como um soco na cara, alguma coisa que me pega de surpresa, me derruba, me fascina, me encanta e me faz reproduzir mentalmente a frase da música do Milton&Tunai: “como não fui eu que fiz?” (agora o leitor está entendendo o motivo de eu dizer que nunca pensei em estudar Letras; era uma defesa prévia, quase como em uma partida de xadrez).
 
Um poema mais longo ou que aborde questões sociais nunca será para mim um soco na cara. Mas o cara era muito bom. Em algum momento disse uma frase que aparentemente reproduz os sentimentos de todos os que se arriscam a rabiscar alguns versos: "Escrevo sobre o que me comove, o que instiga minha sensibilidade ou minha inteligência. O que me alegra ou me dói."
 
E como homenagem tardia a esse poeta, escolhi para reproduzir aqui no velho Blogson o poema “As ensinanças da dúvida”. Salve, Thiago de Mello!
 
 
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
 
Agora (o tempo é que fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
 
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

AGORA QUE JÁ SEI

 
Agora que já sei o significado de tabuísmo, sinto-me à vontade para explorar um pouco mais esse assunto, mesmo que eu não seja tabuísta ou, melhor, talvez no máximo um “tabuísta” moderado e contido (devo ter criado um neologismo), criado em casa de vó e impedido na infância de usar palavras chulas em família.
 
Mas o assunto é bom para reflexões e para fazer algumas listas, certo, Scant? Por exemplo, que tal fazer uma lista de tabuísmos “honorários”? Acreditando que isso funcione, resolvi fazer uma listinha parcial de tabuísmos “hors concours” que me deixam de cabelo em pé, só de pensar neles (uma lista completa daria um livro!). Vamos lá.
 
Boçalidade presidencial
Bolsonarismo
Cloroquina
Comunismo
Crendices variadas
Desprezo pela Ciência
Extrema direita
Extrema esquerda
Fake news
Fascismo
Fundamentalismo religioso
Ivermectina
Lulismo
Mensalão
Movimento anti-vacina
Petismo
Petrolão
PT
Rachadinha.
Terra plana
(Et ad infinitum)
 
Não sei se poderia chamar de "tabuístas", "tabuados" ou "tabuizados" as pessoas que eu considero causa ou consequência dos tabuísmos citados. Em todo caso, vamos dar nomes aos boys do Brasil (em alguns casos o correto mesmo é dizer “bois”):
 
Bolsominions
Bolsonaro
Carluxo
Edir mais cedo
Famiglia Bozo
Gleisi
Lula
Mário, é fria!
Olavo horóscopo
Osmar enterra
Petistas acampados
Petralhas
Ricardo passa boi, passa boiada
RR
Silas mala
Véio da Havan
Waldemiro
Weintraub
(Et ad infinitum)
 
O assunto não se encerra aqui, pois o que mais tem por aí é tabuísmo e tabuístas disfarçados, na moita, prontos para assustar e entristecer quem deles se aproximar. E os leitores desta bagaça podem usar a opção “Postar um comentário” para apresentar suas próprias listas.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

VOCÊ SABE O QUE É TABUÍSMO?

Vou repetir a pergunta do título: você sabe o que é tabuísmo? Eu não sabia e nem nunca tinha ouvido falar nisso (analfabetismo funcional é dose!) até ler um artigo recebido por whatsapp. Entrei na internet para saber mais um pouco e encontrei isto: (Blogson também é cultura!):

Tabuísmo:
Palavra, locução ou acepção tabus, consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas demais na maioria dos contextos (São os chamados palavrões e afins, e referem-se geralmente ao metabolismo (cagar, mijar, merda), aos órgãos e funções sexuais (caralho, pica, boceta 'vulva', colhão, cona, foder, crica, pachoucho etc.), incluem ainda disfemismos pesados como puta, veado, cabrão, expressões tabuizadas (puta que pariu) etc.

Pois é, graças às últimas movimentações (intestinais) do presidente, o assunto do momento tem sido uma coisa meio... meio escatológica (o que não deixa de ser uma merda!). Por isso, graças à piadinha dos crevettes (sou chique!) que postei também no blog, recebi um texto muito legal cujo autor é Sérgio Rodrigues, publicado na Folha em 05/01/2022. Apesar do título nada atraente do artigo, vamos ver se com ele consigo encerrar esse assunto meio intoxicante, pois é como ensinam os italianos: mangiare molti gamberetti fa male (sou chique!). Olhaí.

Quando o cardápio inclui fezes
Há 50 anos, o médico mineiro Pedro Nava estreou tardiamente - logo ia completar 70 - como memorialista, lançando o primeiro livro de uma série que se tornaria um ponto alto do gênero no país: "Baú de ossos" (Companhia das Letras).
Mais do que pela data redonda, a obra-prima de Nava me vem à lembrança por incluir um escatológico caso de família que, datado do Segundo Reinado, joga luzes sobre o mar de merda - "merda viva", diria o memorialista - em que Bolsonaro mergulhou o Brasil.
A história tem como protagonista uma megera da família paterna do autor, uma dona Irifila, casada com o comendador Iriclérico Narbal Pamplona. Sim, a graça quase inverossímil do caso começa pelos nomes.
O casal oferecia um contraste marcante. Enquanto Iriclérico era amigo de comes e bebes, jogos de salão e boa conversa, Irifila era o cão. "Era contra os namoros, contra o riso, contra as festas, contra as cantigas, contra as danças, contra o álcool, contra o fumo, contra o jogo", conta Nava.
Um dia, Irifila se encheu das rodinhas de carteado, guloseimas, charutos e prosa que Iriclérico tinha o hábito de promover em casa uma vez por semana. Advertiu o marido de que não queria mais saber daquilo, mas o comendador, com patriarcal distração, não lhe deu ouvidos. E chegou a hora da vingança.
Iriclérico recebia naquele dia ninguém menos que o visconde de Ouro Preto. O mais ilustre e poderoso de seus amigos era também padrinho de um de seus filhos. Irifila caprichou no serviço.
Após se esmerar na enumeração das gostosuras que a dona da casa mandou servir em bandejas de prata recém-polidas, Nava passa então ao prato principal:
"E no meio da maior bandeja, a mais alta compoteira com o doce do dia - aparecendo todo escuro e lustroso, através das facetas do cristal grosso, de um pardo saboroso como o da banana mole, da pasta de caju, do colchão de passas com ameixas-pretas, do cascão de goiaba com rapadura."
Iriclérico estava numa felicidade contagiante. Aí vem o golpe de mestre de Nava, quer dizer, de Irifila. "O comendador resplandecente destampou a compoteira: estava cheia, até as bordas, de merda viva! Nunca ninguém, jamais, ousara coisa igual."
Tomado de um choro convulsivo, "tremendo da cabeça aos pés, lívido da dor esquisita que lhe atravessava o peito, o estômago, e banhado dum suor de agonia", Iriclérico nunca se recuperou da cacetada. Até morrer, em 1896, não recebeu mais ninguém em casa. A vitória de Irifila foi completa.
O poder sinistro da armadilha que a megera montara para o marido tem raízes fundas, imemoriais - as mesmas que tornam tabuísmos, ou seja, palavrões, uma série de termos banais com os quais nos referimos a funções fisiológicas igualmente banais. Mas não em público!
Não era para aquela montanha de cagalhões estar ali, na mesa do comendador, numa elegante vasilha de cristal. Ao ser destampada com despreocupação, a piscina de barro instaurava violentamente uma dimensão de loucura, de pesadelo. Era evidente que alguém capaz de conceber tal coisa não recuaria diante de nada - nem do mais hediondo dos crimes.
E o Brasil dos últimos três anos com isso? "Dia sim, dia não", entre golden showers e "caguei para a CPI", entre internações espetaculosas por problemas intestinais e o hábito de falar merda, o presidente tornou sua retórica e seus atos um festival de escatologia. O fedor é nauseabundo. Que 2022 seja o ano de dar descarga.
 

sábado, 8 de janeiro de 2022

URSO BIPOLAR

 
Meu coração se aperta de tristeza e angústia todas as vezes que leio ou ouço falar sobre espécies ameaçadas de extinção. Pode ser alguma identificação inconsciente, pois li há muito tempo (antes do Jurassic Park) que as pessoas idosas sentiriam uma afinidade maior com espécies extintas, justamente por estarem elas próprias mais perto da extinção. Pode ser, pode ser...
 
Para mim é inaceitável que os humanos sejam responsáveis diretos pela extinção de espécies animais e vegetais, em nome do progresso. Foda-se o progresso! Uma propaganda do WWF – World Wildlife Fund que me marcou muito dizia “Extinção é para sempre”. E é essa consciência que, voltando ao início, faz meu coração se apertar de dor e angústia.
 
Estou dizendo tudo isso por causa de uma piada. Verdade! Dia desses, assistindo a um episódio da divertidíssima série “The Big Bang Theory”, ouvi uma expressão que me fez rolar de rir. Durante uma rodada de um jogo bizarro criado por um dos personagens, uma carta é jogada na mesa, com a identificação “Urso bipolar”.

Na hora já fiquei pensando em  como usar esse jogo de palavras absolutamente genial. Talvez em alguma historinha ou diálogo envolvendo três ursos polares, onde um deles comentaria com o colega sobre a magreza do terceiro urso. E a sequência seria algo nessa linha:
- Ele está magro assim porque em metade do tempo ele é vegano.
-Vegano? Um urso polar carnívoro, vegano?
-Esquenta não, ele sempre foi meio bipolar.
 
Bolada essa piada horrível, saí à procura de imagens para montar a história, mas me dei mal. Vi a foto de um urso polar magérrimo, provavelmente pela crescente dificuldade para obter seu alimento e pela redução do gelo onde vive e caça, além de notícias sobre sua provável extinção em futuro não muito distante justamente pelo degelo acelerado de seu habitat. Essa imagem me impactou muito, talvez por sempre me sentir meio urso, um urso hibernando. E ligeiramente bipolar.
 
E me lembrei da frase do WWF. Aí não teve conserto, acabou a graça, acabou a piada. É assustador pensar que você pertence a uma espécie que é um tipo gigante de formiga cortadeira, um bando de gafanhotos anabolizados, uma super colônia de cupins hipertrofiados, que vai deixando a Terra arrasada, o solo, as águas e o ar cada vez mais poluídos e a fauna selvagem cada vez mais frágil, desprotegida e ameaçada de se transformar apenas em animais empalhados ou imagens de documentários antigos (como o lobo da tasmânia, por exemplo).

Quando a Terra atingir níveis insuportáveis de calor, de poluição do meio ambiente, de superpopulação, de escassez de água e de alimentos eu já estarei “dormindo profundamente”, alheio ao desespero, à violência crescente, ao pega pra capar generalizado, ao holocausto mundial de pessoas e animais, ao verdadeiro Apocalipse. Mas, talvez algum de meus descendentes ainda vagueie pela Terra desejando nunca ter nascido. E pensar em tudo isso me deixa muito triste, muito, muito triste.

 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

TÁ NO SAL(MO)!

 
Aparentemente a ironia que coloquei no título do post anterior não seduziu ninguém ou, ao contrário, pode até ter afugentado os leitores eventuais desta bagaça. Paciência. Mas recebi pelo whatsapp uma piada tão bem bolada que não pude resistir à tentação de postá-la no facebook, talvez a rede social mais careta (mesmo sem conhecer as demais), pois a maioria de seus usuários é formada por gente idosa, velha em idade e preconceito. Recebi dois comentários que vale a pena transcrever:
- Eu não sou evangélico, mas não concordo em fazer piada com trechos da Bíblia.
- E reeleito p/ sofrimento dos petistas !!!
 
Bom, para trazer um pouco de humor de qualidade para o Blogson, resolvi publicar aqui também essa piada - mas sem spoiler! Quem quiser, que procure na internet. Olhaí.



terça-feira, 4 de janeiro de 2022

OBRIGADO, PRESIDENTE!

Eu sou um sujeito agradecido, um cara que não economiza agradecimentos, que sempre agradece as pequenas e grandes gentilezas de que é “vítima”. Pela minha idade provecta, sou quase um Grateful Dead (mesmo que ninguém entenda a piada). Mas, para mim, gentileza não é uma atitude que exija reciprocidade, não é troca. Assim, quando alguém me faz um favor, oferta um mimo qualquer ou faz uma gentileza que não pedi, sinto-me totalmente à vontade para não retribuir nada. Pois, se não pedi ajuda, não tenho por que retribuir. Mas agradeço, agradeço profundamente, efusivamente.
 
Hoje, por exemplo, refletindo sobre determinados comportamentos de alguém, senti imensa vontade de agradecer a essa pessoa. E estou me referindo a nosso presidente. Minha vontade seria poder ir a Brasília e dizer bem alto “Obrigado, presidente!”
 
Quem acessa este blog com um pouco de frequência sabe das severas críticas dirigidas ao mandatário de plantão, dos dezénhos que ironizaram seu comportamento, etc. Mas o momento agora é de gratidão, de agradecer, pois o ano de 2022 está apenas engatinhando e meu coração está cheio de paz e esperança.
 
Por isso, mais uma vez, obrigado, senhor presidente. Preciso agradecer-lhe pela contribuição permanente dada aos desenhistas de humor, aos chargistas que suam diariamente a camisa para produzir desenhos que comentam a situação atual do país. Provavelmente esses profissionais estariam sem trabalhar se o senhor não exibisse seu inacreditável comportamento e não dissesse suas impagáveis frases.
 
Preciso agradecer também ter aumentado a visibilidade do Brasil na imprensa internacional. Pouco importa se as referências à sua administração ou vida pessoal surjam apenas para criticar ou ridicularizar, pois alguém já disse esta frase lúcida e cheia de sensatez: “falem bem ou mal, mas falem de mim”.
 
E, claro, agradecer a Vossa Excelência por produzir e fornecer vastíssimo material de pesquisa (aí incluído o cartão de vacinação, sob sigilo por cem anos) para historiadores, estatísticos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais do presente e do futuro que analisarão os "anos Bolsonaro" e o impacto de suas atitudes e decisões desmioladas no futuro do país.
 
Concluindo, não poderia deixar de agradecer sua ajuda e influência na minha decisão de nunca mais votar em Vossa Excelência. Imagino que existam no Brasil muitas pessoas, milhões de pessoas na verdade, com motivos semelhantes aos meus para agradecer-lhe, mas ninguém tem mais motivos para isso que seu rival nas próximas eleições, o ex-presidiário Lula. Eu, se fosse ele, ajoelharia no milho e agradeceria todos os dias por Vossa Excelência existir.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

AFORISMOS DE SCHOPENHAUER

Como já devem ter percebido todos os malucos que acessam este blog, eu sempre gosto de “conversar” com os leitores, mesmo que seja na forma de monólogos ou falando com o espelho. Este post não foge disso. Outra característica é minha atração por frases curtas e inteligentes de outros autores, frases tipo tuites que eu gosto de postar nesta bagaça. Vários foram os autores já publicados, sendo o mais brilhante deles o velho e bom Jotabê, um nome mais conhecido no SPC e na Serasa que na literatura (já começou a foder!).
 
Bom, esta dispensável introdução serve para apresentar frases e pensamentos de Arthur Schopenhauer, um filósofo alemão que viveu no século XIX. Tudo começou com um “amigo de facebook” me enviando um vídeo em que alguém com sotaque português lia aforismos escritos pelo alemão. Como o velho Blogson é um pet sempre faminto, um tamagotchi que precisa ser alimentado, achei que seria uma boa copiar essas frases e tentar encontrar outras na internet.
 
Mas confesso ter ficado um pouco decepcionado com o Arturzinho, pois li algumas frases bem machistas - ainda que escritas no século XIX (exemplo: “A mulher é um animal de cabelos longos e ideias curtas”). Por não conhecer absolutamente nada do restante de sua obra, pareceu-me também que ele se tinha em altíssima conta e que era meio depressivo e misantropo ("O único homem que não consegue viver sem mulheres é um ginecologista".  Ou “Quando nasce um homem como eu, só se pode desejar uma coisa: que consiga ser sempre ele mesmo e viver para seus dons intelectuais”).

As frases que me causaram essa impressão negativa foram excluídas deste post, só deixando as que chamaram mais minha atenção. Mas confesso que (minha opinião de matuto ignorante) outros autores já publicados bolaram aforismos muito mais inteligentes, criativos e bem humorados (H. L. Mencken e Mark Twain, por exemplo). Outra coisa que quero deixar bem clara: as frases deste post são obviamente traduções do original em alemão. Por isso, fico pouco à vontade ao ler palavras como "ginecologista". Teria sido ela realmente escrita no século XIX? Ou seria uma "liberdade poética" do tradutor? Em todo caso, olha o Schope aí. Prosit! 


A alegria conserva a saúde e a juventude do coração.

A arte é uma flor nascida no caminho da nossa vida, e que se desenvolve para suavizá-la.

A compaixão pelos animais está  intimamente ligada à bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.

A fé é como o amor, não pode ser obtida pela força.

A fé e o saber não se dão bem dentro da mesma cabeça: são como o lobo e o cordeiro dentro de uma jaula; e o saber é justamente o lobo, que ameaça devorar seu vizinho. O saber é feito de uma matéria mais dura do que a fé, de modo que, quando colidem, a última se quebra.

A glória deve ser conquistada; a honra, por sua vez, basta que não seja perdida.

A honra cavalheiresca é filha da arrogância e da tolice.

A honra é, objetivamente, a opinião dos outros acerca do nosso valor, e, subjetivamente, o nosso medo dessa opinião.

A ignorância só degrada o homem quando se encontra em companhia da riqueza.

A inteligência é invisível para quem não tem nenhuma.

A intolerância é intrínseca apenas ao monoteísmo: um deus único é, por natureza, um deus ciumento, que não tolera nenhum outro além dele mesmo.

A língua é para o espírito de uma nação, o que o estilo é para o espírito de um indivíduo.

A modéstia é a humildade de um hipócrita que pede perdão por seus méritos aos que não têm nenhum.

A mulher é um efeito deslumbrante da natureza.

A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende.

A nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos.

A riqueza influencia-nos como a água do mar. Quanto mais bebemos, mais sede temos. O mesmo vale para a glória.

A serenidade e a vitalidade da nossa juventude baseiam-se em parte no fato de que nós, ao subirmos a montanha, não vemos a morte, pois ela encontra-se do outro lado da encosta.

A solidão é o destino de todos os espíritos eminentes.

A vida interior é reprimida e não pode ser conscientizada, porque conhecer nossa natureza mais profunda (nossa crueldade, medo, inveja, desejo sexual, agressividade, egoísmo) seria um peso maior do que poderíamos aguentar.

A virtude não se ensina, como tampouco o gênio.

Aquele que quer ser tudo não pode ser nada.

Arquitetura é música congelada.

As causas não determinam o caráter da pessoa, mas apenas a manifestação desse caráter, ou seja, as ações.

As pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo. Uma pessoa inteligente tenta usar o tempo.

As religiões são como vaga-lumes: para brilhar precisam das trevas.

Casar-se significa duplicar as suas obrigações e reduzir à metade os seus direitos.

Certamente a vida não existe para ser aproveitada, mas para ser suportada e despachada... De fato, é um conforto na velhice ter o trabalho da vida por trás de si.

Como somos obrigados a viver, devemos sofrer o menos possível.

Consigo suportar a ideia de que poucas horas depois que eu morrer os vermes comerão meu corpo, mas estremeço ao imaginar professores criticando minha filosofia.

É fácil pregar a moralidade, difícil é justificá-la.

Em geral, chamamos de destino as asneiras que cometemos.

Em geral, nove décimos da nossa felicidade baseiam-se exclusivamente na saúde. Com ela, tudo se transforma em fonte de prazer.

Erra muito menos quem, com olhar sombrio, considera esse mundo uma espécie de inferno e, portanto, só se preocupa em conseguir um recanto à prova de fogo.

Estou cansado, no final da estrada. Mesmo assim, vejo com alegria o que fiz, sem me intimidar com a opinião dos outros.

Gosto da minha solidão, mas você se surpreenderia com o tamanho dela.

Ler quer dizer pensar com uma cabeça alheia, em lugar da própria.

Melhor deixar que os homens sejam como são do que acreditar no que não são.

Na verdade, só existe prazer no uso e no sentimento das próprias forças, e a maior dor é a reconhecida falta de forças onde elas seriam necessárias.

Não devemos mostrar a nossa cólera ou o nosso ódio senão por meio de atos. Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno.

Não diga a um amigo nada que você esconderia de um inimigo.

Não nos deixar cair em tentação, é o mesmo que dizer: não nos deixar ver quem realmente somos.

Nas pessoas de capacidade limitada, a modéstia não passa de mera honestidade, mas em quem possui grande talento é hipocrisia.

Nem todos os loucos ou burros são fanáticos, mas todos os fanáticos são loucos ou burros.

Nenhum homem jamais se sentiu perfeitamente feliz no presente; se acontecesse, isso o entorpeceria.

O bom humor é a única qualidade divina do homem.

O conhecimento é limitado, só a estupidez é ilimitada.

O destino embaralha as cartas e nós jogamos.

O homem é‚ propriamente falando, um animal que agride.

O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem.

O que a história conta não passa do longo sonho, do pesadelo espesso e confuso da humanidade.

O que é a modéstia senão uma humildade hipócrita pela qual um homem pede perdão por ter as qualidades e os méritos que os outros não têm!

O que temos dentro de nós é o essencial para a felicidade humana.

O que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nela, a si mesmos.

Quando a alegria se apresenta, devemos abrir-lhe todas as portas, pois ela jamais é inoportuna.

Quando partimos num navio, as coisas na praia vão diminuindo e ficando mais difíceis de distinguir; o mesmo ocorre com todos os fatos e atividades de nosso passado. 

Quanto mais realização pessoal houver, menor será a angústia da morte.

Quanto menos inteligente um homem é, menos misteriosa a existência lhe parece.

Se for certo que um deus fez este mundo, não queria eu ser esse deus: as dores do mundo dilacerariam meu coração.

Se você for educado e simpático, as pessoas ficam dóceis e obedientes. Assim, a polidez faz com a natureza humana o mesmo que o calor faz com a cera.

Sentimos a dor, mas não a sua ausência.

Talento é quando um atirador atinge o alvo que os outros não conseguem. Gênio é quando um atirador atinge o alvo que os outros não veem.

Toda nação troça das outras e todas têm razão.

Todas as pessoas tomam os limites de seu próprio campo de visão pelos limites do mundo.

Todo pobre-diabo que não tem nada no mundo do que possa se orgulhar escolhe a nação a que pertence como último recurso para sentir orgulho; desse modo, ele se restabelece, sente-se grato e pronto para defender com unhas e dentes todos os erros e absurdos próprios dessa nação.

Um insulto supera qualquer argumento.

Uma maneira de agradar é deixar que cada um fale de si.

Vista pelos jovens, a vida é um futuro infinitamente longo; vista pelos velhos, um passado muito breve.

A tarde é a velhice do dia. Cada dia é uma pequena vida, e cada por do sol é uma pequena morte.

Renunciamos a muito de nós mesmos para sermos como os outros.

Raramente pensamos no que temos, mas sempre no que nos falta.

Quanto mais elevado é o espírito mais ele sofre.

Os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto; os trinta seguintes o comentário.

O médico vê o homem em toda a sua fraqueza; o jurista o vê em toda a sua maldade; o teólogo, em toda a sua imbecilidade.

Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima!


 


ESTRELA DE BELÉM, ESTRELA DE BELÉM!

  Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, ...