sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

MOSAICO TOSCANO

Durante uma entrevista no programa do Jô Soares o apresentador Ratinho contou ter vendido “churrasquinho de gato” no início de sua vida profissional.  Diante da surpresa do Jô, esclareceu que “carne de gato” era só onda. O que ele vendia mesmo era churrasquinho de carne de segunda, amaciada com leite de mamão verde.

Lembrei-me dessa história ao comentar com um jovem que o Tempo é o melhor solvente que existe, pois “dissolve” músculos, tendões, articulações, lembranças, sonhos e esperança. Ele riu e eu disse que ele ainda demoraria a entender o significado real disso.

Como sabem algumas pessoas que acessam este blog, desde a criação do Blogson fui dando spoilers variados sobre velhice e envelhecimento. Spoilers para quem é jovem, bem entendido. E fiz isso porque entendo muito do assunto, aprendido na base da aula prática mesmo, pois sou velho pra caramba.

Já disse uma vez que na velhice tudo que deveria manter-se cai. E tudo o que deveria diminuir, aumenta. E essa transformação é um negócio muito impressionante de se observar. Diria que é quase tão impactante quanto a visão das cataratas do Iguaçu, porque na velhice o iguaçu exibe muitas quedas, se consegue me entender.
 
Creio que todos ou, pelo menos, a maioria dos leitores desta bagaça são mais novos que eu. Para ser sincero, isso não é nada difícil, pois, como disse, sou velho pra caramba, informação diariamente ratificada pelo espelho do banheiro.
 
Pois é, movido pela inconveniência que a velhitude me proporcionou, resolvi dar um spoiler meio desagradável. Talvez não seja um spoiler original, pois nem sei mais quantas lágrimas eu tenho derramado por aqui. Em todo caso, vamos lá.
 
Preciso repetir, alertar a todos os leitores de que a velhice é uma merda. E que, muitas vezes, muitas, muitas vezes recebe a visita indesejada de sua amiga depressão. Este é o spoiler. Depressão e velhice frequentemente andam de braços dados, como se fosse amigas de infância ou coleguinhas de ensino fundamental.
 
Dia desses, por exemplo, bateu uma depressão um pouco mais pesada que o normal. Usando a imagem criada pelo depressivo Winston Churchill, era um black dog muito grande, talvez um fila brasileiro, um mastim italiano, um dog alemão, um rottweiler enfurecido. Exasperado com a minha vida, exclamei mentalmente: - A Vida não tem sentido!
 
Meu desejo momentâneo era repetir em voz alta essa ideia. Para que ninguém pensasse que eu estou enlouquecendo (talvez esteja), digitei no computador essa frase e a repeti dezenas de vezes, tal como no filme “O iluminado”. A diferença é que eu apenas copicolei no Excel, excelente para fazer esse tipo de idiotice.
 
Ao fazer isso, a depressão foi se acalmando, o cachorro foi adormecendo e eu comecei a brincar com a frase, mastigando e remontando mentalmente as palavras, como se fossem cacos de um mosaico quebrado que alguém apressadamente tentasse colar de novo:
 
a vida não tem sentido
não tem sentido a vida
sentido a vida não tem
tem a vida sentido não
não tem, não tem, não
tem não, tem não, tem
não, não, não, não.
 
Aí o saco encheu e fui assistir o programa da Sonia Abrão que estava passando na TV, uma prova de que a Vida realmente não tem mesmo nenhum sentido.

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