Raramente -
ou nunca - leio a "Carta ao Leitor" da revista Veja, mas não tenho explicação consistente para isso. Hoje, para
verificar se já tinha lido todas as reportagens e artigos, dei uma folheada
desde o início, contrariando minha mania de ler do fim para o início. Aí me
deparei com a "Carta", que, além do título “O Demônio Ideológico”, exibia as fotos dos economistas Ludwig
Von Mises (muito prazer, nunca ouvi falar) e Karl (pela-saco) Marx, por quem
tenho uma antipatia gratuita, de nascença.
Comecei a
ler e achei a introdução tão boa que
resolvi transcrevê-la no Blogson (toda a "Carta" é muito boa, diga-se). Claro está que concordo integralmente com o
que foi dito, que me fez lembrar de uma entrevista do Millor Fernandes que já
tinha divulgado aqui no blog (“Eu acho a ideologia um bitolamento da
inteligência”). Assim, segue o trecho selecionado e a fala do Millor logo
na sequência. Olhaí.
Quando
se olha o mundo através da lente
de uma ideologia, o mundo que se vê é necessariamente um reflexo alterado pela
própria lente ideológica. E como todos vemos o mundo com uma ideologia, seja
ela qual for, seja conscientemente ou não, toda visão humana do mundo carrega
uma alteração. Donde se pode concluir que as certezas ideológicas - aquelas
verdades enormes apresentadas por seus defensores como se estivessem inscritas
no mármore do DNA humano - não passam de impressões vagas, às vezes corretas,
outras vezes não. (Carta ao Leitor)
(...)
tenho dificuldade de pensar ideologicamente. Eu acho a ideologia um bitolamento
da inteligência. Se você é católico, tá f(*), você é católico, pronto! Você
pensa naquela linha católica. Quem não pensa católico é um filho da p(*). É a
mesma coisa com o presbiteriano. Você me diz assim: “Aquele cara é um grande
pensador marxista”. Então ele não é pensador, é um propagandista do marxismo. O
Tristão de Atahyde era conhecido como grande pensador católico. Isso não é nada
pensador… Pensador é o cara que vai pensando numa linha até o momento em que
esbarra numa coisa e muda a maneira de pensar.(Millor Fernandes)
x x x
Bom, isso é o que eu queria compartilhar com os 2,3 leitores do Blogson. Como dá um trabalhão lascado escanear com OCR, corrigir e formatar, resolvi não apagar o
restante do texto, para o caso de alguém se interessar em lê-lo na íntegra. Olhaí.
O
parágrafo acima poderia ser resumido da seguinte forma: o conflito ideológico é
um demônio adormecido. Os contrastes entre direita e esquerda, que ganham ou
perdem nitidez conforme o espírito do tempo, são a saúde da democracia, a
beleza da disputa de ideias e uma bela medida da ambição humana de superar-se,
mas, quando deixam de se contrapor para se confrontar, tornam-se um veneno
letal.
No
primeiro turno da eleição municipal, o resultado das urnas mostrou que o
eleitorado fez uma inflexão à direita, distanciando-se das legendas de esquerda
e infligindo uma derrota histórica ao PT. (...)
O
resultado das urnas é uma decorrência natural da vida democrática. É saudável que a balança ora oscile à
esquerda, ora à direita, de modo a estar sempre em busca do equilíbrio,
produzindo a desejável confluência entre a justiça social que a esquerda tanto
preza e a liberdade individual pela qual a direita tanto zela. O ponto essencial
em um país como o Brasil, imenso e mestiço, é que a política se mantenha longe
dos extremos de um lado ou de outro. Eles são o caminho mais curto para o
obscurantismo e o atraso. Por isso, a tolerância ao pensamento alheio, à
esquerda e à direita, é em si mesma um sinônimo da vida democrática. Por isso,
a eleição municipal arejou o ambiente político.
Enquanto
o debate de ideias se expressar em contrastes como o popularizado no slogan
"mais Mises, menos Marx", ninguém perde nada e o país ganha. O slogan
é reducionista, mas inofensivo. Ludwig Von Mises é o pai da escola austríaca de
economistas neoclássicos e deu aulas a Friedrich Von Hayek, o guru do
neoliberalismo. Karl Marx é o mais importante teórico do comunismo e da luta de
classes. O que eles têm em comum é o fato de que ambos estão mortos, eram
judeus e falavam alemão. Todo o resto é diferença. Imagina-se que, se tivessem
vivido no mesmo século, debateriam fervorosamente sobre suas distintas visões
de mundo. Só debateriam - que é o que de melhor se pode fazer em um universo em
que se pretende trocar ideias. Sem despertar o demônio.
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