quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O DEMÔNIO IDEOLÓGICO - REVISTA VEJA DE 12/10/2016

Raramente - ou nunca - leio a "Carta ao Leitor" da revista Veja, mas não tenho explicação consistente para isso. Hoje, para verificar se já tinha lido todas as reportagens e artigos, dei uma folheada desde o início, contrariando minha mania de ler do fim para o início. Aí me deparei com a "Carta", que, além do título “O Demônio Ideológico”, exibia as fotos dos economistas Ludwig Von Mises (muito prazer, nunca ouvi falar) e Karl (pela-saco) Marx, por quem tenho uma antipatia gratuita, de nascença. 

Comecei a ler e achei a introdução tão boa que resolvi transcrevê-la no Blogson (toda a "Carta" é muito boa, diga-se). Claro está que concordo integralmente com o que foi dito, que me fez lembrar de uma entrevista do Millor Fernandes que já tinha divulgado aqui no blog (“Eu acho a ideologia um bitolamento da inteligência”). Assim, segue o trecho selecionado e a fala do Millor logo na sequência. Olhaí.


Quando se olha o mundo através da lente de uma ideologia, o mundo que se vê é necessariamente um reflexo alterado pela própria lente ideológica. E como todos vemos o mundo com uma ideologia, seja ela qual for, seja conscientemente ou não, toda visão humana do mundo carrega uma alteração. Donde se pode concluir que as certezas ideológicas - aquelas verdades enormes apresentadas por seus defensores como se estivessem inscritas no mármore do DNA humano - não passam de impressões vagas, às vezes corretas, outras vezes não. (Carta ao Leitor)

(...) tenho dificuldade de pensar ideologicamente. Eu acho a ideologia um bitolamento da inteligência. Se você é católico, tá f(*), você é católico, pronto! Você pensa naquela linha católica. Quem não pensa católico é um filho da p(*). É a mesma coisa com o presbiteriano. Você me diz assim: “Aquele cara é um grande pensador marxista”. Então ele não é pensador, é um propagandista do marxismo. O Tristão de Atahyde era conhecido como grande pensador católico. Isso não é nada pensador… Pensador é o cara que vai pensando numa linha até o momento em que esbarra numa coisa e muda a maneira de pensar.(Millor Fernandes)

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Bom, isso é o que eu queria compartilhar com os 2,3 leitores do Blogson. Como dá um trabalhão lascado escanear com OCR, corrigir e formatar, resolvi não apagar o restante do texto, para o caso de alguém se interessar em lê-lo na íntegra. Olhaí.


O parágrafo acima poderia ser resumido da seguinte forma: o conflito ideológico é um demônio adormecido. Os contrastes entre direita e esquerda, que ganham ou perdem nitidez conforme o espírito do tempo, são a saúde da democracia, a beleza da disputa de ideias e uma bela medida da ambição humana de superar-se, mas, quando deixam de se contrapor para se confrontar, tornam-se um veneno letal. 
No primeiro turno da eleição municipal, o resultado das urnas mostrou que o eleitorado fez uma inflexão à direita, distanciando-se das legendas de esquerda e infligindo uma derrota histórica ao PT. (...)
O resultado das urnas é uma decorrência natural da vida democrática. É saudável que a balança ora oscile à esquerda, ora à direita, de modo a estar sempre em busca do equilíbrio, produzindo a desejável confluência entre a justiça social que a esquerda tanto preza e a liberdade individual pela qual a direita tanto zela. O ponto essencial em um país como o Brasil, imenso e mestiço, é que a política se mantenha longe dos extremos de um lado ou de outro. Eles são o caminho mais curto para o obscurantismo e o atraso. Por isso, a tolerância ao pensamento alheio, à esquerda e à direita, é em si mesma um sinônimo da vida democrática. Por isso, a eleição municipal arejou o ambiente político. 
Enquanto o debate de ideias se expressar em contrastes como o popularizado no slogan "mais Mises, menos Marx", ninguém perde nada e o país ganha. O slogan é reducionista, mas inofensivo. Ludwig Von Mises é o pai da escola austríaca de economistas neoclássicos e deu aulas a Friedrich Von Hayek, o guru do neoliberalismo. Karl Marx é o mais importante teórico do comunismo e da luta de classes. O que eles têm em comum é o fato de que ambos estão mortos, eram judeus e falavam alemão. Todo o resto é diferença. Imagina-se que, se tivessem vivido no mesmo século, debateriam fervorosamente sobre suas distintas visões de mundo. Só debateriam - que é o que de melhor se pode fazer em um universo em que se pretende trocar ideias. Sem despertar o demônio.



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