“Qualquer
vida, se tem o narrador certo, merece um livro ou, pelo menos, um capítulo”. O autor desta frase magnífica é o jornalista Diogo Schelp, que a
construiu para comentar na revista Veja um livro
recém-lançado.
Tomo a liberdade
de usá-la para apresentar a série de cincos posts que começam a ser divulgados
a partir de hoje. O assunto, claro, são lembranças de pessoas com quem convivi.
No caso particular, meus avós maternos. Não creio ser o “narrador certo”,
talvez seja apenas o único – e mais errado que certo.
Tal como os posts
já divulgados sobre a família de meu pai, este é parte de um texto maior, ainda
inacabado, que comecei a escrever em 2013 para deixar para meus filhos (caso eles
queiram saber). O tema são as lembranças que tenho sobre a família de minha
mãe. Não pensava em divulgá-lo no blog, por uma série de motivos. Primeiro, por
estar inacabado, pois não consegui dar continuidade no perfil de metade
dos tios. Além disso, está o fato de que a maioria dos tios ainda está
viva. E meus comentários e lembranças descritas não se enquadram na cartilha
politicamente correta nem na linha chapa branca.
Apesar disso tudo,
resolvi divulgar um pouco dessa memória no Blogson. E o culpado é o meu amigo
virtual Marreta do Azarão, que disse ser minha "verdadeira veia
literária" as memórias. Assim, antes que minha memória acabe de vez, vamos
falar um pouco da véia, ou melhor, vamos exercitar a veia. E o assunto começa
justamente com a família de minha avó materna. Vamos lá.
Quando eu nasci,
em 1950, meus pais e meu irmão já moravam na casa de minha avó materna. Minha
avó teve onze filhos, mas um deles morreu ainda pequeno. Minha mãe era a segunda
mais velha e foi também a segunda a se casar. Todos os filhos, com exceção de
tia Ci, casada com tio Tristano, moravam nessa casa. Como a casa era pequena,
barracões (edículas) foram sendo construídos para abrigar esse povo todo e mais
meu avô, que, embora separado de minha avó, morava lá também, em um quarto de
um dos barracões existentes no fundo do imóvel.
Comparados com
meus tios paternos, metade deles nascida antes de 1900, os irmãos de minha mãe
eram verdadeiras crianças, pois a tia materna mais velha (tia Ci) é mais
jovem que a caçula da família de meu pai (tia Zinha). Por isso, apenas para
registro e ordenação, transcrevo os dados fornecidos por minha irmã, tal como
fiz com os irmãos de meu pai:
Tia Ci (Araci),
minha madrinha de batismo, nasceu em 19/02/1919. Em 19/12/1920 nasceu minha
mãe. Meu tio e padrinho Moacir (Cici) nasceu em 25/04/1925. Tio Nem (Manoel)
nasceu em 02/07/1926.
Tio Tôto (Walter)
nasceu em 28/05/1928. Em 30/07/1929 nasceu tia Dalva. O próximo foi Omir (não
“tio Omir”, apenas e tão somente, Omir), nascido em 14/07/1931. Depois dele,
veio tia Aidê, nascida em 24/08/1933. A mais nova das mulheres, tia Marisa,
nasceu em 15/12/1935. O último tio - Almon (Mon), apenas dez anos mais velho
que eu, nasceu em 05/04/1940.
Meu tio José
(epa!, de novo) foi o terceiro filho a nascer, ficando entre minha mãe e tio
Cici. Segundo tia Aidê, morreu com onze meses, vítima de uma variante mais
branda da famosa gripe espanhola. Parece que nessa mesma época suas tias Anita
e Domila também perderam bebês, vitimados pela mesma doença. Uma coincidência
não muito simpática (para mim, pelo menos) é o fato de os dois tios “José”, um
por parte de pai e outro por parte de mãe, terem morrido na infância.
Uma coisa que eu
nunca entendi é o bailado dos sobrenomes de minha avó e de meu avô, que se
alternavam na composição dos nomes dos filhos. Meu avô chamava-se Francisco
José Botelho. Minha avó, Julieta Alvarenga Costa. E os filhos ficaram assim:
Tia Ci (Alvarenga
Botelho); minha mãe, Lia (Alvarenga Botelho); tio Cici (Botelho Alvarenga); tio
Ném (Botelho Alvarenga); tio Tôto (Botelho Alvarenga); tia Aidê (Botelho
Alvarenga); tia Dalva (Alvarenga Botelho); Omir (Botelho Alvarenga); tia Marisa
(Alvarenga Botelho) e Mon (Botelho Alvarenga). Parece que essa ideia maluca
teria sido de meu avô. Sei não, mas ele deve ter fumado algum tipo de cipó ou
fumo de rolo jamaicano, na época. Também nunca entendi porque foi usado o
“Alvarenga” de minha avó em vez do sobrenome “Costa”.
Como vivi nessa
casa durante 24 anos, até me casar, as lembranças vão se justapondo e se
embaralhando muito. Por isso, recorri algumas vezes à minha irmã, que me
forneceu datas, nomes e casos que eu já tinha esquecido ou, mesmo, que
desconhecia. As transcrições literais do que ela me enviou estão entre aspas e
em itálico. E, para tentar ordenar um pouco essa bagunça, preciso falar de cada
uma dessas pessoas isoladamente. E vou começar por minha avó.
Seu apelido era
Lêta. Não sei onde nasceu, mas tinha uma penca de irmãos, como era costume
naquele tempo (e depois tem gente que critica a televisão!). Esses irmãos iam
visitá-la de vez em quando. Colocados na ordem de idade, lembro-me do tio
Juquinha (José), tia Chana (Emerenciana) e tia Anita (Ana), uma senhora gorda e
metida, por quem nunca tive simpatia. Era casada com tio Olímpio.
Depois, vinha tia
Domila (Laldomila), casada com tio Custódio ou Custodinho, para diferenciar de
outro irmão de minha avó, ele também Custódio. Além do nome alucinógeno, tia
Domila seria fácil, fácil uma personagem de história em quadrinhos, mais
precisamente irmã da bruxa Alcéia, das histórias da Luluzinha. Sinceramente,
ela era feia pra caramba, com seu nariz mega adunco e aqueles olhos... bem, os
olhos eram parecidos com os meus, arregalados e com bolsa e tudo. Uma bosta.
O mais engraçado é
que o marido, tio Custódio (Custodinho) morria de ciúmes dela. Uma de suas
filhas, Alda, sempre honrou com muito mérito a feiura da mãe. De tão magra,
usava (ou usa) duas calças compridas, “para engrossar a perna”. Separada do
marido (porque será?) e aparentemente meio ninfomaníaca, quando era mais jovem
ia para a Avenida Paraná (coisa muito fina!) para descolar algum
motorista ou trocador. Não é invenção minha! Quando eu namorava a minha mulher
e o ponto final do meu ônibus era na Paraná, cansei de vê-la por ali, nos
sábados à noite. Morria de vergonha.
Continuando com os
tios-avós, vinham o Oscar e o Neca (Manoel). Minha avó era a segunda mais nova.
Esse pessoal todo morava no bairro Floresta.
Alguns
anos atrás, minha tia Aidê mostrou-me uma fotografia sensacional, que, contada
de hoje (estamos em 2013), deve ter de noventa a cem anos. Nesse retrato, com
aquelas caras de foto posada de antigamente, estão meu bisavô, minha bisavó –
que era sua segunda esposa – e todos os filhos do primeiro e do segundo
casamento. Minha avó aparece como uma jovem de, no máximo, vinte anos. Essa
fotografia e a informação de que meu bisavô foi casado duas vezes esclareceram
uma das coisas que mais me intrigavam, relacionadas à Tia Chana.