sábado, 1 de fevereiro de 2025

CONVERSANDO NO SUPERMERCADO

 
Dia desses, em um encontro casual no supermercado, comentei com um primo de minha mulher sobre meu aborrecimento com o blog, por continuar a fazer postagens depois que a inspiração sumiu. E até brinquei ao dizer que hoje sou mais um gigolô de autores célebres. Ele riu e passou a comentar o que eu tinha dito.
 
- Você não é ninguém, você é só o Zezinho, marido da minha prima. Ninguém te conhece, ninguém está interessado em saber o que pensa. Se você fosse o Luan Santana você seria mais lido que jornal dentro do banheiro. Eu já tive a veleidade de ser um escritor famoso, mas descobri que faltava qualidade no que eu escrevia.
 
Argumentei que gostaria muito que ele lesse um dos e-books de poesia que publiquei, mas ele já descartou de cara:
 
- Detesto poesia!
- OK, vou te mandar um arquivo em Word com o texto do e-book “Meu nome é Ricardo”.
- Mande aberto no watsapp.
 
Mandei duas crônicas, pedindo para que opinasse. Até hoje não me respondeu. Em compensação, recebi ontem à noite um texto escrito por ele aparentemente ainda na época do Orkut, quando eu nem sabia o que era rede social. Mas, por sua ressonância com minha inquietação atual, resolvi publicá-lo aqui no velho Blogson. Lêaí.
 
 
“Tenho me sentido irrelevante, insignificante, cada vez mais insignificante, tão desimportante como uma ameba. Meu desejo de ser querido, amado, admirado por outras pessoas me levou a escrever e registrar todo tipo de pensamento que surgia só pra me comunicar.
 
Tudo me parecia espirituoso, engraçado, inteligente, profundo, mas a verdade inconveniente não tardou em se mostrar. Meu talento é inexistente, minhas ideias repetitivas.
 
A inspiração, essa antiga cúmplice, abandonou-me sem deixar bilhete. Resta um vazio, um amontoado de textos sem graça espalhados pelo Orkut, flutuando como garrafas lançadas ao mar – mas sem a menor expectativa de que alguém as encontre.
 
Publicar ali se tornou um exercício burocrático. Sinto-me hoje como um funcionário público obrigado a escrever relatórios enfadonhos e maçantes que ninguém lê. Ao meu lado, outros funcionários igualmente desiludidos, mas ainda convencidos de sua própria genialidade. Cada um digitando suas supostas verdades universais, despejando reflexões infladas sobre a vida, a arte, a existência, como se estivessem escrevendo a última grande obra da humanidade. O espetáculo da presunção segue firme, mesmo sem plateia.
 
O que sobra hoje é só cansaço, irritação e decepção para quem já sonhou publicar um livro. Hoje o que resta é a vontade de sumir, submergir, mas fugir de quem ou de quê?
 
Hoje eu sei que a lembrança de uma pessoa comum dura apenas uma ou duas gerações. Que dizer então dos textos medíocres que escreveu? Quem estará interessado em ler ou entender textos desimportantes, bobos, pretensiosos e maçantes publicados na internet?
 
Nem mesmo os parentes se interessarão. A eles bastarão algumas lembranças e muitas críticas, pois o mundo de ontem só interessa a quem viveu ontem; o hoje e o amanhã já exigirão toda a energia e atenção dos sobreviventes.
 
Não tenho mais paciência para ler mediocridades escritas por pessoas como eu, pois qualidade literária na internet é tão rara como a existência de vida no universo.
 
Acho que estou cansado de tudo, acho que estou cansado da vida. Talvez eu aproveite melhor o meu tempo plantando uma horta, pois se plantar alface eu saberei que só colherei alface, não me sentirei enganado. E conseguirei me afastar desse deserto de ideias e talento que a internet mostrou ser”.
(dezembro/2010)

CONVERSANDO NO SUPERMERCADO

  Dia desses, em um encontro casual no supermercado, comentei com um primo de minha mulher sobre meu aborrecimento com o blog, por continuar...