Fiz uma lista de “necessidades” para o
próximo texto que escreveria. A lista previa um texto engraçado ou, pelo menos,
irônico. Não poderia ser queixoso nem conter a solução para os problemas
insolúveis da humanidade. Precisaria ser um pouquinho politicamente incorreto e tentar não falar de política ou economia. Em resumo, um texto alienado e despretensioso,
daqueles que se lê no banheiro e depois esquece.
Foi quando me caiu no colo uma informação
surpreendente (aqui cabe um comentário: preferia muito mais que uma gostosa
caísse no meu colo – e ficasse – que uma notícia, mas não se pode ter tudo na
vida. Continuemos).
A notícia partilhada no Facebook e em outras
redes sociais falava da publicação de um livro imprescindível, escrito por um
jovem que conheço desde que nasceu, filho de uma das amigas de minha mulher.
Tirando a severidade com que foi criado, a
única coisa mais notável que me ocorre sobre ele é o fato de na infância ter parcialmente
roído a cabeça de gesso do mago Baltasar que enfeita o presépio montado todo
ano por minha mulher. Mas estarei sendo injusto se esquecer de mencionar sua
gigantesca autoestima, graças aos exemplos e educação formal que recebeu, pois
estudou até entrar na faculdade – que não concluiu por falta de recursos.
Pois bem, depois de tentar enriquecer em sociedades
onde entrava apenas com o trabalho e de se ver obrigado a abandonar (ou
postergar) o sonho de ser presidente da república, acabou mudando-se para um
país europeu, onde foi acolhido como faxineiro por uma igreja evangélica.
Isso aparentemente nunca o abateu, pois sempre
compartilha no Facebook sua defesa apaixonada do Bolsonaro e dos valores da
direita. Parece que seus amigos do Brasil continuam a considerá-lo um tolo, mas
prefiro não opinar sobre isso, pois com a publicação de um livro de autoajuda deu um
grande passo rumo ao merecido ingresso no time do Paulo Coelho e outros escritores
de renome. De marketing, pelo menos ele é bom, pois assim apresentou sua obra
(e quando digo “obra”, está claro que me refiro à obra literária):
“Este livro
combina sabedoria ancestral, histórias envolventes e estratégias inovadoras
para superar dificuldades, encontrar equilíbrio interior e criar um ambiente
fértil para florescer”.
Só uma besta
não fica salivando de vontade de adquirir um livro desses, ainda mais sabendo o que seu autor pensa de si próprio:
“Como
astrólogo e praticante das artes místicas, desenvolvi uma visão única sobre
como a espiritualidade, o autoconhecimento e o alinhamento entre propósito e
ambiente podem transformar vidas”.
Fala sério, um
livro desses, encharcado de sabedoria ancestral contribui decisivamente para melhorar o mundo ou,
pelo menos, a conta bancária do autor, pois está disponível em quatro línguas –
português, espanhol, inglês e alemão (obrigado, Google Translator!) e o preço é
uma merreca, custando apenas R$98,92 em capa comum ou R$24,99 no formato e-book. Desconheço pechincha
maior que essa!
E pensar que meus e-books estão lá na Amazon com preços microscópicos e ninguém
interessado! Também, quem manda eu não ser astrólogo e ter autocrítica tão
severa? Já li em algum lugar que há dois tipos de escritores: os que têm uma
autoestima inabalável e os que têm uma autocrítica implacável. Obviamente, eu
estou no segundo grupo e nada sei de autoajuda, caso contrário já teria fechado
esta birosca há muito tempo. Pelo menos é o que os astros dizem.
Marketing é tudo. Isso que digo ao meu filho, que não escreveu um livro de ajuda - seria temerário aos 14 anos - mas escreveu um livro de ficção fantástica que também já está na Amazon e na IUCLAP. Digo que ele precisa voltar para o youtube (quando mais criança ele era assíduo fazedor de vídeos para a plataforma, e era até bem visualizado) Mas hoje está tomado por uma talvez, ressaca videolesca e não quer divulgar seu livro nas redes. Diz ele que escreveu o livro para seus amigos e para mim. Deve ser do tipo que terá uma autocrítica implacável.
ResponderExcluirSe eu tivesse 20 anos, eu poderia ler o tal livro do seu chegado, li alguns nessa fase da vida.
Eu nunca me animei a ler nada do Paulo Coelho, e isso define minha opinião sobre o assunto. Mas hoje sei que o melhor que as pessoas podem fazer é contar suas histórias, seus casos reais, pois não erro quando fazem isso, basta coragem e bom senso para desenterrar o passado.
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