Na casa de minha avó, havia dois animais de
estimação: um cachorro preto e grande, cujo nome nunca soube, e um periquito
verde em uma gaiola. Minha mãe limpava sua gaiola, trocava a água e prendia
meio jiló nos arames. Depois que eles morreram, nunca mais houve animais
naquela casa. Tentei convencer minha mãe a ter um cachorro, mas foi inútil.
Quando comecei a namorar minha mulher, encontrei uma cultura familiar
totalmente diferente.
Para começar, havia o Minsk, um cachorro
simpaticíssimo que após a morte foi sucessivamente substituído pelo Vinte-e-Cinco,
Zulu, Pretinha e por uma dálmata de olhos meio vampirescos, amedrontadores, de
nome não lembrado. Havia também um ou dois viveiros para criação de pombos-correios
que meu cunhado sempre despachava para participar de torneios da Sociedade
Columbófila de BH.
Mas o que realmente chamou minha atenção foi
a quantidade de gaiolas penduradas em pregos batidos nas paredes externas da
casa. Descobri que meu sogro, seus irmãos e pelo menos dois irmãos de minha
mulher eram passarinheiros, entusiasmados criadores de passarinhos. Nas gaiolas
podiam ser vistas pequenas aves de plumagem colorida ou belo canto e nomes
sonoros: canário belga, periquito australiano, curió, sabiá, bem-te-vi, pássaro-preto,
coleirinho, trinca-ferro, todos super bem tratados – mas aprisionados, ao
contrário dos bandos de pardais que voejavam livremente pelas redondezas e
ainda “filavam” a comida que os prisioneiros
deixavam cair fora das gaiolas.
Creio que ninguém nunca quis aprisioná-los em
gaiolas, justamente pela cor sem graça de suas penas e por não cantarem. Aves
desprezadas, importadas de Portugal no início do século XX para ajudar no
combate à febre amarela, pois se acreditava que o mosquito Aedes aegypti faria
parte de sua dieta. Não saberia dizer se os pardais cumpriram corretamente a
missão para a qual foram importados, mas certamente deram-se muito bem no país,
pois logo se espalharam para todo lado, fazendo seus ninhos não em árvores, mas nos beirais das casas ou canos dos sinais
de trânsito. Talvez por isso, em BH, os radares instalados no alto de postes metálicos
receberam o apelido de “pardais”.
Recentemente li a notícia de
que os pardais estão desaparecendo. Não só no Brasil, mas em outros países onde
são encontrados. E o motivo é a crescente verticalização das cidades e a perda
dos espaços onde nidificam, com prédios cada vez mais altos substituindo as
casas que os abrigavam.
Toda vez que fico sabendo que uma espécie
animal ou vegetal está ameaçada de extinção, eu me entristeço muito, muito
mesmo, pois sei que é real uma propaganda do WWF - World Wide Fund, que dizia: “extinção é para sempre”. E foi
isso que senti ao ler sobre o sumiço dos pardais.
Nunca fui passarinheiro. Nunca quis criar
passarinhos em gaiolas pequenas, só para ouvir seu canto. Talvez, por ter
passado a infância em uma “gaiola dourada”, nunca desejei essa vida para aves
capturadas na natureza e mantidas em cativeiro. E, mesmo que essas aves sejam bem
tratadas, com gaiolas limpas e alimentação diária, elas sempre estarão privadas
de algo essencial: a liberdade.
Tentei convencer um de meus cunhados dessa
carência, mas ele riu e disse que se libertasse seus passarinhos eles logo
morreriam, virariam comida de gato “por
não estar acostumados a viver livres”. Então, por que foram presos? Eu
também era bem tratado, amorosamente tratado, mas ansiava pela liberdade de
poder sair sem a vigilância dos meus pais. Eu era, como os passarinhos do meu
cunhado, um “manso de gaiola”, na definição de um colega.
E os pardais possuíam essa liberdade. Por
isso ao ler a notícia sobre seu sumiço em BH, descobri que onde moro é um dos bairros
aonde podem ser vistos, pois Santa Tereza é um
bairro antigo, ainda cheio de casas velhas, com telhados adequados para a
construção de seus ninhos.
Por isso (mesmo que seja essa uma
atitude quixotesca), ao saber que
os pardais estão na “Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN)" resolvi tentar impedir ou adiar essa extinção. Não
tento mais usar jato de água para derrubar seus ninhos (na verdade, creio que eles nem
têm mais interesse em construí-los em nossos beirais). Além disso, sempre matei
baratas que vêm da rua com generosos jatos de inseticida, só para vê-las
estrebuchando no chão. E sempre as deixei para servir de alimento para os
pardais – sem me preocupar com o fato de que eu também os estava envenenando. Mas isso acabou. Para não prejudicar os dois ou três pardais que ainda aparecem por aqui, barata comigo agora é na chinelada – “plaft!!!”
(depois preciso lavar aquela gosma nojenta).
Para ser sincero, além do
romantismo ambientalista que é parte da minha personalidade de sonhador, a
preocupação com sua futura extinção é também consequência de identificação com espécies
em vias de desaparecer. Captou a mensagem?
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