segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

PARDON, PARDAL!

 
Na casa de minha avó, havia dois animais de estimação: um cachorro preto e grande, cujo nome nunca soube, e um periquito verde em uma gaiola. Minha mãe limpava sua gaiola, trocava a água e prendia meio jiló nos arames. Depois que eles morreram, nunca mais houve animais naquela casa. Tentei convencer minha mãe a ter um cachorro, mas foi inútil. Quando comecei a namorar minha mulher, encontrei uma cultura familiar totalmente diferente.
 
Para começar, havia o Minsk, um cachorro simpaticíssimo que após a morte foi sucessivamente substituído pelo Vinte-e-Cinco, Zulu, Pretinha e por uma dálmata de olhos meio vampirescos, amedrontadores, de nome não lembrado. Havia também um ou dois viveiros para criação de pombos-correios que meu cunhado sempre despachava para participar de torneios da Sociedade Columbófila de BH.
 
Mas o que realmente chamou minha atenção foi a quantidade de gaiolas penduradas em pregos batidos nas paredes externas da casa. Descobri que meu sogro, seus irmãos e pelo menos dois irmãos de minha mulher eram passarinheiros, entusiasmados criadores de passarinhos. Nas gaiolas podiam ser vistas pequenas aves de plumagem colorida ou belo canto e nomes sonoros: canário belga, periquito australiano, curió, sabiá, bem-te-vi, pássaro-preto, coleirinho, trinca-ferro, todos super bem tratados – mas aprisionados, ao contrário dos bandos de pardais que voejavam livremente pelas redondezas e ainda “filavam” a comida que os prisioneiros deixavam cair fora das gaiolas.
 
Creio que ninguém nunca quis aprisioná-los em gaiolas, justamente pela cor sem graça de suas penas e por não cantarem. Aves desprezadas, importadas de Portugal no início do século XX para ajudar no combate à febre amarela, pois se acreditava que o mosquito Aedes aegypti faria parte de sua dieta. Não saberia dizer se os pardais cumpriram corretamente a missão para a qual foram importados, mas certamente deram-se muito bem no país, pois logo se espalharam para todo lado, fazendo seus ninhos não em árvores, mas nos beirais das casas ou canos dos sinais de trânsito. Talvez por isso, em BH, os radares instalados no alto de postes metálicos receberam o apelido de “pardais”.
 
Recentemente li a notícia de que os pardais estão desaparecendo. Não só no Brasil, mas em outros países onde são encontrados. E o motivo é a crescente verticalização das cidades e a perda dos espaços onde nidificam, com prédios cada vez mais altos substituindo as casas que os abrigavam.
 
Toda vez que fico sabendo que uma espécie animal ou vegetal está ameaçada de extinção, eu me entristeço muito, muito mesmo, pois sei que é real uma propaganda do WWF - World Wide Fund, que dizia: “extinção é para sempre”. E foi isso que senti ao ler sobre o sumiço dos pardais.
 
Nunca fui passarinheiro. Nunca quis criar passarinhos em gaiolas pequenas, só para ouvir seu canto. Talvez, por ter passado a infância em uma “gaiola dourada”, nunca desejei essa vida para aves capturadas na natureza e mantidas em cativeiro. E, mesmo que essas aves sejam bem tratadas, com gaiolas limpas e alimentação diária, elas sempre estarão privadas de algo essencial: a liberdade.
 
Tentei convencer um de meus cunhados dessa carência, mas ele riu e disse que se libertasse seus passarinhos eles logo morreriam, virariam comida de gato “por não estar acostumados a viver livres”. Então, por que foram presos? Eu também era bem tratado, amorosamente tratado, mas ansiava pela liberdade de poder sair sem a vigilância dos meus pais. Eu era, como os passarinhos do meu cunhado, um “manso de gaiola”, na definição de um colega.
 
E os pardais possuíam essa liberdade. Por isso ao ler a notícia sobre seu sumiço em BH, descobri que onde moro é um dos bairros aonde podem ser vistos, pois Santa Tereza é um bairro antigo, ainda cheio de casas velhas, com telhados adequados para a construção de seus ninhos.
 
Por isso (mesmo que seja essa uma atitude quixotesca), ao saber que os pardais estão na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)" resolvi tentar impedir ou adiar essa extinção. Não tento mais usar jato de água para derrubar seus ninhos (na verdade, creio que eles nem têm mais interesse em construí-los em nossos beirais). Além disso, sempre matei baratas que vêm da rua com generosos jatos de inseticida, só para vê-las estrebuchando no chão. E sempre as deixei para servir de alimento para os pardais – sem me preocupar com o fato de que eu também os estava envenenando. Mas isso acabou. Para não prejudicar os dois ou três pardais que ainda aparecem por aqui, barata comigo agora é na chinelada – “plaft!!!” (depois preciso lavar aquela gosma nojenta).
 
Para ser sincero, além do romantismo ambientalista que é parte da minha personalidade de sonhador, a preocupação com sua futura extinção é também consequência de identificação com espécies em vias de desaparecer. Captou a mensagem?


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