terça-feira, 28 de dezembro de 2021

TÁ BOA, SANTA?

 
O BBC News é um site muito legal (que eu recomendo para quem não conhece), pois traz artigos e reportagens que abordam curiosidades e informações divertidas, ótimas para aliviar (desopilar) um fígado destroçado pelas babaquices diárias que a tchurma de Brasília costuma produzir, divulgar ou falar. Pensando bem, não é “de Brasília”, mas “em Brasília”, pois espero que esse pesadelo acabe em 2022.
 
Deixando a profundidade de lado (como dizia a Belchior) e voltando à BBC, acabei de ler um artigo que mostra o quanto os políticos, intelectuais e outras personalidades brasileiras podem ser ridículos e primitivos. Se quiserem, podem trocar primitivos por toscos, risíveis, idiotas, deprimentes ou o que acharem melhor.
 
O artigo ou reportagem trata de uma tentativa bizarra de nacionalizar o Natal. Melhor dizendo, de substituir o Santa Claus, o Papai Noel por uma fantasia brasileira. O pior dessa maluquice é o fato de que tentaram utilizar um personagem inexistente no folclore nacional ou na memória afetiva do povo brasileiro. Personagem que já é uma piada, mesmo que não permita a alguém fazer um comentário idiota do tipo "Tá boa, Santa?"
 
Particularmente acho o nacionalismo e vários outros “ismos” uma grande merda, uma tornozeleira mental, boa apenas para acorrentar no mesmo curral quem se identifica com isso. Mas não estou tentando convencer ninguém, pois meu negócio é apenas registrar no blog que alguns iluminados da década de 1930 tentaram substituir o Papai Noel por um produto nacional de péssimo gosto e horrivelmente projetado. Como assim? Mesmo que pareça uma piada de standup ou da “Praça é Nossa”, o “bom velhinho” nacional seria o “Vovô Índio”!
 
Não ria, pois é verdade. Eu já tinha ouvido falar nessa babaquice, mas imaginava que fosse só mais um fruto da cabeça insana dos integralistas. Mas estava enganado. Segundo a reportagem de Edson Veiga, “Há 90 anos, Vovô Índio era a tentativa brasileira de destronar Papai Noel”. A seguir, alguns trechos que extraí da reportagem (muito boa, diga-se. O link para sua leitura completa está disponível no final).
 
'“Vovô Índio e as crianças” foi chamada de capa do jornal O Globo em 24 de dezembro de 1932, com o registro de que a figura havia sido a responsável pela entrega de presentes em uma escola municipal carioca.
O mesmo jornal, em 28 de novembro, havia publicado um verdadeiro manifesto em defesa do Vovô Índio — sob o título "Vamos fazer um Natal brasileiro?" — e, em 20 de dezembro, uma declaração de guerra ao bom velhinho — "Pela deposição de Papai Noel" era o nome do texto.
 
Com contornos de lenda e sem constar de jornais da época, mas apenas de histórias publicadas décadas mais tarde sobre o assunto, o mais famoso desses episódios pode ter ocorrido há exatos 90 anos, no Natal de 1931, quando o presidente (Getúlio Vargas) teria sido anfitrião de um evento natalino para apresentar o Vovô Índio para a criançada em um estádio do Rio.
Segundo esses relatos, a plateia não aprovou a ideia de receber presentes de um homem vestido de tanga e com cocar na cabeça — a preferência recaía sob o internacional Papai Noel.
 
Se as tentativas de fazer o Vovô Índio emplacar no imaginário nacional datam dos anos 1930, não se sabe exatamente a origem do mito.
O que se sabe é que sua versão mais bem-acabada terminou divulgada por obra de simpatizantes do integralismo, movimento nacionalista que ficou conhecido como uma espécie de fascismo brasileiro.
"Houve um grande esforço da intelectualidade nacionalista brasileira, principalmente uma intelectualidade de direita dos anos 1930, no sentido de criar essa fábula do Vovô Índio como contraponto ao Papai Noel", diz o historiador Leandro Pereira Gonçalves, professor na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de, entre outros, O Fascismo em Camisas Verdes: do Integralismo ao Neointegralismo.
Ele contextualiza, contudo, que se a simbologia nacional era muito importante ao movimento integralista, ele não foi criado pelos integralistas — foi, sim, utilizado por seus militantes.
"Para os integralistas, o Papai Noel era uma influência ianque. O Vovô Índio representava o caboclo, o cara que estava no mato como o brasileiro, essencialmente brasileiro", comenta Doria.
"É o resultado da busca que todo fascismo tem pela visão idealizada do que é o seu povo."
"Ele, assim, se consolidou na AIB e foi adotado por Getúlio [Vargas] porque fazia sentido de acordo com essa visão", acrescenta.
 
Gonçalves lembra que, afinal, "o movimento integralista é cristão, tem sob lema 'Deus, Pátria e Família'".
"O debate da simbologia natalina realmente presente no integralismo brasileiro não é necessariamente o Vovô Índio, mas a valorização do nascimento de Jesus", argumenta o historiador.
Ao mesmo tempo, os integralistas sempre ironizavam a figura do Papai Noel, considerando-a incompatível com o Natal de verão brasileiro.
"O Vovô Índio ficou reservado ao aspecto de uma intelectualidade, da utopia do militante nacionalista em busca de uma alternativa ao capitalismo", comenta o historiador.
 
Pois é, o que dizer dessa idiotice sem ofender a memória daqueles que a criaram ou defenderam? Uma coisa é certa: um “bom velhinho” a distribuir presentes vestindo apenas tanga (cueca também, provavelmente) e cocar só corrobora meu sentimento atual. Para mim, esse negócio de dar presente no Natal é programa de índio.

 

https://www.bbc.com/portuguese/geral-59754485

 

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