terça-feira, 14 de dezembro de 2021

COM A AVÓ ATRÁS DO TOCO

 
Hoje acordei meio emburrado, com a cachorra, com a macaca, mal humorado, enfezado, com a avó atrás do toco. Não adianta me perguntarem o que minha avó fez ou faria atrás do toco nem que toco é esse. Só sei que minha mãe usava essa expressão, provavelmente surgida em um tempo onde se cozinhava à lenha. Talvez por isso, por ter acordado assim, meio puto da vida, na maior lenha, resolvi encher o saco de alguém, dar umas dicas, jogar algumas palavras ao vento. Quais palavras? Pô, já está difícil começar esta gororoba e você(s) já quer(em) saber de que se trata?
 
Resolvi (à falta de coisa melhor para fazer) jogar uma luz no tema “Eu gosto de escrever”. Para começar, vou contar um caso de que já falei aqui no blog. Meu pai tinha ótimos “causos” de sua infância e juventude, mas na idade em que estou aparecem os tiques e as manias (creio que sem querer querendo, acabei escrevendo um verso da música Bijuterias, de João Bosco e Aldir Blanc!). Rebobinando a fita (bons tempos do cassete e das fitas VHS!), o que quis dizer é que na idade em que estou essas lembranças saborosas já estão muito, muito esmaecidas. Mesmo assim, vamos ao caso.
 
No início do século XX a família de meu pai ainda morava em São José dos Oratórios, então um distrito de Ponte Nova. Não consigo imaginar o que isso significava, apenas suponho que deveria ser um povoado com ruas empoeiradas e sem calçamento, ocupadas apenas por carroças, algumas bicicletas, charretes e gente andando a pé ou a cavalo. Muito bem. Meu avô era dono de um armazém “de secos e molhados” e, segundo ironizava meu pai, era a terceira pessoa em importância no distrito, atrás apenas do padre e do delegado. Provavelmente graças a essa importância e ao tamanho “minimalista” do lugar, meus avós deviam conhecer e se relacionar com muitas pessoas.
 
Um desses amigos era um sujeito simplório que gostava de exibir “cultura” e utilizar palavras “difíceis” para impressionar aqueles caipiras sem instrução. Por isso, sempre entrando pela casa da minha família sem bater à porta, às vezes chamava por minha avó exclamando “Ô Vitaras! Quedis ela?” Entendeu? Traduzindo: “Ô Vita! Que é dela?” (ou “Onde ela está?”). Pois é... Acontece que minha avó se chamava Vitalina – ou Vita, para conhecidos e parentes. Menos para o amigo “erúdito” que insistia em chamá-la de "Vítaras”. Provavelmente devia achar que o uso de palavras proparoxítonas, “difíceis” e de sonoridade sofisticada que inventava ou deformava davam a ele o status de homem culto e íntimo das belas letras. E esse é o ponto de partida (e quase de chegada) deste texto.

Mesmo que muitas vezes o faça de maneira discreta e silenciosa, na moita, eu sigo e acesso vários blogs, leio seus posts e os comentários de outros leitores. Em alguns casos os comentários são mais divertidos ou interessantes que o próprio post que os motivou. E o que às vezes percebo é que alguns blogueiros ignoram ou desprezam a existência ou uso dos corretores de ortografia. Esta é a primeira dica que dou: jamais deixem de usar um corretor de ortografia antes de publicar aquele texto que te emocionou ou deixou feliz. Só isso já evitaria a maioria dos erros (não são muitos) que identifico de vez em quando nos blogs que acesso (no Blogson também). Minha mulher tem um parente que escreve bem, tem boas ideias e as publica no Facebook, mas vira e mexe pisa no tomate, tropeça na concordância, usa "mau" no lugar de "mal", etc. Apesar disso, seus dois mil amigos adoram babar no seu ovo.

A outra dica, talvez a mais importante, é esta: evitem utilizar vocabulário com que têm pouca ou nenhuma intimidade. A escrita tem alguma semelhança com o costume de ficar só de cuecas dentro de casa: você não deve andar assim se não tiver total intimidade com os outros moradores (foda é quando a campainha toca). Como isso aqui não é um desfile de trajes íntimos voltemos à raia principal.

Se quiserem usar alguma palavra mais sofisticada, menos usual, recorram ao dicionário, à internet, para ver exemplos de frases contruídas com esse vocabulário. Textos recheados de palavras e expressões cultas, “difíceis”, desconhecidas ou pouco utilizadas não são sinônimos de boa literatura, de leitura agradável. Se assim fosse, o arrazoado que se lê nos processos e sentenças judiciais faria seus ininteligíveis autores candidatos permanentes ao Nobel de Literatura.
 
Talvez o escritor que eu mais admire seja o Rubem Braga. E o motivo é a sofisticada e aparente simplicidade de suas deliciosas crônicas. Nada ali é artificialmente encaixado. Todas as palavras utilizadas, das mais simples às mais refinadas ou “cultas” parecem ter sido criadas exclusivamente para seu uso, tão fluida e elegante é sua escrita.
 
E acho que esse é o segredo a se buscar sempre. A língua portuguesa possui quatrocentas mil palavras, mas você só precisa de cinco a dez mil para conversar fluentemente. Para que inventar neologismos desnecessariamente? De vez em quando eu invento alguns, mas só para fazer piada e sempre entre aspas. Afinal, Joões Guimarães Rosas e James Joyces são poucos, são raros. Por isso, escrevam, escrevam para entreter, para encantar, não para impressionar. E leiam, leiam muito, que é a mais agradável forma de aperfeiçoar o português. Acho que é isso. 

Quem diria, heim, Jotabê? Posando de professor, logo você! Só que não, mané, você é apenas mais um aluno - e dos piores,  pois escreveu tanto e tão mal que a paciência dos leitores deve ter ido embora, sumido "atrás do toco". Será? Ô Vítaras! Quedis ela?

3 comentários:

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