Você pode se alegrar ou lamentar profundamente
as decisões que tomou ou que tomaram por você. Este texto mostra as que poderiam ter alterado
radicalmente o curso dos acontecimentos, que poderiam prolongar por dias, meses
ou até anos a vida da minha amada Lily. Agora, enquanto escrevo isto, sua
expectativa de vida se resume a poucos dias. Não tenho como expressar minha dor
quando me imagino viúvo ainda no final deste ano. Mas poderia ser diferente,
tão diferente!
Tudo começou quando éramos recém-casados.
Depois de voltarmos da lua de mel uma alergia absurda se manifestou, deixando
seu corpo e principalmente as axilas, como se tivesse ficado um dia inteiro se
bronzeando sem protetor solar.
Fomos a um dermatologista velhíssimo com que
eu já tinha consultado, e ele foi taxativo:
- A
senhora tem alergia de contato, alergia a perfumes.
- O
senhor está enganado, eu não tenho alergia a perfume.
- Enganada
está a senhora, a senhora não tinha alergia, agora tem.
Pediu para fazer um teste de alergia e receitou
um medicamento manipulado, “do tempo de nossas avós”, e a vermelhidão e prurido
acabaram. Realizado o teste, descobrimos que além do perfume, ela era alérgica
a amoxilina, sulfa, iodo e a... clara de ovo!
E essa clara de ovo indica a primeira escolha
errada, pois depois de evitar durante algum tempo, ela voltou a comer ovo
frito, cozido e omelete. Nunca teve reação. Isso a levou ao próximo equívoco,
pois nunca mais aceitou fazer novo teste antialérgico.
Por ter descoberto na menopausa ser portadora
de hemocromatose, doença que provoca a retenção de ferro no fígado e é
consequência da mutação de dois ou três genes (que passou para nossos quatro
filhos), passou a consultar-se com uma hematologista.
Em uma das consultas a médica disse ter
estranhado a hemoglobina muito baixa e sugeriu que fizesse alguns exames,
incluindo uma ressonância magnética. Não me lembro se chegou a fazer, mas por ter
alergia a iodo, todas as RM feitas a partir de então foram realizadas sem
contraste (ah, que falta fez um novo teste antialérgico!).
Isso impediu que se detectasse ainda no
princípio o câncer de fígado que a acometeu. Poderia ser curado? Sim. Poderia
ser operado? Sim. Infelizmente, só ficamos sabendo desse câncer já com
metástase no quadril, quando ela não conseguiu mais andar, tal a dor que sentia na perna.
Já tinha se transformado em incurável e sem chance de operação ou transplante.
Novo equívoco: todos os médicos diziam que
ela precisava andar, mas ninguém se lembrou de que a dor deveria ser suprimida,
talvez com remédios potentes, para que ela não parasse de andar. Infelizmente,
não foi o que aconteceu e a atrofia muscular, a perda de massa magra tornou-se
quase irreversível.
Mas não acabou ainda. Para tentar cicatrizar
uma ferida no quadril (que nunca cicatrizou!), o tratamento oncológico foi
suspenso durante oito meses. O remédio agora via oral não surtiu mais efeito. E
chegamos ao último equívoco:
Na terceira internação para corrigir o nível
de sódio e etc. e tal, o exame de RM do quadril sugerido/pedido por um médico
amigo, com experiência de onze anos em CTI, não foi feito. A explicação dada é
que por necessitar ser realizado sem contraste (ah, que falta fez um novo teste
antialérgico!) e com sedação, o risco dela morrer durante o exame era alto.
Mas quem fez a solicitação queria saber o que
há dentro do osso da perna: câncer ou infecção?
Se fosse câncer, não haveria mais o que
fazer. Se fosse infecção, uma punção seria realizada e drenado todo o pus. Mas
os médicos do hospital (talvez querendo tirar o cu da reta) optaram por não
fazer nada – exceto selecionar as melhores bactérias para atuar no corpo da
minha amada, pois deram um antibiótico potente por poucos dias. E a “janela de
tempo” para tentar uma sobrevida de mais algumas semanas se fechou para sempre.
Dentro de sete ou pouco mais dias eu estarei viúvo, sem nunca mais ela poder me
escutar dizer o quanto eu a amo.
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