domingo, 7 de dezembro de 2025

TRISTEZA NÃO TEM FIM

 
Você pode se alegrar ou lamentar profundamente as decisões que tomou ou que tomaram por você. Este texto mostra as que poderiam ter alterado radicalmente o curso dos acontecimentos, que poderiam prolongar por dias, meses ou até anos a vida da minha amada Lily. Agora, enquanto escrevo isto, sua expectativa de vida se resume a poucos dias. Não tenho como expressar minha dor quando me imagino viúvo ainda no final deste ano. Mas poderia ser diferente, tão diferente!
 
Tudo começou quando éramos recém-casados. Depois de voltarmos da lua de mel uma alergia absurda se manifestou, deixando seu corpo e principalmente as axilas, como se tivesse ficado um dia inteiro se bronzeando sem protetor solar.
 
Fomos a um dermatologista velhíssimo com que eu já tinha consultado, e ele foi taxativo:
- A senhora tem alergia de contato, alergia a perfumes.
- O senhor está enganado, eu não tenho alergia a perfume.
- Enganada está a senhora, a senhora não tinha alergia, agora tem.
 
Pediu para fazer um teste de alergia e receitou um medicamento manipulado, “do tempo de nossas avós”, e a vermelhidão e prurido acabaram. Realizado o teste, descobrimos que além do perfume, ela era alérgica a amoxilina, sulfa, iodo e a... clara de ovo!
 
E essa clara de ovo indica a primeira escolha errada, pois depois de evitar durante algum tempo, ela voltou a comer ovo frito, cozido e omelete. Nunca teve reação. Isso a levou ao próximo equívoco, pois nunca mais aceitou fazer novo teste antialérgico.
 
Por ter descoberto na menopausa ser portadora de hemocromatose, doença que provoca a retenção de ferro no fígado e é consequência da mutação de dois ou três genes (que passou para nossos quatro filhos), passou a consultar-se com uma hematologista.
 
Em uma das consultas a médica disse ter estranhado a hemoglobina muito baixa e sugeriu que fizesse alguns exames, incluindo uma ressonância magnética. Não me lembro se chegou a fazer, mas por ter alergia a iodo, todas as RM feitas a partir de então foram realizadas sem contraste (ah, que falta fez um novo teste antialérgico!).
 
Isso impediu que se detectasse ainda no princípio o câncer de fígado que a acometeu. Poderia ser curado? Sim. Poderia ser operado? Sim. Infelizmente, só ficamos sabendo desse câncer já com metástase no quadril, quando ela não conseguiu mais andar, tal a dor que sentia na perna. Já tinha se transformado em incurável e sem chance de operação ou transplante.
 
Novo equívoco: todos os médicos diziam que ela precisava andar, mas ninguém se lembrou de que a dor deveria ser suprimida, talvez com remédios potentes, para que ela não parasse de andar. Infelizmente, não foi o que aconteceu e a atrofia muscular, a perda de massa magra tornou-se quase irreversível.
 
Mas não acabou ainda. Para tentar cicatrizar uma ferida no quadril (que nunca cicatrizou!), o tratamento oncológico foi suspenso durante oito meses. O remédio agora via oral não surtiu mais efeito. E chegamos ao último equívoco:
 
Na terceira internação para corrigir o nível de sódio e etc. e tal, o exame de RM do quadril sugerido/pedido por um médico amigo, com experiência de onze anos em CTI, não foi feito. A explicação dada é que por necessitar ser realizado sem contraste (ah, que falta fez um novo teste antialérgico!) e com sedação, o risco dela morrer durante o exame era alto.
 
Mas quem fez a solicitação queria saber o que há dentro do osso da perna: câncer ou infecção?
Se fosse câncer, não haveria mais o que fazer. Se fosse infecção, uma punção seria realizada e drenado todo o pus. Mas os médicos do hospital (talvez querendo tirar o cu da reta) optaram por não fazer nada – exceto selecionar as melhores bactérias para atuar no corpo da minha amada, pois deram um antibiótico potente por poucos dias. E a “janela de tempo” para tentar uma sobrevida de mais algumas semanas se fechou para sempre. Dentro de sete ou pouco mais dias eu estarei viúvo, sem nunca mais ela poder me escutar dizer o quanto eu a amo.

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