Às vezes, quando um dos meus filhos chegava para
almoçar, dizia brincando “Eu sou
húngaro”. Na primeira vez que ouvi isso, perguntei o significado e ele
explicou que era um jogo de palavras bilíngue com a frase “I’m hungry”, como se “hungry”
significasse “húngaro” em português. Hoje, vendo minha barriga obscena refletida no espelho, confesso ser húngaro permanentemente, o tempo todo. Depois disso já escrevi um conto (O
Estrangeiro) onde o personagem acorda falando em polonês.
Em algumas ocasiões, para assustar alguém com quem tenho pouca ou nenhuma intimidade, digo que devo sido deixado na Terra, um ET vindo de Marte. E enumero as “provas”: não bebo, não fumo, não cheiro, detesto picanha
gorda e mal passada, não assisto a jogos de futebol – nem mesmo aos jogos de copa do mundo, não curto nem ouço pagode, sertanejo ou funk. Com essas credenciais só
posso pensar que não sou mesmo deste país. Aliás, em um restaurante onde peço uma feijoada (muito boa!) servida aos sábados, nas tampas das embalagens descartáveis do meu pedido mega customizado e cheio de recomendações já vem escrito "José de Marte".
Talvez seja esse tipo de comportamento
(real!) que baratinou a cabeça de alguns leitores. Um deles comentou não saber
se eu era real. Claro que sou! Por que iria inventar um personagem para pessoas a quem desconheço? Já um conhecido mais cara de pau, depois de ouvir meu "currículo" teve a audácia de perguntar se pelo menos eu trepo. “Claro!”, foi a resposta,
logo complementada: “até a algum tempo atrás”. Fazer o que, não é mesmo?
Então, acho que não tenho muito problema em
me sentir estrangeiro em minha própria terra. E hoje cheguei à conclusão de que não sou nem de
Marte, nem polonês nem “hungarian”, pois descobri que posso ter um pé nos Países
Baixos (mas que ninguém pense que estou pisando no saco de alguém, pois
estaria desvirtuando este seriíssimo post). O que acontece é que talvez eu
tenha um pouco de DNA holandês. E suspeitei disso ao descobrir duas
características dos neerlandeses que são a minha cara.
Já disse milhões de vezes que minha forma
predileta de lazer é fazer nada, mesmo que isso horrorize o marombado Scant,
meu coach motivacional. Como ele está sumido, posso confessar sem grilo: minha
forma ideal de lazer seria fazer como os jacarés – ficar imóvel, de boca aberta
e olho vidrado, sem fazer absolutamente nada, sem pensar em nada, quieto e
imóvel como um jacaré ao sol.
Outra coisa que eu curto demais é fazer jogos de palavras ou transformar
nomes próprios em verbos. Até já fiz um post sobre isso. E agora, saca só estes
trechos de uma reportagem lida na BBC News Brasil:
Niksen é
uma tendência de bem-estar holandesa que significa "não fazer nada".
Ela chamou a atenção do mundo como uma forma de gerenciar o estresse ou se
recuperar do esgotamento mental e físico.
Linguisticamente, niksen (não
fazer nada) é um verbo criado a partir de niks, que significa
"nada".
Ele se
encaixa na tendência da língua holandesa de criar verbos a partir de
substantivos.
Outros
exemplos são de voetbal (futebol) a voetballen (jogar
futebol), de 'internet' a internetten, de 'Whatsapp' a whatsappen.
Agora, depois de ler essa reportagem, posso dizer tranquila e serenamente:
- I’m Dutch, Donald Dutch.
E se alguém quiser ler a reportagem na
íntegra, o link é este:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/clw9yd8w953o
- I’m Dutch, Donald Dutch.
No português, não daria muito certo. O fazer nada viraria nadar. Só de pensar já me dá preguiça. Ainda mais nesse frio.
ResponderExcluirPensei em uma alternativa que talvez pegasse o espírito da coisa; "nadesejar" - nada desejar ou desejar nada.
ExcluirEu não sei desenhar, eu tenho ideiasmas não consigo transformá-las em desenhos aceitáveis. Um sobrinho disse que eu faço "dezenhos" (os desenhos do Zé) e um filho disse que meus "dezenhos" lembram pinturas rupestres de tão toscos.
ResponderExcluirUai, Carl, não sabia que eu tinha caído no seu radar! Fico honrado e agradecido por sua visita.
ResponderExcluir