sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

PARABÉNS E PÊSAMES

Não sei precisar o ano exato, mas foi entre 2012 eu 2015 que o poeta Ferreira Gullar deu uma entrevista à revista VEJA. Gostei tanto que copiei a entrevista na íntegra (eu era assinante). Em determinado momento da entrevista disse o seguinte:

“É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento”.

É bom deixar claro que ele falava do triunfo do capitalismo sobre o comunismo, mas não o exaltava, apenas aceitava ser esse triunfo uma “fatalidade”:

 “Não acho que o capitalismo seja justo. O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós”.

Essas frases vieram à minha mente ao ler notícias sobre a epidemia de coronavírus na China. Fiquei triste ao pensar que o país que construiu um hospital em apenas 10 dias é o mesmo que advertiu um médico por sua “conduta alarmista e ilegal” simplesmente por alertar seus colegas sobre os riscos de infecção do novo vírus.

Para mim, dois exemplos acabados de autoritarismo: no caso do hospital foi uma ação do tipo “faça e faça rápido!”, sem licitação, sem entraves burocráticos. Já no caso do médico, um burocrata encastelado no poder provavelmente entendeu que divulgar uma notícia preocupante era ruim para o país e para suas próprias convicções e a ação foi “cale-se!” Quanto mais autoritarismo, menos tolerância

Essa é a conclusão simples a que se chega com a notícia da morte do primeiro médico chinês a alertar sobre a ameaça de novo surto de corona vírus na China (mesmo que o assunto não seja esse, lembrei-me do Jair, tão afeito a arroubos e rompantes autoritários, tão intolerante, tão cheio de verdades eternas e certezas inabaláveis!).

O que aconteceu? No final de 2019 um médico oftalmologista chinês teria enviado mensagens para alguns colegas falando de possíveis casos de novo surto da epidemia que castigou a China entre 2002 e 2003. Ao tomar conhecimento das mensagens autoridades chinesas teriam desconfiado do seu alerta, chegando inclusive a enviar uma carta de advertência ao médico, reclamando de sua “conduta alarmista e ilegal” de “espalhar rumores on line” e de “perturbar seriamente a ordem social”.

Hoje, o médico oftalmologista - de 34 anos e uma filha de 5 anos - é só parte de uma estatística das mortes causadas por essa epidemia. Parabéns pelo hospital, pêsames por mortes que poderiam ser ter sido evitadas.

9 comentários:

  1. Creio que também cheguei a ler esta entrevista do Ferreira Gullar, ou, pelo menos, trechos dela. E ele está corretissimo. A Natureza não é justa nem injusta, a justiça é um conceito abstrato (e muito do maleável) humano. A Natureza é imparcial. Indiferente. Tão-somente.

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    1. Pois é. O que sacaneou mais foi uma advertência sensata, correta ter sido tratada quase como terrorismo, etc. Um país totalitário consegue construir um hospital em dez dias (mesmo que de elementos pre-moldados) mas se sente melindrado ou ameaçado quando alguém arranha sua imagem, mesmo que o motivo seja justo e correto. Esse é o máximo pecado do autoritarismo. Mencionei o Bolsonaro porque ele e seus ministros são especialistas em confrontar de forma agressiva e até desrespeitosa aqueles que dizem verdades inconvenientes. Poluição, aquecimento global, desmatamento são tratados com desprezo e despreparo.

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  2. caraca e tá chegando no Brasil
    será um remake da gripe espanhola?
    quando até os médicos morrem tem algo de bizarro, uma quase contradição no estilo "Deus nos acuda"

    abs!

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    1. Não sei, Scant. Sou velho mas não tanto assim! Quando eu era criança surgiu no Brasil a "gripe asiática" e eu peguei, "todo mundo" pegou. Pelo que li na internet, isso ocorreu em 1957/1958 e o vírus era da Influenza (H2N2. O da espanhola era H1N1). Curiosamente, surgiu na China e saltou do pato para os humanos. Ou seja, pagamos o pato nessa história. Parece que o coronavírus é uma mutação de outro vírus que infectava só animais, mas não tenho certeza.

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    2. não cogitava que vc fosse matusalem ou outro pre-diluviano
      mas agora que o azarão falou em 2%, desisti de prestar atenção nisso

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    3. Olha o cara! Eu não sou matusalém nem pré-diluviano! Isso é intriga. Eu sou pós asteroide que acabou com os dinossauros. Estou careca de dizer que sou velho, que fiz 69 em 2019 (e, por favor, não queira saber mais detalhes). Aliás a calvicie não é tão grande assim para um sujeito que completará 70 aninhos em 07/06 (que mimoso!)

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  3. O coronavírus assusta por ser novidade, mas a sua taxa de letalidade não ultrapassou até agora os 2%, muito semelhante ao do vírus influenza, o da gripe. Ou seja, o coronavírus é "apenas" mais um vírus a se juntar aos tantos que por aí já estão. Só para lançar um dado que ouvi ontem de uma infectologista, só no estado de SP, no ano passado, mais de 800 pessoas morreram em decorrência do vírus influenza, número parecido com o atual número de mortes pelo coronavírus na China.

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    1. Eu li alguma coisa sobre isso ontem. Mas estatística é uma matéria muito interessante. Foda é quando você passa a fazer parte de uma delas.

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    2. 2%?
      grande coisa
      nem me preocupo mais
      é mais perigoso andar no RJ

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4