sábado, 22 de fevereiro de 2020

EU QUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA


Pelo que deduzi de seus comentários aqui ou em seus próprios blogs, os quatro cavaleiros do apocalipse que me seguem não curtem muito o Carnaval, ao contrário de mim. Mesmo assim, vou enfiar minha baqueta nesse tambor. Para isso, vou expandir um comentário que fiz no blog do Ozymandias (preguiça é foda!). Bora lá.

Quando eu estava entrando na adolescência, o carnaval de BH era caracterizado pelos blocos caricatos que desfilavam em cima de caminhões. Todo mundo de cara pintada, roupas coloridas (uniformes) e nomes sonoros - Bocas Brancas, Satã e seus Asseclas, Galãs do Ritmo, etc. Cada bairro tinha o seu. O desfile acontecia na avenida principal da cidade. Existiam também as escolas de samba, mas de uma indigência de dar dó. E quem quisesse brincar carnaval precisava ir a um dos muitos "bailes carnavalescos" que aconteciam em clubes e associações comerciais.

Do Rio de Janeiro chegavam notícias dos desfiles de três tipos de agremiações: ranchos carnavalescos, "grandes sociedades" e escolas de samba. Das tais "grandes sociedades” só consigo lembrar o nome de uma delas:  "Fenianos". Lembro também de ter visto na TV imagens dos ranchos carnavalescos. Mal comparados, seriam como que desfiles de escolas de samba, só que em slow motion, tudo muito lento e sem graça. Está na cara que os dois primeiros tinham tudo para sumir do mapa. E sumiram mesmo, viraram apenas história 

Depois de ter escrito esta introdução, estou me perguntando o que isso tem a ver com o carnaval de BH. Deve ser alguma associação inconsciente com a teoria da seleção natural do Darwin ou uma overdose de leite com toddy, sei lá. Por que estou dizendo isso? Para comentar a evolução dos "festejos momescos" em BH.Nada me tira da cabeça que as autoridades da capital, ainda que na base do ato falho e independente de qual partido político estava no poder, sempre desejaram acabar com o carnaval por aqui. A cada ano que passava mudavam as regras até então em vigor, estabeleciam novos horários e locais de desfile, sempre cerceando, nunca facilitando nada. Creio que o esforço máximo foi quando mandaram blocos e escolas de samba desfilar numa tal de Via  240 ou coisa parecida, já no limite do município. Quando fiquei sabendo disso, pensei: -"Agora acabou!".

Só que não, como se diz hoje. De forma tímida e meio ressabiada, bloquinhos de rua começaram a surgir à margem da política oficial. O sucesso dos primeiros foi alimentando a criação de novos blocos, com número cada vez maior de participantes. E BH passou de exportadora de foliões (pois ninguém queria ficar nesse cemitério) a importadora, com gente vindo de todos os lugares. AS escolas de samba continuam a desfilar na avenida, mas o carnaval da cidade ficou com a cara que mais me atrai: uma zona total. Segundo reportagens na TV, o público esperado para os diversos desfiles em 2020 é de cinco milhões de pessoas. 

E é aí que eu quero chegar: Como disse antes, quando eu era jovem, o carnaval era brincado em salões. Aliás, conheci minha mulher em um desses bailes Percebeu que eu disse brincado em vez de pulado? Pois é. Tudo era muito certinho, muito chatinho. No Rio as escolas de samba davam seus primeiros passos rumo ao "maior espetáculo da terra". Em BH as escolas de samba eram o que se poderia chamar de programa de índio, tal a subnutrição que exibiam (fantasias, enredo, alegorias, etc.). Sinceramente, não sei como estão hoje.

Depois de me casar, comecei a pensar na festa de Momo e cheguei à seguinte conclusão: em BH e no Rio havia três tipos de carnaval; o que acontecia em clubes era uma coisa caretíssima (tanto que praticamente nem existe mais), o carnaval das escolas de samba virou um espetáculo televisivo, uma Folies Bergère anabolizada, coisa para turista estrangeiro e gente que curte espremer a bunda em uma arquibancada. 

Mas havia uma terceira opção que eu nunca tinha sacado quando era solteiro: o carnaval de rua, espontâneo, avesso a regras e normas e que vem a ser a última festa pagã, a última orgia autorizada, onde se enfia o pé na jaca (e há todo tipo de jaca para se escolher). Só que eu descobri isso depois de casado.

Hoje em dia, "do baixo" (não posso mais falar "do alto") de meus quase 70 anos, mesmo não pulando (sou tímido pra caralho), gosto de ver a zona em que a cidade se transforma, justamente por essa visão da última orgia permitida. Gente bêbada, mijando ou vomitando na rua, homem beijando homem, mulher beijando mulher, homem beijando mulher, fantasias politicamente incorretas, de mau gosto ou extremamente ridículas, para mim tudo está valendo. Em uma época cada vez mais tediosamente correta e cheia de mau humor, curtir uma transgressãozinha aos bons modos de vez em quando faz um bem danado (mesmo que seja só em fevereiro). É isso.


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