quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

PROFESSOR PAPANADA

O título deste post é uma brincadeira com o nome do cientista Professor Papanatas, personagem da HQ "Brucutu" (Alley Oop", no original). Brucutu (que nada tem a ver com este post) era um homem das cavernas e possuía um dinossauro (Dinny) como montaria. O Professor era o cientista que criou a máquina do tempo utilizada pelo Brucutu em suas idas e vindas ao passado ou presente. Se você nunca leu nem ouviu falar sobre isso, sinto muito. Por isso, passemos ao assunto de hoje.


Eu acho que tinha 17 ou 18 anos quando entrei numa roubada, começando ali minha carreira de crimes. Crimes contra o bom senso, bem entendido. E tudo por causa de um artigo que li na revista “Seleções do Reader’s Digest”. O artigo ocupava no máximo duas páginas da revista e descrevia de forma sintética e meramente jornalística os métodos anticoncepcionais existentes então. Achei tudo muito interessante, pois nunca tinha ouvido falar nada sobre isso.

Nessa mesma época eu era amigo de uma menina completamente sem noção (talvez “brega” fosse a definição mais correta). Era muito gorda, feia, tinha os olhos meio esbugalhados como se sofresse de hipertiroidismo não tratado, ria escandalosamente e... gostava de mim (mesmo que eu nunca tenha percebido isso). Como era muito desinibida e divertida, gostava de conversar com ela (agora entra o preconceito!), mas só em sua casa, pois tinha vergonha de ser visto andando em sua companhia (alguém aí ficou chocado? Em alguns aspectos eu era – e ainda sou – bastante elitista e preconceituoso).

Pois bem, em uma de nossas conversas quase diárias, contei sobre o que tinha lido. Ela era um ou dois anos mais nova que eu e estava fazendo o “Curso Normal”, destinado à formação de professoras primárias (ou de primeiro grau). Ao ouvir minha descrição dos diversos métodos contraceptivos ficou encantada e disse que eu deveria “dar uma aula” sobre isso em sua turma. Devo tê-la chamado de doida e me recusado veementemente a cometer essa loucura. Além do mais, nenhuma professora de bom senso concordaria com uma insanidade dessas...

Bem, isso era o que eu pensava. Não sei quanto tempo se passou entre essa conversa e a notícia de que a professora tinha achado ótima a ideia da “aula”. Isso me faz pensar na confiança que pais inocentes despreocupadamente depositam nos professores de seus filhos e filhas!

Pensem bem na insensatez: um sujeito com idade entre 17 e 18 anos, saindo ou recém-saído da adolescência ser convidado a falar sobre métodos anticoncepcionais para um grupo de alunas com idade entre quinze e dezessete anos! Creio que nem o médico autista da série “The good doctor” toparia esse “desafio”. Talvez a professora fumasse orégano, sei lá.

Reclamei, reclamei, disse que isso era loucura, que não iria, mas... fui. E foi mesmo uma loucura. Nunca na minha vida tantas adolescentes tinham prestado tanta atenção em mim. E ao mesmo tempo! A sala devia ter umas vinte alunas ou mais. Mas eu estava tão sem jeito ali na frente daquelas meninas que só queria falar sobre o que tinha lido e vazar rapidinho, pondo em prática o ditado da infância de meu pai – “menino bobo é que acha canivete”. Eu estava ali com vinte ou trinta “canivetes” e não tinha a menor ideia do que fazer com pelo menos um.

O resto da história é previsível: Como até hoje acontece, “baixou um santo” na minha cabeça e a timidez sumiu. Expliquei que não tinha conhecimento nem preparo para estar ali, que só tinha lido um pequeno artigo em uma revista, mas que bla bla bla - e mandei ver. Não me lembro se fui aplaudido (provavelmente, não), a professora me agradeceu (também não sei se gostou), minha amiga achou tudo ótimo e uma de suas colegas fez mais perguntas que as demais. O resultado foi ter ganhado dessa aluna um selinho em uma festa onde nos encontramos, o que abriu para mim “as portas da percepção” e deixou minha amiga (também presente) consternada.

Depois disso, minha carreira de "crimes" contra o bom senso evoluiu e eu, um tímido congênito, continuei cada vez mais cínico e sem noção, um tilelê, um bicho-grilo sem maconha, falando e fazendo as maiores idiotices sem o menor pudor. Mas a culpa disso sempre foi do “santo”, claro.


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