Em um trecho de “As Aventuras de Tom Sawyer”, Mark Twain, descreveu a
"cena" hilariante da pintura de uma cerca da casa da tia do
protagonista. No livro, Tom Sawyer troca
o “direito” de pintá-la sozinho por frutas e quinquilharias recebidas dos
amigos. Segundo li em algum lugar, esse caso baseou-se em um fato que realmente
aconteceu com Mark Twain quando ainda garoto. Para mim, essa seria a prova de
que muitos escritores – talvez todos – transportam para sua prosa ficcional
lembranças e dados autobiográficos. Assim fizeram Fernando Sabino e Marcelo
Rubens Paiva em seus romances de estreia “O
Encontro Marcado” e “Feliz Ano Velho”,
respectivamente.
Nas tramas dos poucos “contos” ou crônicas
que tive a coragem de “cometer”, também utilizei lembranças minhas e de pessoas
próximas sem nenhum problema, sem sentir nenhum desconforto, talvez por estar
apenas contando uma história. Obviamente, obtendo resultados em níveis
abissalmente inferiores aos alcançados pelos escritores mencionados.
Imagino que contos, crônicas ou romances –
justamente pelo desenvolvimento necessariamente mais lento, por precisarem de
roteiros, enredos, diálogos e cenários mais detalhados – permitem que seus
autores tranquilamente utilizem como matéria prima sua vivência, suas
experiências pessoais e até mesmo emoções passadas.
Essa conversa esquisita, mal escrita e
aparentemente sem sentido tem a ver com os comentários surpreendentes e
extremamente elogiosos que recebi por um "poema" publicado aqui no
Blogson e – pasmem! – transcrito no blog “A
Marreta do Azarão” (o “pasmem!” é
só jogo de cena, porque ninguém além do “Marreta”
segue este blog esquisito e mal-ajambrado). Fiquei tão surpreso quanto o Mick
Jagger ao saber da morte do Jimi Hendrix. Perguntado sobre como estava se
sentindo ao saber da notícia, respondeu: "I'm stoned!" Aí tinha marketing! (aqui também).
Graças a esses comentários (feitos duas
pessoas distintas!), fiquei pensando por que escolho apresentar na forma de
“poema” alguns assuntos que resolvem invadir meu cérebro – ainda que as
“poesias” resultantes não passem às vezes de textos em prosa com frases
quebradas artificialmente para parecerem versos (disfarce de poesia para tentar
enganar um leitor mais inculto ou incauto), mesmo que não possuam nenhuma rima,
métrica ou ritmo, ou ainda que sejam versos grosseiros, mal acabados,
canhestros. Fiquei pensando na diferença entre prosa e poesia, ou entre ficção
e poema, visualizei algumas imagens para tentar justificar essa eventual opção
pela poesia, mas continuei sem ter uma explicação satisfatória para a escolha
dessa ou daquela forma.
Com a dúvida instalada, corri ao dicionário
para aprender o significado de poema e poesia. De acordo com o Aurélio, poesia é a “Arte de criar imagens, de sugerir emoções
por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados”,
enquanto um poema seria “Obra em verso ou
não em que há poesia”. Confesso que não ajudou muito. Por isso, continuei a
pesquisar na internet, encontrando uma penca de textos sobre o assunto, bem
melhores do que este que está sendo agora escrito.
Fiquei sabendo, por exemplo, que a poesia é
caracterizada “pela utilização de
recursos para expressar a linguagem de forma especial e diferente do normal, e
provoca diversos efeitos de sentido naqueles que recebem a mensagem”.
Melhorou um pouco, mas tive de perguntar de
forma explícita: “Para que serve a
poesia?” E o Google diligentemente ofereceu-me várias opções, das quais
recolhi apenas estas duas, bem próximas do meu sentimento pessoal:
Poesia serve para rasgar a alma
Serve para se colocar para fora sentimentos incontidos
Serve para transferir para as letras algo do interior
(Letícia Andrea Pessoa)
Um
poema não se faz só com palavras, faz-se com a vida, com as turbulências da
vida e da alma. (www.tirodeletra.com.br).
E foi nesse sentido que eu enganchei minha
explicação/ conclusão. Um texto em prosa é como um rio cujas águas vão
deslizando pelos meandros e curvas suaves, tranquilamente, sem sobressaltos,
serenamente. A poesia, ao contrário, lembra um rio turbulento, nervoso, com
corredeiras, as águas agitadas despencando em cachoeiras e precipícios.
Em outras palavras, o texto em prosa lembra
um arado que vai revolvendo a terra de forma metódica, enquanto a poesia lembra
alguma coisa sendo arrancada da terra à mão, no muque. Serenidade versus
explosão. Quando escolho escrever alguma coisa na forma de “poesia” (mesmo que
seja prosa disfarçada em poema), é porque alguma coisa está explodindo dentro
de mim.
Um texto em prosa é escrito de forma mais
reflexiva, usando mais a imaginação que a emoção. Você não se despe
emocionalmente para escrever um conto. A poesia, ao contrário, seria um espasmo
da alma, uma catarse. Mas precisa de um disfarce para permitir que aflorem
emoções profundas que não se mostrariam de outra forma. Por isso a utilização
de uma “linguagem de forma (tão) especial e diferente do normal”.
Dependendo do estilo adotado ou da habilidade
do autor, a poesia, o poema seriam instrumentos para arrancar com enxada ou
cortar com bisturi as emoções mais escondidas, menos confessadas. E por ser
assim, precisa se disfarçar um pouco, precisa aparentar não ser real, visceral.
Talvez a melhor imagem para a poesia seja a de uma espada de samurai com suas
formas elegantes. Pode ser pintada com cores alegres, disfarçada com arranjos
de flores, talvez, mas continua afiada e letal como a espada de samurai que
é.
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