quinta-feira, 22 de novembro de 2018

PARA QUE SERVE A POESIA?


Em um trecho de “As Aventuras de Tom Sawyer”, Mark Twain, descreveu a "cena" hilariante da pintura de uma cerca da casa da tia do protagonista. No livro, Tom Sawyer troca o “direito” de pintá-la sozinho por frutas e quinquilharias recebidas dos amigos. Segundo li em algum lugar, esse caso baseou-se em um fato que realmente aconteceu com Mark Twain quando ainda garoto. Para mim, essa seria a prova de que muitos escritores – talvez todos – transportam para sua prosa ficcional lembranças e dados autobiográficos. Assim fizeram Fernando Sabino e Marcelo Rubens Paiva em seus romances de estreia “O Encontro Marcado” e “Feliz Ano Velho”, respectivamente.

Nas tramas dos poucos “contos” ou crônicas que tive a coragem de “cometer”, também utilizei lembranças minhas e de pessoas próximas sem nenhum problema, sem sentir nenhum desconforto, talvez por estar apenas contando uma história. Obviamente, obtendo resultados em níveis abissalmente inferiores aos alcançados pelos escritores mencionados.

Imagino que contos, crônicas ou romances – justamente pelo desenvolvimento necessariamente mais lento, por precisarem de roteiros, enredos, diálogos e cenários mais detalhados – permitem que seus autores tranquilamente utilizem como matéria prima sua vivência, suas experiências pessoais e até mesmo emoções passadas.

Essa conversa esquisita, mal escrita e aparentemente sem sentido tem a ver com os comentários surpreendentes e extremamente elogiosos que recebi por um "poema" publicado aqui no Blogson e – pasmem! – transcrito no blog “A Marreta do Azarão” (o “pasmem!” é só jogo de cena, porque ninguém além do “Marreta” segue este blog esquisito e mal-ajambrado). Fiquei tão surpreso quanto o Mick Jagger ao saber da morte do Jimi Hendrix. Perguntado sobre como estava se sentindo ao saber da notícia, respondeu: "I'm stoned!" Aí tinha marketing! (aqui também).

Graças a esses comentários (feitos duas pessoas distintas!), fiquei pensando por que escolho apresentar na forma de “poema” alguns assuntos que resolvem invadir meu cérebro – ainda que as “poesias” resultantes não passem às vezes de textos em prosa com frases quebradas artificialmente para parecerem versos (disfarce de poesia para tentar enganar um leitor mais inculto ou incauto), mesmo que não possuam nenhuma rima, métrica ou ritmo, ou ainda que sejam versos grosseiros, mal acabados, canhestros. Fiquei pensando na diferença entre prosa e poesia, ou entre ficção e poema, visualizei algumas imagens para tentar justificar essa eventual opção pela poesia, mas continuei sem ter uma explicação satisfatória para a escolha dessa ou daquela forma.

Com a dúvida instalada, corri ao dicionário para aprender o significado de poema e poesia. De acordo com o Aurélio, poesia é a “Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados”, enquanto um poema seria “Obra em verso ou não em que há poesia”. Confesso que não ajudou muito. Por isso, continuei a pesquisar na internet, encontrando uma penca de textos sobre o assunto, bem melhores do que este que está sendo agora escrito.

Fiquei sabendo, por exemplo, que a poesia é caracterizada “pela utilização de recursos para expressar a linguagem de forma especial e diferente do normal, e provoca diversos efeitos de sentido naqueles que recebem a mensagem”.

Melhorou um pouco, mas tive de perguntar de forma explícita: “Para que serve a poesia?” E o Google diligentemente ofereceu-me várias opções, das quais recolhi apenas estas duas, bem próximas do meu sentimento pessoal:

Poesia serve para rasgar a alma
Serve para se colocar para fora sentimentos incontidos
Serve para transferir para as letras algo do interior
(Letícia Andrea Pessoa)

Um poema não se faz só com palavras, faz-se com a vida, com as turbulências da vida e da alma. (www.tirodeletra.com.br).

E foi nesse sentido que eu enganchei minha explicação/ conclusão. Um texto em prosa é como um rio cujas águas vão deslizando pelos meandros e curvas suaves, tranquilamente, sem sobressaltos, serenamente. A poesia, ao contrário, lembra um rio turbulento, nervoso, com corredeiras, as águas agitadas despencando em cachoeiras e precipícios.

Em outras palavras, o texto em prosa lembra um arado que vai revolvendo a terra de forma metódica, enquanto a poesia lembra alguma coisa sendo arrancada da terra à mão, no muque. Serenidade versus explosão. Quando escolho escrever alguma coisa na forma de “poesia” (mesmo que seja prosa disfarçada em poema), é porque alguma coisa está explodindo dentro de mim.

Um texto em prosa é escrito de forma mais reflexiva, usando mais a imaginação que a emoção. Você não se despe emocionalmente para escrever um conto. A poesia, ao contrário, seria um espasmo da alma, uma catarse. Mas precisa de um disfarce para permitir que aflorem emoções profundas que não se mostrariam de outra forma. Por isso a utilização de uma “linguagem de forma (tão) especial e diferente do normal”.

Dependendo do estilo adotado ou da habilidade do autor, a poesia, o poema seriam instrumentos para arrancar com enxada ou cortar com bisturi as emoções mais escondidas, menos confessadas. E por ser assim, precisa se disfarçar um pouco, precisa aparentar não ser real, visceral. Talvez a melhor imagem para a poesia seja a de uma espada de samurai com suas formas elegantes. Pode ser pintada com cores alegres, disfarçada com arranjos de flores, talvez, mas continua afiada e letal como a espada de samurai que é.


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