quarta-feira, 25 de outubro de 2017

BOLOGÉTICA

DE 1980 a 1993 tive a sorte, o prazer e a honra de poder conversar quase diariamente com meu amigo e colega Luis Felipe, o Pintão, um sujeito agradabilíssimo, extremamente culto, bom de papo e com idade para ser meu pai. Os assuntos eram variados e divertidos, pois ele era um leitor voraz de livros, revistas científicas e jornais, além de ter uma história de vida bem pouco convencional para um engenheiro. Por isso, sempre vinha com alguma novidade. Conversávamos despreocupadamente, alheios às atividades que estivéssemos realizando. Gastávamos parte do dia útil divertindo-nos com cultura inútil. Às vezes o assunto era religião, coisa que sempre me entusiasmava. Ele, um ateu convertido ao catolicismo, era sereno e tranquilo em suas ponderações e opiniões, sem ser doutrinário. Era também “irmão leigo” da ordem dos dominicanos, tal a profundidade de sua fé.

Um dia comentou sobre “apologética”, coisa de que nunca tinha ouvido falar. Segundo ele, em seu período de conversão, um frade dominicano emprestou a ele um livrão para consulta e estudos. O título era “Apologética” ou, no português atropelado pelo frade alemão, “Bologética”.

Achei graça da história e perguntei de que se tratava. Segundo meu amigo (assim entendi na época - e nunca procurei saber mais), “bologética” seria um embasamento lógico e teórico para a fé. As explicações que deu me fizeram pensar em uma espécie de geometria euclidiana da fé, em uma geometria religiosa (ou religiosidade "euclidiana"), pois partia de um enunciado básico, aceito como verdade absoluta, pétrea, e daí desenvolvia-se toda uma teoria (não sei se é essa a palavra correta) lógica e racional, à semelhança dos axiomas e postulados euclidianos. Imagino que o primeiro “postulado” seria “Deus existe”. A partir daí, todo um cenário se descortinava e era explicado.

Bom, por que estou falando disso? Justamente por ter lido “Sapiens”, um livro incrível e – para minhas crenças – muito perturbador, apesar de excelente. Para mim, que já disse centenas de vezes precisar mais de Deus que Ele de mim, foi duro mastigar as informações e a lógica poderosa do autor. Depois da leitura desse livro, poderia ter-me tornado ateu – e esta é uma questão ainda não resolvida em minha mente –, mas resolvi juntar os cacos da minha crença, colar e organizar o que sobrou de minha fé. Ou seja, resolvi criar minha própria "bologética", mesmo que isso seja risível, ainda que eu possa ser motivo de pena, escárnio ou chacota para muita gente.

Mas não quero listar no Blogson as crenças que restaram. Não por me envergonhar disso, mas por terem se transformado em sentimentos muito íntimos e pessoais. Mas dou uma pista: não sei se foi Lavoisier o autor desta frase (ou algo parecido com ela): "Não posso imaginar um relógio sem que haja um relojoeiro". Minhas limitações culturais e de conhecimento formal levam-me a concordar com esse pensamento.

Foi meu amigo Pintão que chamou minha atenção para a descrição poética e bastante razoável do Big Bang, contida no Gênesis: "A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz foi feita." Sinceramente, eu gosto muito dessa ideia de cinco mil anos: "Fiat Lux!" Se houver um dia uma explicação lógica, uma teoria consistente que me convença e que explique a origem do Big Bang, ou melhor, o milionésimo de segundo antes, eu revirarei tudo de novo em minha mente. Até lá, para mim, este é o primeiro postulado do que sobrou: "Deus" estaria no "antes" do Big Bang.

Coerente com esse raciocínio (ou com a falta de), o que posso dizer é que continuo a acreditar em Deus - o que quer que Ele signifique. Mas, certamente, não mais no Deus dos judeus, dos muçulmanos, dos evangélicos e do Antigo Testamento. O Novo Testamento é uma boa medida do Deus em que quero e continuo a acreditar. Lembrando: eu preciso mais de Deus que Ele de mim. E basta por hoje.
  




  

3 comentários:

  1. Essa sacada do seu amigo Pintão, a tive também há tempos. Faça-se a luz. A grande explosão. O início do espaço-tempo. A hipótese (e não teoria) do Big Bang é o grande dogma da ciência. Não pode, evidentemente, ser demonstrado. Se crermos nele, tudo, daí em diante, se explica e se demonstra (o que não significa que sejam verdades, mas são demonstráveis). Se não crermos no Big Bang, na tal da singularidade, o Universo volta (se é que um dia deixou de ser)uma incógnita.
    O Big Bang é o capítulo Gênesis da ciência.
    Quanto ao blá-blá-blá do relógio e do relojoeiro, já li tal frase sendo atribuída a Voltaire.

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    1. Veja bem, eu sou 100% a favor do Big Bang. O que pega para mim não é a "Singularidade", mas o antes dela. Minha mente é limitada e não sou físico teórico. Por isso, talvez misture crenças com teorias. O que existia antes do Big Bang? Eu sei que esta é uma pergunta que já nasce sem resposta. Por isso mesmo, minha mente insere a ideia de "Deus" como o deflagrador da zorra toda. Eu sei que esse conceito pode ser tão irracional quanto qualquer outra resposta para o pré- Singularidade. Para mim, entretanto, é inaceitável simplesmente dizer que não havia nada. Eu sou finito, miseravelmente finito. Por isso, pensar em infinito é como tentar imaginar como seria se vivêssemos na quarta ou quinta dimensão. Não tenho cérebro para isso. Assim, mesmo que possa ser uma simplificação, um reducionismo ou uma idiotice, eu preciso colocar "Deus" lá, pois eu preciso crer que ele existe, me faz bem pensar que Ele existe. Talvez para você e para meu filho isso não seja importante, mas para mim é. O "Fiat Lux" é uma imagem apenas poética e bem sacada, ainda mais se pensarmos que alguém a teve há cinco, seis mil anos, sei lá. Finalizando, fui conferir a frase do relógio e parece que é mesmo do Voltaire, tido como a mente mais brilhante de seu tempo e, parece, ateu. Vá saber o motivo de ter dito isso! Para mim, é uma ótima frase, não só pela elegância e concisão, mas por expressar minha crença. Enfim, como já disse antes a meu filho ateu, a única certeza que existe é que um de nós está equivocado. E talvez nunca possamos saber, ter certeza absoluta qual dos dois. A única coisa que sei é que ele é mais inteligente que eu.

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    2. possivelmente, mais inteligente que nós dois,juntos e somados. Perguntar o que havia antes da singularidade, equivale, acredito, em perguntar, quem criou Deus antes dele criar tudo, quem é o Deus de Deus?
      Um de vocês está equivocado? E por que os dois não podem estar certos? Ou, o mais provável, por que não os dois estarem errados?

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