Achei que já tinha contado essa história no
Blogson, mas parece que me enganei. Por isso, vamos lá: nunca tive sofisticação
intelectual suficiente para gostar de música erudita (ou “clássica”, como eu
dizia antes). Por isso, tirando umas obras mais manjadas, daquelas tocadas em
casamentos e assemelhados, nunca me interessei por isso. Ou melhor, até pensei
em ouvir, mas sabia que seria uma tarefa árdua demais para o tempo de lazer de que
dispunha.
No fim da década de 1970, ainda praticamente
recém-casado, lembro-me que a Globo transmitia nas manhãs de sábado um programa
dedicado à divulgação da música erudita, com o nome de “Concertos para a Juventude”. Sempre passei batido, até
que um dia, não sei mais por qual motivo, ouvi um som magnífico enquanto girava
o seletor de canais. Voltei o seletor e fiquei ouvindo e vendo uma orquestra em
que o maestro, sentado ao piano, ora regia, ora “esmerilava” o teclado. E
fiquei ouvindo aquele som bonito e diferente, até que, em determinado momento,
a orquestra toca uma melodia lindíssima que parecia não se encaixar no restante
da música. Fiquei fascinado e ligadíssimo para saber que música divina era
aquela.
Para resumir, era “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin, interpretado por uma
orquestra regida pelo pianista-maestro Leonard Bernstein. Depois disso,
procurei e achei um vinil com essa música, interpretada justamente pelo
maestro-pianista. Não tive dúvida, comprei na hora. O que posso dizer é que já
ouvi essa música algumas dezenas de vezes (mas nunca consigo reproduzi-la na
mente).
Recentemente descobri que a tal apresentação da série “Concertos para a
Juventude” está no Youtube. Por isso, resolvi compartilhar com meus dois
leitores esse som incrível (fica aqui a dica: a melodia lindíssima começa aos dez minutos e quarenta segundos do vídeo). Para dar um pouco mais de diversão, escaneei a
contracapa do vinil, onde é contada a história de como essa obra surgiu. É o
texto apresentado a seguir. Infelizmente, não sei o autor, mas é muito legal.
Olhaí:
“Whiteman Judges
Named" (Nomeados os Juízes do Whiteman), dizia uma pequena nota na página
de diversões da Tribune de Nova York de 4 de janeiro de1924. "O Comitê decidirá O que é Música Americana",
dizia o subtítulo. A matéria começava: "Entre os membros do comitê de
juízes que estarão no What Is American
Music? do concerto de Paul Whiteman a ser realizado no Aeolian Hall,
terça feira à tarde, 12 de fevereiro, estarão Sergei Rachmaninoff, Jascha
Heifetz, Efrem Zimbalist e Alma Gluck... Essa questão do que é precisamente
música americana.tem suscitado enorme interesse nos círculos musicais e Mr.
Whiteman está recebendo toda espécie de manuscritos, de blues a sinfonias.
George Gershwin está trabalhando em um concerto de jazz...”
A nota foi lida para
George Gershwin por seu irmão Ira. O compositor estava nos retoques finais do
preparo da partitura para o musical da Broadway Sweet Little Devil para seu lançamento em Boston. Ele se
lembrou de ter conversado com Paul Whiteman sobre um proposto, eventual concerto
de jazz para o qual ele produziria uma peça longa, uma composição séria
utilizando fórmulas e ritmos do jazz. Agora, porém, a data de concerto estava
subitamente apenas cinco semanas adiante.
Antes de partir para
Boston e tratar de Sweet Little
Devil, Gershwin procurou Paul Whiteman e este lhe fez ver que produzindo
apenas uma peça para piano ele poderia atender em tempo à encomenda. Pois
Whiteman tinha à mão, como seu arranjador, o maior profissional nesse campo,
Ferde Grofé.
No trem para Boston,
com uns poucos temas fixados em sua mente para, possível uso, Gershwin se pôs a
organizar a peça. "Foi no trem", disse ele mais tarde, "com seus
ritmos de aço, sua orquestra barulhenta... (frequentemente ouço música no
próprio coração do ruído) que de repente ouvi – até vi no papel – toda a construção
da Rapsódia, do começo ao fim. Não me vieram novos temas, mas trabalhei no
material temático que já estava 'na minha mente e tentei conceber a composição
como um todo... Quando cheguei a Boston, tinha o plano definido da peça,
definido em sua real substância".
A real substância foi
reunida e arrumada na sala de trabalho do apartamento de Gershwin em Nova York,
na Rua 110,quando ele voltou de Boston. Foi esboçada para dois pianos, deixando
grandes espaços vazios para quando o piano solista devesse atuar sem acompanhamento.
Grofé estava aí mesmo, pegando o manuscrito à medida que ia sendo completado,
uma seção cada vez, e rapidamente fazia a orquestração.
Gershwin fez algumas
indicações da instrumentação que tinha em mente, mas não indicava os
instrumentos o músico ou músicos de Whiteman para esta ou aquela passagem!
O clarinetista Ross
Gorman podia tocar um fabuloso glissando onde
outros não poderiam, e as notas iniciais foram concebidas tendo em mente suas
especiais habilidades. Embora a obra tenha sido descrita como "para jazz
band e piano", a banda de Whiteman era, mais, uma grande orquestra de
dança formada de elementos que possuíam fundamentos de jazz e não raro tinham
pela frente carreiras de sucesso como músicos de jazz individualmente.
O título final foi dado por Ira. Na tarde do
concerto George ainda não tinha acrescentado a parte completa do piano mas,
apesar disso, tocou com perfeita calma diante das páginas ainda em branco.
A Rapsódia veio depois do último dos
vinte e três números do programa. Como Whiteman não tinha a partitura completa,
devia esperar que Gershwin lhe desse a deixa para trazer de volta a orquestra
depois das passagens de solo. Contudo, tudo saiu bem e animou o público, que
começara achando que este concerto experimental teria apenas interesse educativo.
"O
concerto", escreveu Carl van Vechten a Gershwin dois dias depois, "em
verdade foi o que se poderia dizer um extravagante tumulto; você o coroou com o
que sou forçado a considerar como o mais importante esforço sério de um
compositor americano. Vá em frente e você deixará toda a Europa atônita."
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