Não se foi em 1964 ou 1965 a única vez em que
fui obrigado a participar do desfile de sete de setembro (1965, provavelmente).
Algum fodão (provavelmente militar graduado) deve ter baixado a ordem de que
TODOS os ginásios e colégios eram obrigados a participar desse desfile (porque
será, não é mesmo?). Foi um corre-corre dos diabos para comprar instrumentos de
percussão (uns três, talvez), treinar a meninada a marchar de forma coordenada
e no ritmo, etc. A boate em que eu estudava fez o que era possível.
Com
exceção de umas barangas vestidas com malhas colantes (essa era a melhor parte)
e fazendo evoluções com bastões e bambolês, o resto da cambada vestia o
uniforme de todos os dias: calça de brim cáqui e camisa branca de manga curta.
O diferencial ficou por conta dos sapatos, que deveriam ser de couro, de
amarrar e na cor preta.
Eu não tinha esses sapatos. A solução foi
pedir um par emprestado a um dos meus primos ricos. Não emprestaram,
simplesmente me deram, pois já não serviam neles mesmo. Eu sei que a cavalo
dado não se olham os dentes, mas sapatos deveriam merecer uma atenção um pouquinho
melhor. Como um dos saltos estava meio bambo (era pregado, não colado), dei umas marteladas
nele, uma engraxada básica, uma lustrada e pronto.
No glorioso dia aprontei-me e enfiei nos pés
aqueles sapatos cambaios e ligeiramente
apertados. Antes mesmo do início do desfile os dedos dos pés já estavam
anunciando os próximos passos (boa essa!). Não havia o que fazer. E o velho
Afonso Arinos começou seu desfile. À medida que fomos marchando pela interminável,
infinita Avenida Afonso Pena, os dedos - ligeiramente curvados para caber
dentro dos sapatos – começaram a doer muito, pois os “nós” dos artelhos estavam
sendo friccionados contra o couro.
Além disso, graças à batida mais forte dos
pés no chão, comecei também a sentir a ponta do prego de um dos saltos ferindo
a sola do calcanhar, justamente aquele que eu tinha martelado. Mas essa era a
menor dor.
Resumindo: quando o desfile acabou,
arrastei-me até o ônibus que nos conduziria de volta ao colégio. De lá para
casa, provavelmente já usando o sapato como chinelo. Só aí fui ver o estrago: a
camada mais superficial da pele perto das unhas de dois dedos tinha sido
esfolada, ralada, removida, como se eu tivesse tomado um tombo e me arranhado
todo ou como se tivesse chutado uma pedra com o pé descalço.
E o prego? De tanta marcha, de tanto o pé
bater no chão, a ponta saliente escavou um buraco na sola grossa do calcanhar
(isto é literalmente real), de tal forma que o prego entrava e saía sem causar
maior incômodo, como se eu estivesse anestesiado, principalmente por não ser o
prego a causa da dor principal. Por que contei essa história? Para falar da
Lavajato e de todos os seus filhotes.
De tanto ouvir notícias e casos assombrosos, escabrosos,
envolvendo políticos, empreiteiros, açougueiros e empresas públicas sem que
isso até agora tenha resultado em quase nada, a população vai ficando
anestesiada pelo desalento e pela sensação de que nada ou quase nada acontecerá, de que tudo isso é como um prego que
furou o calcanhar, mas que já não incomoda tanto e dói só um pouquinho, pois
fere apenas o fundo do nicho criado por ele mesmo. E afinal, precisamos continuar marchando,
mesmo que seja com um par de sapatos cambaios e apertados.
É também com muito desgosto que me lembro dos dois desfiles de sete de setembro de que tive que participar. Valia nota para Educação Moral e Cívica e tudo. Do desfile, lembro pouca coisa. Lembro do calorão e do sol brabo em ambas as ocasiões.
ResponderExcluirO colégio só desfilou essa vez. Sinceramente falando, se o sapato não tivesse esfolado meus dedos, até que teria sido divertido, pois os turnos do colégio eram "unissex": sexo masculino de manhã e feminino à tarde. Só o turno da noite era misto (o que devia facilitar um pouco a "saliência"). E o desfile foi um momento de interação (pena que só tinha bagulho).
ResponderExcluirQue dureza, einhhh JB. Nem imagino como deve ser nesses colégios rsrs, imagina o moleque na flor da idade e nem uma guria. Essa semana eu li uma matéria a respeito do fim das revistas pôrno, hoje com tanta facilidade esse nicho é apenas pra colecionadores, já virou uma espécie de quadrinhos. Curioso é que essa geração que pode tudo, faz um escarcéu em copo d'água, não sei se viu o que aconteceu com a mostra de arte do Santander? É tanta frescura que eu acho que daqui a pouco vão inventar um livro de história sem fatos reais contendo apenas os fatos politicamente corretos inventados.
Excluir"J"
O segundo grau eu fiz no Colégio de Aplicação da UFMG, que tinha turmas mistas. Mas nada (assim imagino) comparado a uma história acontecida em outro colégio uns quatro anos depois. Segundo me disse uma conhecida, sua turma era mista também e a sala não tinha carteiras individuais. A meninada mais descontraída ocupava as últimas carteiras. (Pelo menos) uma delas ficava pegando no pau do colega com quem dividia a carteira. Nunca tive essa facilidade!
ExcluirNem eu, JB! Nem eu!!!
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