Hoje estou meio melanchólico (mais que o normal) e resolvi, por isso, mudar toda a minha programação, divulgando hoje este texto, programado originalmente para tornar-se público(?) só em abril de 2016. Fica como presente(?) de Natal para meus 2,3 leitores.
Esta é uma continuação do registro de minhas memórias familiares. Desta vez, abrangendo os irmãos de minha mãe. Alguns tios têm um perfil mais divertido ou curioso. Por isso mesmo, foi mais fácil começar a escrever sobre eles. Para contar casos dos outros, vou ter que ralar um pouco mais. Por isso, a cronologia que meu TOC fica exigindo não será respeitada. Além disso, como são perfis independentes, serão divulgados quando me der na telha. Paciência (e som na caixa!).
Esta é uma continuação do registro de minhas memórias familiares. Desta vez, abrangendo os irmãos de minha mãe. Alguns tios têm um perfil mais divertido ou curioso. Por isso mesmo, foi mais fácil começar a escrever sobre eles. Para contar casos dos outros, vou ter que ralar um pouco mais. Por isso, a cronologia que meu TOC fica exigindo não será respeitada. Além disso, como são perfis independentes, serão divulgados quando me der na telha. Paciência (e som na caixa!).
Quando foi estudar fora, meu tio deixou para
trás uma coleção de revistas “Seleções do Reader’s Digest”, de que me apossei tempos
depois. Havia revistas de 1942 a 1955, se não me engano. Os números publicados
durante a guerra tinham propagandas com ilustrações incríveis relacionadas ao assunto. Ainda
guardo dois números desse período, justamente por causa dessas propagandas.
Essa coleção fez minha cabeça na
pré-adolescência. Como era muito tímido e inseguro, eu lia tudo o que
encontrava que me ajudasse a superar essas limitações. E tome lições de vida, e
tome dicas de autoajuda.
Eu só não consegui aprender – embora tenha
lido tudo de todas as revistas – como beijar na boca. Na minha absoluta
inexperiência e falta de senso, o que eu pretendia era o mesmo que aprender a
andar de bicicleta apenas lendo um livro, só na teoria. Como disse o Djavan em uma de suas músicas: “Mais fácil aprender japonês em Braille”.
Mas voltemos ao
tio Cici. Ele era
baixinho, magro, nervosinho e tinha um jeito meio viadinho. Às vezes parecia
mais feminino que a mulher (ou seria o contrário?), mas era só jeito. No início
do casamento, lembro-me de ver a Teresinha dar um amasso nele e ele ali, satisfeito
igual um sultão no harém. Sentava-se de pernas cruzadas como quem usa saia. O
pé que ficava no ar tremia sem parar. Tremia, não, vibrava. Tinha um risinho
nervoso e um senso de humor que se pudesse ser medido na escala Kelvin ficaria
perto do zero absoluto.
Meu pai dizia que contar piadas para ele não valia
a pena, pois ele não as entendia. No desfecho da piada, quando todo mundo normalmente
ria, ele continuava com um sorrisinho meio apalermado na cara e perguntava: “E aí?”.
Depois de formado, montou consultório com um amigo
ou colega de faculdade, de nome Januário. Esse sujeito era um católico radical,
um carola da gema, coisa que eu só vim a saber quando já namorava minha mulher.
Provavelmente, por influência do amigo carola, Fernando, o filho mais velho do tio Cici, entrou para o movimento ultraconservador TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade. Esse movimento, entre outras coisas,
defendia a volta da monarquia, repudiava veementemente o “comunismo ateu” e
tinha alguma coisa de organização paramilitar, pois seus militantes, todos jovens,
vestiam-se sempre da mesma maneira: cabelos cortados à escovinha, calça social
escura, sapatos de amarrar (quando todo mundo usava mocassim), camisa branca e
um blusão de cor cinza ou bege. Bastava ver alguém assim nas ruas para saber
que era da TFP.
Esse pessoal era meio hostilizado por alguns
jovens, justamente pelo excesso de caretice. Para se defender, alguns começaram
até a aprender artes marciais. Estavam sempre nas ruas centrais para colher
assinaturas e fazer campanhas contra o divórcio, contra o comunismo, contra a
reforma agrária e sei lá mais o que. Usavam megafones e ficavam balançando
estandartes vermelhos com letras douradas que pareciam ter sido retirados de
algum castelo medieval.
Pois bem, um dia eu estava indo de taxi para a casa
da minha Amada, quando vi uma dessas manifestações em plena Avenida Afonso Pena com Espírito
Santo. Aqueles jovens com o rosto cheio de espinhas estavam perfilados no
canteiro central, um de frente para o outro, cada um com seu estandarte. Devia
ter de trinta a quarenta pessoas. Com o taxi parado no sinal, olhando para aquela
babaquice, enxergo o Fernando no meio daquela gangue. Morri de vergonha por ele
e quase me encolhi no banco para não ser reconhecido. E tome falatório no
megafone. De repente, obedecendo a algum comando, esse pessoal começa a gritar:
- BRASIL! BRASIL! BRASIL!
O Brasil tinha acabado de ganhar a copa do México.
Pensando nisso, comecei a rir e, mesmo não gostando de futebol, me deu uma
vontade danada de botar a cabeça para fora da janela e gritar de volta, só de sacanagem:
- TRICAMPEÃO! (Devia ter feito isso!).
Quando soube que tio Cici havia sido operado para
retirada de algum tipo de câncer, fui visitá-lo no hospital. Visivelmente com
dor, mostrou-me um corte imenso no tórax, cujas bordas, além da sutura normal, estavam
unidas entre si por meio de enormes grampos metálicos. Morreu em 06/08/1988,
com 63 anos.
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