quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

MEU NOME É RICARDO

Existem fatos na vida das pessoas que são como cozinha de restaurante  - é melhor você não conhecer. Gestos, comportamentos e atitudes que seria melhor varrer para debaixo do tapete, esconder, esquecer. Às vezes, no entanto, para tentar corrigir uma falha, a gente precisa se expor à execração pública (no caso do Blogson, nem tão pública assim). E se expõe demais. O estômago revira, o suor é frio e o coração bate meio acelerado, mas a mea culpa se faz necessária. As palavras embaralham-se na minha boca, mas é preciso que eu diga, por mais que isso me doa: já tive um Ricardo em minha vida!

Antes de falar sobre esse passado tenebroso, preciso dizer que esta confissão foi provocada por um episódio recente em que fiz - mesmo que involuntariamente - a troca reiterada do nome de uma pessoa. O sujeito chama-se Renato, mas não houve jeito de escrever seu nome correto. Cismei que era Ricardo e acabou. Só depois de ser alertado é que, constrangidíssimo, tentei corrigir o erro. Mas era tarde.

Por isso, cabe-me o doloroso dever de relacionar esse ato falho ao Ricardo de minha juventude. Calma, pessoal, pedrada, não!, pois eu sou hetero. O Ricardo que existiu em minha vida (estou até ouvindo o suspiro de alívio de meus filhos) era eu mesmo!

Essa história ridícula aconteceu bem no início de minha adolescência. Além das inseguranças normais dessa fase, surgiu o desconforto neurótico com meu nome verdadeiro. Antes que alguém sinta peninha imaginando que "Botelho Pinto" é mesmo dose para leão, esclareço que meu problema era com o José, um josé sem complemento, solitário.

Não tínhamos linha telefônica em casa, mas sofria ao imaginar como atenderia uma chamada. Do outro lado da linha, ao perguntarem quem estava falando, eu responderia:

- "É o Zé." E a pessoa impertinente perguntaria;

- "Qual Zé?" E eu seria obrigado a dizer:

- "Zé só." Vejam vocês, o retardado aqui ficava quase em pânico por conta de um diálogo que nunca aconteceu (e eu nem fiz terapia por causa disso!)

Naqueles dias, ao tentar me aproximar de umas menininhas (bem feinhas) que passavam em frente à minha casa a caminho da escola, depois de criar coragem, apresentei-me dizendo que meu nome era Ronaldo. Em outro dia, “atirando em qualquer alvo que se mexesse”, tentei nova abordagem e falei que me chamava Ricardo (olha o "Ricardo" aí, gente!). Provando que as mulheres têm uma rede social invisível aos olhos masculinos, a menina disparou:

- Ué, você não disse para a fulana que se chama Ronaldo? A resposta possível foi essa:

- Eu brinquei com ela, meu nome verdadeiro é Ricardo.

Se quiserem saber o resultado prático dessas tentativas, só posso dizer que não peguei nem dengue (atualização do chavão "não peguei nem resfriado"). Não sei por que, mas eu achava que nomes com erre eram bem legais. Aliás, qualquer nome que não fosse apenas José teria me poupado desse constrangimento. Até "Uelerson". 

Talvez por isso (a mais pura expressão do que se conhece por neurose), eu sempre tive uma dificuldade imensa de guardar o nome das pessoas fora do meu círculo de convivência. Acho que esta é a explicação da troca do nome do Renato. Em minha defesa, lembro que uma certidão de nascimento onde conste José Botelho Pinto... é uma autorização para alterar, esquecer ou trocar o nome de quem quer que seja, até do papa.

Nem preciso lembrar que o nome José é tão comum quanto bunda, "todo mundo" tem. "Maria", idem. Em geral, o "Zé" vem acompanhado de algum complemento. Nos primeiros dias de faculdade, até que cada um escolhesse qual ramo da engenharia pretendia seguir, fomos provisoriamente agrupados por ordem alfabética. Na minha sala, com 67 alunos, 47 eram José. Em todas as combinações possíveis: José Cosme, José Eduardo, José Edward, José João, José Maria, etc. Apenas eu era só José

Essa farra de josés provocou uma situação cômica. Um dia, chegou um sujeito do diretório acadêmico e pediu para que escolhêssemos um representante. Algum sacana logo disse - "pode ser o Zé". O cara continuou explicando algumas coisas, deu-nos boas vindas e pediu que o tal se apresentasse, ficando de pé. Levantamo-nos todos e cagamos de rir (o cara do D.A., inclusive).

3 comentários:

  1. acho que você tem algum ato falho com isso de Ricardo.
    não sei se você sabe, mas eu sou Ricardo. de verdade.

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    Respostas
    1. PUTA QUE PARIU!!!!! Eu nunca imaginaria um negócio desses!

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  2. Eu, Ricardo de nome, escrevo:

    Se pensou ou imaginou alguma vez o nome de Ricardo, prova e mostra que, o seu intelecto tem bom gosto de escolha, 😁

    Achei graça ao que li e elogio o seu poder de "critica" literária ao seu próprio imaginário. Parabéns.
    Muita saúde e felicidades para si
    E Continue a escrever na sua bonita forma... divertida.
    Abraço

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