sexta-feira, 31 de julho de 2015

JANELA

PENSAMENTO DO DIA
Como hoje é sexta-feira, não posso desperdiçar a "janela de tempo" que eu mesmo criei e me impus. Por isso, aí vai um "pensamento do dia":

Já disse (umas cem vezes) que tenho um pouco de TOC. Um dos efeitos disso é ficar com algum assunto na cabeça, assunto esse que não se esgota antes que eu faça pelo menos uns cinco comentários sobre ele. Um desses assuntos é a moda “ostentação”. 

Acho divertido, ridículo e brega o uso dessa palavra em expressões (e comportamentos) tipo “funk ostentação”. Já fiz até um cartoon sobre isso. Mas, hoje, bateu a seguinte ideia (alguém já deve ter dito isso antes), tão banal como as outras que já divulguei no blog, mas que apresento para aproveitar a “janela de tempo” aberta:

Quem gosta muito do estilo e comportamento tipo "ostentação" deve ter muita coisa para esconder ou para esquecer.


VARIANTE
Uma variante mais razoável da palavra ostentação acontece quando passa uma mulher gostosíssima na rua e o sujeito diz, salivando:
- Ô tentação! 

ESSA EU NÃO PODERIA PERDER!


Estava muito “ocupado” ontem, vendo um documentário muito legal que falava de um livro da Idade Média, cheio de iluminuras, etc. Infelizmente, peguei o bonde já andando (essa é das antigas!). O livro era o “Saltério de Sir Geoffrey Luttrell” – ou “Luttrell Psalter” (coçação de saco também é cultura). Nunca tinha ouvido falar dele, mas a internet está cheia de suas belíssimas imagens. Muitas delas retratam a vida e afazeres da época. Outras, entretanto, são puro delírio.

Em determinado momento, um sujeito começa a mostrar os demônios e assombrações desenhados nas margens e comenta que, talvez, o(s) autor(es) estivesse(m) sob o efeito de uma substância alucinógena, provavelmente um fungo encontrado no pão de centeio. Comentou ainda que a água naquele período era intragável, razão porque, para matar a sede, as pessoas bebiam cerveja de baixo teor alcoólico (o que as pessoas não inventam para encher a cara!).

Acho razoável a ideia de que as precárias condições de higiene e a promiscuidade sanitária existente naqueles amontoados de casas que deviam ser as cidades e povoados da Idade Média, favoráveis à ingestão e disseminação desse fungo alucinógeno, podem ter influenciado até o comportamento religioso da época e o surgimento de superstições, tais como o pavor das possessões demoníacas. E, em um processo inverso, as crendices religiosas podem ter afetado as noções de higiene e limpeza, formando um círculo vicioso e auto-alimentante. Imagino que alguém já deve ter escrito sobre isso com mais propriedade e profundidade, mas fica aqui meu pensamento.

Bom, pelo que entendi, o tal fungo chama-se ergot e a doença é ergotismo. Quem quiser dar uma olhada em um artigo que encontrei sobre isso, siga o link:
http://www.i-flora.iq.ufrj.br/hist_interessantes/ergot.pdf

Agora, se quiser divertir-se bastante, siga este outro link, cheio de teorias da conspiração no século XX e relatos de acontecimentos na Idade Média. Antes, só uma palinha para atiçar a curiosidade. 

Em 1374, na cidade de Aachen, Alemanha, aconteceu isso:
“Possivelmente contaminada por ergotismo, a população local acredita que vai morrer e ir para o inferno. Todos começam a dançar freneticamente. Depois de três dias, segundo registro de monges, a dança vira uma orgia gigantesca”. 

E agora, o link:

31/07/2015

COMIGO NÃO, VIOLÃO!

Em 1969, quando fazia cursinho pré-vestibular, um colega me mostrou um jornalzinho em formato tablóide, criado naquele ano. Era "O Pasquim”, e só tinha fera. A linguagem era totalmente coloquial. Como a censura comia solta naquela época, os caras começaram a criar alternativas para usar alguns palavrões ou expressões menos educadas.

O Henfil criou ou popularizou algumas palavras, como putzgrila e tutaméia, que dispensam apresentação. Outros colaboradores adotaram mifu, sifu, duca, "top top", cacilda e outras mais. O uso do asterisco foi importantíssimo para transcrição das entrevistas. Uma frase de carroceiro dita por entrevistado ou entrevistador podia ser escrita assim “vai (*) no (*)!” ou “(*) que (*)!”.

Resumindo: os caras chutavam o balde, mas evitavam ao máximo (ou tentavam evitar) problemas com a censura (leia-se ditadura). O que não impediu que quase todos os colaboradores fossem presos em 1970.

Porque estou lembrando essa tralha? Todos que me conhecem um pouco sabem que eu tenho uma obsessão obscena em me explicar (Freud deve explicar isso também). Por isso, aí vai mais uma. Algum tempo atrás, em um dia em que o bom senso prevaleceu, percebi que as coisas que escrevo de forma menos estúpida têm a profundidade de uma poça d’água e a densidade de algodão-doce (por exemplo). Por conta desse "insight", em virtude dessa qualidade e densidade (má e baixa, respectivamente) das bobagens que escrevo, eu (merecidamente) me comparei com duas antas literárias: um empresário de sucesso em BH (real) e o Conselheiro Acácio (ficção).

Por isso, vinha tentando criar um neologismo (ficou redundante) ou um novo personagem para me auto-criticar por conta de minhas “reflexões”. O Blogson já conta com o personagem "Jotabê", sempre utilizado para comentar as piadas imbecis e os trocadilhos infames que surgem em minha mente doentia. Por esse personagem ser um "sujeito" sem noção de ridículo, infantiloide, meio retardado e 100% "politicamente incorreto", tenho grande simpatia por ele. Até porque eu, José Botelho, tenho um perfil um pouco parecido com isso - meio infantiloide, um pouco retardado e 100% "politicamente incorreto". Por isso, apesar de ser uma ideia bastante esquizofrênica, achei que precisava de um personagem diferente.

Em BH existe um empresário de muito sucesso, que um dia acreditou que seus escritos e pensamentos eram tão bons quanto seu tino para negócios. O passo seguinte foi imprimir as "pérolas", emoldurar tudo e sair pendurando essas preciosidades em todas as filiais de suas empresas (essa é uma das vantagens de ser o dono). Por esse comportamento narcisista do empresário, eu poderia, talvez, utilizar as iniciais ou uma corruptela de seu nome, mas fiquei grilado (gíria antiga) de tomar algum processo. Eu sei que é paranóia, até porque ninguém lê mesmo o que escrevo, mas, sei lá, não quis correr risco. Como se dizia no Neolítico, "comigo não, violão!"

Uma coisa é certa: eu, pelo menos, jamais farei uma coisa semelhante. Primeiro, pela certeza de que meus textos não tem nenhum valor. Mas a razão principal mesmo é que não tenho grana para sair emoldurando meus pensamentos nem empresa nenhuma onde pendurá-los. Este é um dos motivos por que criei este blog (gênio!). E chega de tanta esquizofrenia! 



sexta-feira, 24 de julho de 2015

ANTI-SONETO

O que um neurótico puro-sangue faz quando resolve sair de sua "zona de conforto" (seja ela qual for)? Já pensa logo em explicar-se para quem nunca lhe pediu alguma explicação, começa a desculpar-se pelos erros que provavelmente ainda nem cometeu ou cometerá e morre de ansiedade e preocupação. Resumindo, sofre - e muito! - por antecipação. 

Eu sou desse tipo, pois sou neurótico real, de verdade, de carteirinha. Por isso, a preocupação de estar fazendo papel de idiota com o texto que será apresentado a seguir obrigou-me a fazer essa introdução antes, quase um pedido de desculpa pela ruindade do "produto". Minha zona de conforto no blog são os "causos", são as piadinhas e trocadilhos sem graça. Poesia, ficção, "literatices", definitivamente não são a minha praia.

Minha mulher sempre diz que eu explico demais, que eu falo demais. Acho que ela tem razão, mas é assim que eu sou. Às vezes eu brinco que sou muito interativo (usado como sinônimo de mala sem alça). Fazer o que, não é mesmo?

Já disse no Blogson (sou o rei da reciclagem e auto-citação) que "gosto muito de poesia e reverencio aqueles que conseguem transmitir emoção de forma concisa, minimalista. Os sonetistas então, esses são a nata, por conseguirem domar o esqueleto rígido do soneto. Em outras palavras, eu os vejo com o mesmo respeito que devoto aos neurocirurgiões. A coisa é mais ou menos como uma cirurgia feita no cérebro: o que falta em espaço sobra em restrições e cuidados a tomar. Ou seja, ambos conseguem o suprassumo da precisão e eficiência, tudo realizado em espaço muito reduzido".

O Millor, em uma entrevista, fez um comentário provocador ao afirmar que "Quando se deliberou que não haveria mais métrica e rima na poesia, toda senhora de 50 anos começou a fazer poesia".

Fiquei com aquilo solto na cabeça (estava sobrando muito espaço) e bateu uma vontade de aceitar o desafio de fazer um poema à moda antiga, com palavras e expressões em desuso, com rima e métrica, mais enfaixado que sujeito que operou a coluna. A opção pelo soneto foi imediata. E claro, seria dedicado à minha Amada.

Entretanto, por mais que ela seja minha musa inspiradora, “meu bálsamo benigno, meu signo, paixão de carnaval" (desculpe-me, Caetano), não saiu nada que prestasse, nada que rimasse, nada que se parecesse ao menos um pouquinho com o pior soneto já escrito até hoje (é óbvio que deve existir um assim). Mas acho que descobri o motivo: por conta da minha idade provecta, estou mais para expirado que inspirado.

E como não sou de jogar nada fora, resolvi agredir os 2,3 leitores do Blogson com o lixo que produzi (sou totalmente a favor da reciclagem). O resultado obtido está para um soneto de verdade como o personagem Bizarro está para o Super-Homem. O título do post já diz tudo. Vê aí.


Quisera saber fazer sonetos
p'ra cantar o que sinto por ela
Métrica justa, adequada, rimas ricas,
versos limpos em redondilha

(maior, menor, quem se importaria?)
alexandrino, estrofes isométricas
talvez. Mas que ficasse tudo certo,
“tudo esperto”, à la Vinícius de Moraes.

Invejei o engenho e a arte dos poetas
que criaram os mais ricos madrigais
Cantando seu amor por u'a donzela

Por nunca ser capaz, jamais
(tantas horas buscando a rima certa!)
de cantar uma beleza assim tão bela.


domingo, 19 de julho de 2015

PERDENDO O GÁS

Como sabem os malucos que têm a coragem de encarar as coisas que escrevo ou desenho, este blog surgiu como substituto dos inúmeros e-mails que enviava para meus filhos e uns pouquíssimos amigos. Acredito que o estilo que adoto e a forma como escrevo no Blogson traem (ou trazem) essa característica de mensagens, pois sempre me imagino falando com alguém, mais ou menos como o Tom Hanks falando com uma bola, no filme "Náufrago" - ou como meu patrono Robinson Crusoé falando com o selvagem Sexta-Feira.

Já disse também no blog que não sou bom em análise política ou em crítica social. Além disso, não tenho criatividade para criar textos ficcionais nem sei escrever poemas. Então, o que sobra são piadinhas e jogos de palavras sem graça ou infantiloides (que meus filhos dizem ser muito ruins) ou as lembranças e "causos" de gente que conheci ou com quem ainda convivo. Isso, venhamos e convenhamos, não é combustível para manter flutuando por muito tempo o Blogson, um balão cheio de presunção e vazio de auto-crítica.

A ideia de tornar públicos os textos só às sextas-feiras (para mais uma paródia com o Robson Crusoé), sugerida a título de brincadeira por meu filho mais velho, foi muito bem aceita - e sistematicamente descumprida. A compulsão de postar quase todos os dias também já foi abordada aqui. O problema principal é que estou perdendo o gás, estou ficando sem vontade de escrever muito - e sem assunto. Além disso, minhas inquietações existenciais, surgidas depois que fiz cinquenta anos, parecem ter sido serenadas, pacificadas (tenho hoje 65!). Mas o caldo entornou mesmo ao trapacear a mim mesmo, publicando ontem um comentário que fiz no blog "A Marreta do Azarãocomo se fosse um post normal ("normal" no padrão Blogson, bem entendido) . Vejam a que ponto cheguei! Drogadicto total, essa é a verdade (porque o Blogson é uma droga)!

Como preciso criar vergonha na cara e vencer essa dependência paralisante (acesso o Blogson umas trinta vezes por dia, sem exagero) resolvi chutar o balde: tenho 52 textos e desenhos programados para sair só às sextas-feiras

Já que o número de acessos ao blog não aumenta mesmo, só espero que os 2,3 leitores frequentes desta bagaça não esqueçam o velho e alquebrado Jotabê. E se pensar em descumprir a programação mais uma vez, vou pedir à minha mulher para me acorrentar no pé da cama (nada a ver com práticas sado-masô, entendeu?). Talvez assim funcione (a programação, é claro). 

sábado, 18 de julho de 2015

SÓ NA TRAPAÇA

Este post é uma trapaça que faço comigo mesmo. Decidi me desintoxicar do Blogson, da minha compulsão de postar coisas todo dia (ou quase isso). Resolvi que preciso maneirar a ansiedade, acredito que nem tenho tanto assunto assim que sirva de alimento para este blog. Por isso, a próxima publicação só ocorreria dentro de dois dias (preciso começar devagar!). E a trapaça é esta: resolvi postar no Blogson o comentário que faria no blog "A Marreta do Azarão". E o motivo é o texto do link abaixo:
http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2015/07/carla-perez-xandy-e-o-e-otchan-do.html

Vamos lá, começando pelo final:


No final do texto citado, o dono do Marreta deu uma escamada nos Beatles, meus ídolos máximos, mas não vejo problema nenhum nisso. O John era mesmo um mala sem alça. O que penso sobre esse conjunto (era assim que se falava na minha adolescência) é que, tendo começado quase (eu disse quase) como uma simples boy band, seus integrantes foram inovadores no estilo que abraçaram, o rock, uma área que tinha pouca sofisticação musical e instrumental. Tirando o gente boa Ringo, foi uma banda que contou com a sorte de ter três ótimos compositores, um arranjador genial (George Martin) e, no início, um marqueteiro competente (Brian Epstein). Como não sei inglês, não posso avaliar as letras, mas a música era (ou é) boa demais. E o melhor disco de todos é "Abbey Road". 

Quanto ao Caetano Veloso, estopim do texto citado, acredito que ele e o Chico Buarque são letristas insuperáveis, cujo defeito maior é escrever em português, uma língua periférica do mundo ocidental. Se fossem ingleses ou americanos, teriam arrasado no mundo todo.

O meio do texto mostrou duas das características básicas do Marreta, que são a cultura e o domínio vocabular que o blogueiro possui.

Quanto à primeira parte, gostei muito do texto, que me fez entender melhor por que as pessoas gostam mais de meus posts com memórias e lembranças. Falando de sua infância e juventude, às voltas com composições e redações elogiadas pelos mestres, falou também um pouco de mim (mas nunca ganhei estojo de canetinhas) e de mais um tanto de gente boa. Fico pensando que, apesar de ele gostar de textos ficcionais e poesias, acho que o Marreta dá para um bom memorialista!



sexta-feira, 17 de julho de 2015

FOI UM RIO... (MAIS UMA VEZ, VALEU!!!)

Recentemente, postei textos com minhas lembranças sobre a família de meu pai, originalmente escritos apenas para meus filhos. Esses textos tiveram ótima aceitação (no padrão minion do Blogson, lógico) e renderam comentários que me deixaram muito feliz - apesar da sisudez das minhas respostas ("obrigado"). Sei não, mas tenho um certo "pudor" na hora de agradecer, fico meio envergonhado. Mas, volto a dizer, fiquei muito feliz com os comentários.  Alguém disse serem aqueles o tipo predileto de textos que eu escrevo. E aí fiquei pensando o que faz uma pessoa que desconheço totalmente gostar de um texto "pessoal e intransferível" (como gosto de dizer)?

Para mim, um dos motivos é que a realidade pode ser tão ou mais interessante que a ficção mais delirante e criativa. Afinal, aquilo aconteceu mesmo! Outro motivo poderia ser o fato de não contar casos "chapa branca". Não me interessa contar simplesmente que a Tia Bilica cozinhava bem pra caramba (não tenho nenhuma tia com esse apelido). O que me interessa é mostrar a "Tia Bilica" às voltas com suas emoções e meu sentimento em relação a isso. Falar sobre o "wild side" é muito mais divertido que ficar só no "sunny side of the street" (esse comentário foi meio musical demais). Mesmo que, no fundo, eu tenha um carinho extremado pelas pessoas de quem falei.

Mas, talvez haja um motivo definitivo para a preferência dos 2,3 leitores mais frequentes do Blogson. E essa explicação foi ouvida muito tempo atrás.

Há muitos anos, nas manhãs de sábado, a Globo transmitia um programa educativo voltado para os estudantes de primeiro e segundo grau, se não me engano. Não me lembro mais do nome, pois não prestava muita atenção nele, já que tinha coisas mais importantes a fazer. Trocar fraldas, por exemplo.

Um dia, entretanto, tive minha atenção voltada para a leitura de um poema de Fernando Pessoa, enquanto a tela da TV mostrava belas imagens. Foi meu primeiro contato com a obra desse poeta (para falar a verdade, não ampliei tanto assim o contato depois disso). Mas o poema era muito bonito. E o locutor (ou professor ou...) fez um comentário do qual guardei o sentido. Disse que ao falar do rio de sua aldeia, Fernando Pessoa conseguira tornar-se universal. Melhor dizendo, o poema "O rio da minha aldeia", por falar de sua experiência pessoal, conseguira expressar sentimentos que podem ser entendidos por pessoas de qualquer lugar.

Então, acho que é isso: sem jamais pretender me comparar ao poeta (só temos em comum o fato de usarmos o mesmo alfabeto e sermos lusófonos - e, ainda assim, com diferença de sotaque e cultura) percebi que quando falo de casos e pessoas próximas a mim, quando abordo experiências e sentimentos puramente pessoais, consigo criar uma sintonia com pessoas a quem desconheço totalmente, justamente por tratar de "sentimentos universais".

Independente de qual explicação seja a verdadeira, só posso repetir o final de um post escrito em 2014, doze dias após a criação do Blogson:

“Então, ratificando, a sensação que eu tive foi (...) de alegria (...). Por isso, eu digo a todos, conhecidos e desconhecidos: VALEU!!!”


E agora, o que realmente vale a pena ler: a poesia de Fernando Pessoa


O RIO DA MINHA ALDEIA
(Alberto Caieiro)

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios, e navega nele ainda,
Para aqueles que vêem tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha, e o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.



terça-feira, 14 de julho de 2015

FANATISMO

Os fãs entusiásticos da série Star Trek (conhecidos por “trekkies” ou “trekkers”) ou aqueles que idolatram o “combo” Star Wars (conhecidos por “star warriors”) bem que poderiam ser considerados membros de uma seita (claro, cada um com a sua), de tão fanáticos que são. Mas não seria exatamente uma seita esotérica; no máximo, seria exo-terra.
(a Toscana é nossa!)

segunda-feira, 13 de julho de 2015

HOJE AINDA É DIA DE ROCK

Hoje é dia de rock! Melhor dizendo, hoje é o Dia Mundial do Rock. Mas isso só vale no Brasil, estamos combinados? Essa caretice começou a partir de 1985, com o nome de Dia Brasileiro do Rock. Motivo para ficar feliz com isso? Nenhum. 

Talvez devido a meu temperamento genuinamente anti-social, uma coisa que sempre abominei e vi com desconfiança é o comportamento de manada. Um bom exemplo disso é a criação de alguma data "comemorativa". Para mim, essas datas são, em sua maioria um porre só. Dia Internacional da Mulher, por exemplo. Quer coisa mais excludente, hipócrita, preconceituosa e machista que uma celebração como essa? Todos os dias são - ou deveriam ser - o "dia internacional da mulher"! Eu sonho com o dia em que as mulheres mandem enfiar essa comemoração no cu dos homens, dizendo -"não precisamos mais disso. Somos - para sempre - iguais ou melhores que vocês".

O mesmo sentimento eu tenho em relação a um Dia Mundial do Rock. O Mick Jagger teria dito que o rock, mais que um estilo musical, é atitude. Pois é. E não há nada com menos atitude que a celebração de um dia "mundial" do rock. É mais ou menos como fazer o vovô sentar em uma cadeira de balanço, colocar um cachecol em seu pescoço e pantufas nos pés (o contrário disso seria muito estranho) e dizer que aquele é o melhor lugar para ele. Para mim, dia do rock é um dia em que tem show de rock!   

Na década de 1950 o rock mostrou a cara para o mundo com o som do Bill “cachinho” Halley, Chuk Berry, Jerry Lee Lewis, Little Richard e Elvis (The Pelvis)Na década de 1960 explodiram os Beatles, os Stones, Beach Boys e os Animals. Às vésperas da década de 1970, The Who, Mothers of Invention, Jimmi Hendrix, a gangue de Woodstock e a turma do "sexo, drogas e rock and roll" puseram para foder.

Como isso aqui não é um catálogo nem dicionário de rock, lembraria ainda o Pink Floyd, o Led Zepellin, Yes, Genesis, Jethro Tull, Deep Purple, Black Sabath, AC/DC, B-52, Iron Maiden e até o Queen, Kiss, The Police, Green Day e todo tipo de músico que as mamães de antigamente gostariam de manter distantes de suas filhinhas.

Hoje, infelizmente (ou não), o rock perdeu importância, perdeu a aura e a mística que já teve um dia. Então, comemorar o dia do rock é como fazer uma excursão ao museu ( -"olha lá, aquilo existiu mesmo!"). E, apesar de meu desprezo por datas comemorativas, acho que hoje o dia do rock até cai bem com um chazinho (detesto chá!) e umas torradas com geleia. Pena que o Dia da Pizza foi comemorado no dia 10 de julho. Se fosse no dia 13, a combinação seria perfeita. Eu poderia dizer que o rock, no fim das contas, terminou em pizza.

Notas finais:
O nome deste post é o título de uma música gravada por Sá, Rodrix e Guarabyra. Quem não conhece ou quer relembrar, siga o link abaixo.
http://www.vagalume.com.br/sa-rodrix-guarabyra/hoje-ainda-e-dia-de-rock.html

E se você quer  conhecer um pouco da irreverência que o rock já teve, dê uma olhada nesta capa de um dos discos do Mothers of Invention (traduza também o título). Parece que os Beatles ficaram ofendidíssimos pela gozação à capa antológica do disco "Sergeant Pepper's" e rolou até processo de plágio, se não me engano. Depois disso, até os Simpsons ganharam uma imagem parodiando a, talvez, capa mais famosa da era dos vinis.

Agora, olha a original dos Beatles:



domingo, 12 de julho de 2015

COMENTANDO AS PENÚLTIMAS - 07

Recentemente, o senador Humberto Costa disse textualmente que “o Aécio Neves, secundado por um conjunto de parlamentares e elementos da extrema direita ‘pretendem’ de toda forma aplicar um golpe no Brasil, tentando cassar o mandato da presidenta da República, que foi eleita pela maioria dos brasileiros (...) Ele é o capitaneador desse processo”. Será mesmo?

O que está acontecendo é que o Tribunal de Contas convocou a presidente para explicar as “pedaladas fiscais” cometidas em 2014. Se o Tribunal rejeitar as contas de seu governo, ela estará sujeita a um processo de impeachment. Que será ou não conduzido pelo Congresso.

Acho bacana quando alguém diz que a Dilma foi eleita pela “maioria dos brasileiros”. Primeiro pelo fato de que, normalmente, ninguém é eleito se tiver uma minoria dos votos segundo as normas de qualquer processo eleitoral (bazinga!). Segundo, porque ela teve apenas mais votos que os outros candidatos, se considerados isoladamente.

Segundo o site do TSE, a Dilma teve 54,5 milhões de votos em um total 142,8 milhões de eleitores. Depois de obter esses números no site do TSE, pude verificar que a Rousseff teve apenas 38,1% dos votos possíveis. E isso depois de prometer o que nunca poderia cumprir! Por isso, "maioria", não.

Eu sempre fico irritado, puto da vida, quando alguém da esquerda usa o termo “extrema direita” para demonizar tudo o que não se parece com sua visão de mundo. Esse pensamento paranoico teve seu equivalente no tempo dos generais presidentes, quando quem tinha críticas ao governo era chamado de "comunista". Outra maluquice, está na cara. A política brasileira nunca foi "bi-cromática" (direita ou esquerda) apenas; o que ela sempre teve mesmo é cinqüenta tons de cinza (e, parecido com o livro, o que já teve - e tem - de putaria...). 

Além do mais, diante da possibilidade de a “Dilma 9%” tomar um pé na bunda, chamar todo mundo de extrema direita é só uma atitude extrema de esquerda, preocupada que está com o futuro (do PT, lógico).

E, se você pensar bem, diante das últimas notícias e imagens da presidente andando de bicicleta, dá para concluir que, no fundo, no fundo, ela gosta de uma boa pedalada (acho que podia ter deixado essa de fora...).

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sábado, 11 de julho de 2015

GATÃO DA MELHOR IDADE

Hoje, ao acordar, depois das abluções matinais (acho linda essa expressão. Se fosse mais novo até faria uma tatuagem com ela), fiquei admirando a imagem refletida no espelho. Examinei detidamente os olhos, a pele, os cabelos (o que restou deles, bem entendido), a barriga, o porte físico. A conclusão a que cheguei é que, apesar da idade provecta (6.5 na véia), estou cada vez mais gato. É verdade!


O Miguel Paiva, grande cartunista, criou o personagem “gatão de meia idade”. No meu caso isso não dá mais, mas aceitaria de bom grado ser chamado de “gatão da melhor idade”. Só que o gato que melhor me representa é da raça Sphinx: sem pelo, olhos arregalados, pele toda enrugada e feio pra caralho. Olha o Jotabê felino aí em baixo. Só faltou a pinta no lado esquerdo.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

SÓ PARA PASSAR O TEMPO - 01

Há muitos anos, a igreja que frequento era de responsabilidade dos Padres Cruzios, todos eles holandeses. A casa paroquial onde moravam era guardada por um cachorro pastor alemão bravo pra caramba. Um belo dia, fiquei sabendo que o cão mordera a mão do vigário. Não tive dúvida tratar-se de um conflito religioso: um pastor alemão mordendo um padre holandês. Óbvio!


Lembrei-me desse caso depois de ter lido no site do IG que a filha do Edir Macedo lançará seu livro “Casamento Blindado” em outro continente (não conheço o conteúdo do livro, mas acredito que podia ter o subtítulo "usando o cinto de castidade"), com tiragem inicial de 45.000 exemplares! E o continente é a África, onde já existem mais de cem franquias da Universal.  Mais de cem igrejas na África! Se vacilar, até gnu já foi convertido (zebra, não, porque com ele só vale o que pode dar certo). Tenho que admitir que o bispo é muito foda em prospectar novos mercados e novos negócios! 

Foi aí que me ocorreu uma ideia que passaria para ele "de grátis", sem cobrar nada: a Record já faz novelas com temas bíblicos, certo? Porque não fazer também um desenho animado no estilo Hanna Barbera? Esse estúdio tinha um personagem parecido com o Scooby Doo, um dog alemão biônico ou um robô em forma de cachorro, não sei bem. No Brasil, recebeu o nome de Bionicão

Se essa ideia fosse aprovada, eu já teria duas sugestões: o cachorro seria um pastor alemão (questão de afinidade religiosa, sabe como é?) e o nome em português poderia ser Evangelicão. Show de bola!

quarta-feira, 8 de julho de 2015

DORMINDO PROFUNDAMENTE

Este post é mais um adendo ou anexo, pois não faz parte do texto original. Resolvi fazê-lo para encerrar a série "Século... vírgula..." sobre a família de meu pai, depois de receber três presentes de minha irmã.

ÁLBUM DE RETRATOS
O primeiro presente foram os retratos que ela me enviou por e-mail. Fiquei fascinado com as fotografias. Sinceramente, gostaria de apresentar os tios sem a beca de formatura, mas não consegui as fotos 3 x 4 de todos. O TOC me impediu de usar quatro fotos normais e só uma com beca. As fotos das tias são mais recentes, tal como eu me lembro delas. E a ordem, claro, é coerente com a data de nascimento de cada um.
Curioso é o fato de todos os homens terem estudado medicina e todas as mulheres farmácia. É claro que alguma coisa deu errado nessa história, pois nenhum dos homens exerceu essa profissão! A minha dedução é que aconteceu com meus tios o mesmo que com meu pai: estudaram medicina só para agradar os pais. 

Não faz muito tempo, inexistia a separação nítida de cursos universitários tal como é hoje. Tive um colega cujo título era engenheiro civil-eletricista. Minha mãe tinha um cunhado cujo título era engenheiro-arquiteto. Assim, imagino que, na época de meus tios, quem se formava em medicina estava automaticamente habilitado em farmácia. Foi o que aconteceu com meu pai.

Aliás, há mais uma curiosidade: durante o Estado Novo, se não me engano, os farmacêuticos foram autorizados a registrar-se como químicos, para suprir uma mão de obra inexistente e necessária aos esforços de industrialização do país. Dessa forma, meu pai tinha a formação de médico, farmacêutico e químico (profissão que realmente exerceu). 

Esse colar de títulos universitários não o impediu de viver duro a maior parte da vida, sempre às voltas com agiotas. E o motivo, creio, é bem simples: com a morte de dois dos irmãos mais velhos e a quebra dos negócios da família, sobrou para os remanescentes o pagamento de dívidas e encargos, situação bem na linha da frase -"segura no pincel aí que eu vou tirar a escada”.

QUADROS
Na mesma linha homenagem-memória dos textos anteriores, apresento duas imagens do "quadro dos carneiros" mencionado no post anterior ("SÉCULO VINTE VÍRGULA TRÊS"). A primeira resultou de uma foto tirada (ficou com reflexo do flash) por minha cunhada e tem as cores originais da pintura. A segunda é a cópia que está hoje na casa de minha irmã. Como pode ser visto, as cores não correspondem às originais.



NO PAÍS DOS BANGUELAS
Recentemente, minha irmã perguntou se eu queria uma maletinha que pertenceu ao pai de meu pai. Acho que a resposta que dei é óbvia, não? Aceitei na hora, lógico!

Além de toda desmontada e comida de cupim, trazia uma curiosidade: na parte interna (apesar dos cupins), estavam preservados os "berços" das ferramentas que ali estiveram acondicionadas. As formas das ferramentas eram visualizadas ou intuídas facilmente. E eram alicates, boticões e ferrinhos de dentista!

Como meu avô era dono de armazém... em um distrito de Ponte Nova... no final do século XIX / início do século XX... só posso pensar que, às vezes, talvez exercesse também essa atividade naquele fim de mundo. O que teria suas vantagens: antes de extrair o siso de alguém, já vendia logo o anestésico (cachaça, claro).

segunda-feira, 6 de julho de 2015

SÉCULO VINTE VÍRGULA TRÊS

Tia Zinha, tio Nhô e tia Sinhá foram os tios com quem mais tive contato na infância. Tia Sinhá e tio Nhô eram solteiros (solteirões) e tia Zinha era separada. Tio Nhô era um desenhista incrível, sempre com ideias mais para a charge e humor. Era um sujeito extremamente habilidoso. Tão habilidoso quanto excêntrico. Fazia molhos fantásticos (tipo molho inglês), consertava seus próprios sapatos, afinou o piano da sobrinha com alicate e faca de cozinha.

Aliás, essa afinação foi motivo de aposta com um amigo, que duvidou que conseguisse afinar o piano com essas ferramentas (“se você afinar o piano com isso, eu corto minha cabeça”). Contava meu pai que tio Nhô, bem humorado, foi cobrar a aposta do amigo.

Um dos casos pitorescos que esse tio protagonizou foi o conserto de uma motoneta de meu primo Totó, que contou o caso para minha irmã. Para variar, a descrição é dela também (descobri que ela é uma boa contadora de casos!):

"O outro caso foi o Totó que me contou com todo aquele espalhafato que lhe é peculiar. Ele disse que tinha uma motocicleta velha pra caramba que andava uma beleza na reta e na descida, mas qualquer subidinha era um vexame (uma tal de gulivet ou coisa parecida, só sei que podia pedalar quando precisava).  Ele comprou essa coisa porque queria fazer bonito pra uma moça lá na Pedro II que nem olhava quando ele passava de bicicleta. Aí foi um espetáculo, porque ela começou a 'olhar de rabo de olho; também com aquele barulhão', mas no dia seguinte da compra, atravessou um cachorro na frente da moto e ele caiu bem no passeio da casa da moça e ele e a moto ficaram todos estropiados.

Foi então que Tio Nhô disse que ia resolver o problema e mandou levar a moto pra dentro do quarto dele, fechou a porta e começou a desmanchar 'a possante'. E ele conta que quando viu aquele monte de peças no chão, pensou: 'puta que pariu, antes eu tinha uma jeringonça que não funcionava, agora eu tenho é uma montoeira de peças que eu não sei pra que que serve'. E ele descrevendo Tio Nhô é bacana demais: 'E Nô lá com aquela cara muito séria e compenetrada, com o cigarro num canto da boca, e depois de um tempo me mandava acelerar, e cada acelerada era POOU e Vruuummmm e aquela fumaceira danada e nós dois ficando cada vez mais pretos. E mamãe (Tia Zinha) desesperada do lado de fora gritando 'Nô, abre essa porta, vocês dois vão sufocar aí dentro'. Depois de muita peleja, sai eu e Nô igual carvão e o 'veículo', novo em folha. Foi um sucesso e funcionou muito tempo'.

Outra coisa curiosa que eu gostava muito, é que papai contava que Tio Chiquinho, Tia Sinhá e Tio Nhô sabiam tocar violino, só que Tio Nhô como era canhoto invertia as cordas do violino, colocava-as ao contrário. Eu não entendia, mas achava aquilo um barato".

Tio Nhô, entre outras maluquices, em uma ocasião, tirou e revelou fotos 3x4 de meu pai e dele próprio (a bem da verdade, ficaram muito esquisitas). Às vezes inventava artefatos estranhos que desenhava, explicando depois como deveriam funcionar. Nunca saiu de casa sem paletó e achava um arrojo e sinal de grande modernidade o fato de meu pai sair sem.

Meu pai tinha adoração por ele, embora sempre lhe desse “uns coices” e lhe “passasse descomposturas”, como meu pai mesmo reconhecia (-“O Nhô me trata como se ele fosse minha mãe e eu retribuo escoiceando-o”). 

Tio Nhô morreu em março de 1979. Segundo minha irmã, então com 17 anos, foi a primeira vez que viu nosso pai chorar (depois de ter se segurado até o último minuto). Além das lágrimas que teimaram em sair apesar do controle rígido das emoções que ele impunha aos irmãos e a si mesmo, enquanto a cova era tampada, balbuciou uma frase simples mas definitiva: -"adeus, meu irmão querido".

Depois disso, certamente, o dia de Finados, aniversário de meu pai, ficou definitivamente triste e insuportável. Nesse dia, trancava-se no quarto e, com exceção de nós, seus filhos, não atendia ninguém, nem mesmo mamãe. Para ele, era inadmissível comemorar seu aniversário em um dia de tão tristes lembranças.

Nunca soube se sempre se sentiu assim. Às vezes penso que com a morte do pai e depois da mãe, essa data perdeu de vez o brilho para ele.

Tio Nhô (1909 – 1979)



Tia Sinhá era uma pessoa meio etérea e, talvez, um pouco aérea também. Solteira, falava inglês e era pintora, boa pintora acadêmica. Lembro-me de alguns quadros pintados por ela na juventude, dependurados na casa de tia Zinha, com quem morava. Eu sempre admirava um quadro grande, com vários carneiros em um estábulo ou coisa parecida. Era de um realismo impressionante.

Quando tia Sinhá morreu, tia Zinha deu esse quadro para meu pai. Durante algum tempo, ele enfeitou a sala da casa onde morava minha mãe e que hoje é de minha irmã. Depois que meu pai morreu, aconteceu um fato que me surpreendeu muito. A narrativa a seguir é de minha irmã:

 O quadro dos carneiros da tia Sinhá está novamente com a Cocota. Eu devolvi para ela porque quando tia Zinha o entregou ao papai foi porque ele de certa forma fez uma ‘pressãozinha’ e eu ficava com muita pena quando ela e a Cocota ficavam admirando o quadro com um ar muito saudosista. Uma vez tia Zinha pediu licença para tirar um retrato do quadro para se lembrar melhor dele. Isso me tocou muito e então eu resolvi ‘devolvê-lo a quem de direito’, no caso, a Cocota. Antes, porém, eu me inspirei na tia Zinha e pedi a um fotógrafo profissional amigo do meu cunhado para tirar um retrato do quadro. Mandei imprimir em tamanho A2, em lona, e pus uma moldura. Ficou bacana, embora as cores tenham ficado um pouco mais escuras.

Bacana, mas com essa notícia, quem ficou com “um ar meio saudosista” fui eu. Mas, tudo bem.

Outro quadro imenso que ficava pendurado na sala de tia Zinha mostrava uma paisagem rural. No canto esquerdo do quadro via-se um cavalo e uma moça jovem, que se parecia muito com tia Sinhá. Um dia ela me disse que era ela mesma. Esse quadro foi pintado quando tinha dezessete anos. Depois que eu me casei, ela pintou um quadro para me dar de presente. Também uma paisagem rural. Segundo me disse, achara uma gravura linda, com a tal paisagem. Por isso, resolveu ampliá-la para me presentear. Sinceramente, deixando de lado o aspecto sentimental, prefiro os quadros de sua juventude.

Tia Sinhá (1901 – 1989)



Tia Zinha era o contraponto de realidade para tio Nhô e tia Sinhá. Casou-se com um médico (brilhante, segundo meu pai) e teve um casal de gêmeos, Dalmo e Dalma, segundo o cartório de registro civil. Ou José Geraldo e Maria das Graças, segundo a Igreja Católica.

O marido, sem que tia Zinha sonhasse com isso, foi ao cartório e registrou os filhos com um nome. Minha tia, sem saber de nada, batizou-os com outro nome (fico imaginando que o pai de meus primos deveria estar presente no batizado).

Essa foi uma das loucuras protagonizadas pelo marido de minha tia (Ladeira, era como meu pai o tratava), até ela separar-se dele. Não tenho certeza, mas creio que quando nasci ela já estava separada. Depois que minha avó morreu, Tia Zinha mudou-se para uma casa no bairro onde morávamos.

Nessa época, pelo menos Tio Delvô ainda estava vivo, embora eu não mais o visse. Curiosamente, depois que um dos irmãos adoecia, sumia para o mundo. Nenhuma visita tinha permissão para entrar no quarto do doente. Nem minha mãe nem ninguém. Só minha prima Neusa, muito "topetuda", uma vez, enfrentou os tios e entrou no quarto para ver o doente. Mas creio que foi só essa vez.

Embora meus primos sejam um pouco mais velhos que eu, eu adorava encontrá-los quando ia à casa de tia Zinha. Para mim, eram Totó e Cocota. Meu primo Totó era um de meus ídolos, pois, além de mais velho, tinha cachorro e bicicleta (e liberdade para usufruir isso). Meu pai também o chamava de Nonô.

Tia Zinha (1916 – 1997)



A Cocota namorou e noivou ao som de Anísio Silva (“quero beijar-te as mãos, minha querida...”), um cantor horripilante do tipo Amado Batista ou Reginaldo Rossi (e fez sucesso, o filho da puta!). Casou-se com o Getúlio (falecido recentemente), um sujeito vermelhão e gente fina, por quem meu pai nutria algum desprezo, já que não tinha curso universitário. Mas era trabalhador, ao contrário de mim e de meu irmão, que vagabundamos despreocupada e irresponsavelmente até o meio da faculdade. Creio que tiveram três filhos: Mônica, Moema e “Tulinho”.



Totó era bem apessoado, com um topete que lembraria o do Elvis Presley em início de carreira. Mesmo assim, talvez por timidez, acabou se casando com uma mulher feia pra cacete (Jandira) e que parecia bem mais velha que ele. A impressão inicial que tive dela era a de uma pessoa má e invejosa. Esse julgamento nunca se desfez. Tiveram uns três filhos que não me lembro de jamais ter conhecido.

Um belo dia (para o Totó), o casal se separou e ela tornou-se evangélica (não sei se antes ou depois da separação). Encontrando-me com o Totó em uma missa de formatura ou outra coisa qualquer, tivemos o seguinte diálogo, com o humor contido da família de meu pai.
 Zé, você sabe que eu me separei, né? Pois é, fiquei sabendo que a Jandira me queimou na fogueira santa da igreja dela...
 Você não está parecendo muito queimado não. No máximo, está meio gratinado...
A Cocota, que estava perto, riu quase sem abrir a boca, bem à moda da família.



Na maioria das vezes, casos antigos de família sempre trazem boas lembranças, mesmo que na época do ocorrido possam ter gerado constrangimento ou irritação. Para encerrar este texto e como uma homenagem a minha prima Neusa, filha única de Tio Lourival, falecida há pouco mais de um mês, vou contar um caso que me divertiu bastante.

Sempre, nas pouquíssimas vezes em que nos encontramos, a Neusa era de uma simpatia incrível. Simpatia e mordacidade. Eu me divertia muito com as coisas que ela dizia e contava. Foi em um desses raros encontros, em uma das lojas C&A, que ficamos sabendo do caso do suposto irmão, de desfecho hilário.

Papai teria contado à minha irmã que Tio Lourival teve um filho com uma das muitas "namoradas" dos tempos de solteiro e que o menino era a cara dele (de acordo com minha irmã, papai inclusive suspeitava que existissem outros). O fato é que minha prima só veio  a saber disso muitos anos depois, quando, creio, meu pai já tinha morrido.

A reação foi hilariante – e contada depois por ela própria para mim e para minha mulher:

 Amintas filho da puta! Porque ele nunca me contou? Eu sempre quis ter um irmão!!!
(maio/2013)

sábado, 4 de julho de 2015

SÉCULO VINTE VÍRGULA UM

Tio Delvô e tio Chiquinho morreram quando eu ainda era criança. Só vim a reconhecê-los através de retrato, pouco tempo antes de meu pai morrer. Curiosamente, a única imagem de infância que tenho de um deles, é a de um homem de cabelos lisos, despenteados e com um olho branco (o que me causava grande medo), que via às vezes na casa de minha avó. Quando comentei isso com meu pai, vi uma grande surpresa em seu rosto, e o comentário de que tio Chiquinho teve catarata em um dos olhos (quando tio Chiquinho morreu, eu era bem novo, talvez com seis, sete anos. Foi a primeira notícia de morte que recebi).

Pelo que dizia papai, tio Chiquinho escrevia bem pra caramba. De acordo com minha irmã, “papai se referia a ele como um verdadeiro poeta, de uma inteligência e sensibilidade nunca vistos e, ao mesmo tempo, de uma modéstia sem par. Papai achava que como tio Nhô, ele, Chiquinho, também teria estudado medicina por influência dos irmãos, mas sua natureza era de literato e historiador”.  Foi professor de História em Ubá.


Tio Chiquinho (1899 – 1955)



É curioso pensar que, para mim, até outro dia, tio Delvô seria o equivalente ao retrato de Itabira para o Drummond – apenas uma lembrança, só que sem nenhuma dor. De repente, com as informações recebidas, ele quase que se “materializou”. Segundo minha irmã, papai sempre se referiu ao tio Delvaux como sendo o "empreendedor" por excelência. Junto com o irmão Lourival fundou um laboratório de produtos farmacêuticos. Creio que o nome era Laboratório Tapaiuna. Dirigia – ou coordenava algumas farmácias de propriedade da família (coisa com que eu realmente nunca sonhei): uma no bairro de Santa Teresa, administrada pela tia Neném, outra em Brumadinho pela tia Zinha, outra em Ouro Preto, dirigida por tio Lourival e pela filha Neusa e, ainda uma no Rio de Janeiro, de responsabilidade do próprio Delvaux. O laboratório ficava na Av. Brasil e quem tomava conta era meu pai, tio Nhô e tio Chiquinho.

Palavras de minha irmã: “Por todas as informações que consegui obter da tia Zinha, (...) e Neusa, deduzo com bastante probabilidade que tio Delvaux, depois da recessão pós-guerra que culminou na falência dos negócios, desenvolveu um depressão severa que na Medicina chamamos Transtorno Depressivo Maior e não se recuperou mais.” Quando eu nasci – ou pouco tempo depois – esses negócios já tinham ido pro brejo.


Tio Delvaux (1894 – 1964)



Tio Lourival sempre me pareceu um sujeito alegre e irônico, pois sempre o via rindo, nas pouquíssimas vezes que estive com ele. Talvez o mais moleque da família. Creio que foi ele, quando criança, que trocou o pedaço de fumo de rolo de uma visita, amigo de meu avô, por excremento seco de porco. O visitante, sem perceber, teria picado o cocô seco, preparado e fumado o cigarro de palha, apenas estranhando de vez em quando o aroma e o sabor deixado na boca pela fumaça. O resto da história não sei. Já adulto, morou muito tempo em Mariana. Era casado com Lígia (não tia Lígia, apenas Lígia) e pai de Neuza, a prima mais misteriosa da minha infância, pois só vim a conhecê-la quando se casou com o Odilon.

A propósito dessa prima, há um fato pitoresco a lembrar. Ela era apaixonada pelos escritores russos (Tolstoi e companhia). Por isso, deu a todos os filhos - e ela os teve com bastante entusiasmo, talvez para compensar o fato de ser filha única -  nomes tirados dessa literatura: Kátia, Alex, Dimitri, Karina, Igor e Yuri. Ah, ainda teve um cachorro, ou melhor, cadela, de nome Natasha. Bacana!



Tia Neném era casada com tio Geraldo, um sujeito que sempre me pareceu um gentleman, com seu cabelo liso e ralo sempre muito bem penteado. Meu pai e ele tinham uma convivência civilizada, mas como Tio Geraldo tinha um bar no Santo André, próximo à pedreira Prado Lopes, isso era causa de um desprezo mal disfarçado por parte de meu pai (afinal, Tio Geraldo não tinha “cultura”!!), um esnobismo equivocado e injustificável, principalmente porque meu pai já estava na merda, naquela época.

Tio Geraldo e tia Neném formavam um casal super simpático, pais de duas gêmeas incrivelmente idênticas para mim, que nunca sabia distinguir quem era uma ou outra. Lembro-me de vê-las com vestidos absolutamente iguais. Uma delas tinha um sinal entre os olhos, fruto de uma catapora, creio. Para mim, essa era a única diferença entre elas. Chamavam-se Teresinha Maria (falecida) e Maria Teresinha (idem). Ou Teresinha e Jumbinha, respectivamente.

Essas primas tinham uma pronúncia singular, fruto talvez de terem falado muito tarde (quatro anos?): colocavam erre no final de algumas palavras, criando um efeito inimaginável. Ao referir-se à minha mãe, conhecida por Lia, diziam “porque a Liarrr...”. Além disso, sibilavam fortemente o “s”, como se cochichassem permanentemente, só que em voz alta. Quando falavam de mim e de meu irmão diziam “Cecinhô” e “Eduarrrrrdô”. Eu achava isso o máximo.

Perto da data de nosso casamento, quando estávamos entregando os convites, perguntei a meu pai como faria para entregar um convite para Tia Neném. Papai se surpreendeu e perguntou se eu queria mesmo convidar sua irmã para nosso casamento. Diante do meu “sim” categórico, deu o endereço do apartamento e uma explicação quase extraterrestre:
– “São dois apartamentos por andar. Você bata na porta que estiver escura”.

Quando cheguei ao prédio, descobri de imediato a moradia de uma legítima representante da família de meu pai.. As portas de entrada dos apartamentos, como era comum na época, tinham uma janelinha ou abertura fechada com grade e vidro, que permitia a identificação de quem batesse, sem precisar abrir a porta. Pois bem, a janelinha do apartamento de Tia Neném estava escura, sinal de que a sala estava com as janelas fechadas e em total penumbra.

Depois que toquei a campainha, uma das primas abriu a janelinha e foi aquele alvoroço:
– É o “Cecinhô”!!

Minutos depois a porta foi aberta e pude entregar o convite para minha tia e para uma das primas. Nessa época, elas já não se deixavam ver juntas. Quando uma estava na sala, a outra ficava no quarto. Saía a da sala e logo chegava a do quarto. Isso se repetiu quando Tio Geraldo morreu. Só uma delas foi ao enterro. Depois do sepultamento, Tia Neném e a filha deram o braço para minha mulher e foram conversando como se nada tivesse acontecido. Afinal, como orientava meu pai, o choro em público era uma coisa que devia ser evitada, mesmo diante da maior perda. Muito louco.

Um dia, para grande consternação de tia Neném e de seus irmãos, a Teresinha engravidou. O que seria para mim motivo de grande alegria, sinal de que, afinal, ela não era tão lesada como a irmã, virou motivo de vergonha e mortificação. Versões sem nexo foram divulgadas, tais como um casamento (de que ninguém nunca ouviu falar) e imediata separação, coisas assim. O fato é que essa criança, uma menina pouco mais velha que nosso primeiro filho, provavelmente nem registrada foi, o que, aparentemente, também a impediu de cursar o ensino fundamental. Não me lembro do nome dela. Até alguns anos atrás, morava com a Jumbinha, pois Teresinha, sua mãe, morreu de câncer quando ela ainda era criança.


Tia Neném (1913? – 1989)

MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4