sexta-feira, 31 de julho de 2015

JANELA

PENSAMENTO DO DIA
Como hoje é sexta-feira, não posso desperdiçar a "janela de tempo" que eu mesmo criei e me impus. Por isso, aí vai um "pensamento do dia":

Já disse (umas cem vezes) que tenho um pouco de TOC. Um dos efeitos disso é ficar com algum assunto na cabeça, assunto esse que não se esgota antes que eu faça pelo menos uns cinco comentários sobre ele. Um desses assuntos é a moda “ostentação”. 

Acho divertido, ridículo e brega o uso dessa palavra em expressões (e comportamentos) tipo “funk ostentação”. Já fiz até um cartoon sobre isso. Mas, hoje, bateu a seguinte ideia (alguém já deve ter dito isso antes), tão banal como as outras que já divulguei no blog, mas que apresento para aproveitar a “janela de tempo” aberta:

Quem gosta muito do estilo e comportamento tipo "ostentação" deve ter muita coisa para esconder ou para esquecer.


VARIANTE
Uma variante mais razoável da palavra ostentação acontece quando passa uma mulher gostosíssima na rua e o sujeito diz, salivando:
- Ô tentação! 

ESSA EU NÃO PODERIA PERDER!


Estava muito “ocupado” ontem, vendo um documentário muito legal que falava de um livro da Idade Média, cheio de iluminuras, etc. Infelizmente, peguei o bonde já andando (essa é das antigas!). O livro era o “Saltério de Sir Geoffrey Luttrell” – ou “Luttrell Psalter” (coçação de saco também é cultura). Nunca tinha ouvido falar dele, mas a internet está cheia de suas belíssimas imagens. Muitas delas retratam a vida e afazeres da época. Outras, entretanto, são puro delírio.

Em determinado momento, um sujeito começa a mostrar os demônios e assombrações desenhados nas margens e comenta que, talvez, o(s) autor(es) estivesse(m) sob o efeito de uma substância alucinógena, provavelmente um fungo encontrado no pão de centeio. Comentou ainda que a água naquele período era intragável, razão porque, para matar a sede, as pessoas bebiam cerveja de baixo teor alcoólico (o que as pessoas não inventam para encher a cara!).

Acho razoável a ideia de que as precárias condições de higiene e a promiscuidade sanitária existente naqueles amontoados de casas que deviam ser as cidades e povoados da Idade Média, favoráveis à ingestão e disseminação desse fungo alucinógeno, podem ter influenciado até o comportamento religioso da época e o surgimento de superstições, tais como o pavor das possessões demoníacas. E, em um processo inverso, as crendices religiosas podem ter afetado as noções de higiene e limpeza, formando um círculo vicioso e auto-alimentante. Imagino que alguém já deve ter escrito sobre isso com mais propriedade e profundidade, mas fica aqui meu pensamento.

Bom, pelo que entendi, o tal fungo chama-se ergot e a doença é ergotismo. Quem quiser dar uma olhada em um artigo que encontrei sobre isso, siga o link:
http://www.i-flora.iq.ufrj.br/hist_interessantes/ergot.pdf

Agora, se quiser divertir-se bastante, siga este outro link, cheio de teorias da conspiração no século XX e relatos de acontecimentos na Idade Média. Antes, só uma palinha para atiçar a curiosidade. 

Em 1374, na cidade de Aachen, Alemanha, aconteceu isso:
“Possivelmente contaminada por ergotismo, a população local acredita que vai morrer e ir para o inferno. Todos começam a dançar freneticamente. Depois de três dias, segundo registro de monges, a dança vira uma orgia gigantesca”. 

E agora, o link:

31/07/2015

COMIGO NÃO, VIOLÃO!

Em 1969, quando fazia cursinho pré-vestibular, um colega me mostrou um jornalzinho em formato tablóide, criado naquele ano. Era "O Pasquim”, e só tinha fera. A linguagem era totalmente coloquial. Como a censura comia solta naquela época, os caras começaram a criar alternativas para usar alguns palavrões ou expressões menos educadas.

O Henfil criou ou popularizou algumas palavras, como putzgrila e tutaméia, que dispensam apresentação. Outros colaboradores adotaram mifu, sifu, duca, "top top", cacilda e outras mais. O uso do asterisco foi importantíssimo para transcrição das entrevistas. Uma frase de carroceiro dita por entrevistado ou entrevistador podia ser escrita assim “vai (*) no (*)!” ou “(*) que (*)!”.

Resumindo: os caras chutavam o balde, mas evitavam ao máximo (ou tentavam evitar) problemas com a censura (leia-se ditadura). O que não impediu que quase todos os colaboradores fossem presos em 1970.

Porque estou lembrando essa tralha? Todos que me conhecem um pouco sabem que eu tenho uma obsessão obscena em me explicar (Freud deve explicar isso também). Por isso, aí vai mais uma. Algum tempo atrás, em um dia em que o bom senso prevaleceu, percebi que as coisas que escrevo de forma menos estúpida têm a profundidade de uma poça d’água e a densidade de algodão-doce (por exemplo). Por conta desse "insight", em virtude dessa qualidade e densidade (má e baixa, respectivamente) das bobagens que escrevo, eu (merecidamente) me comparei com duas antas literárias: um empresário de sucesso em BH (real) e o Conselheiro Acácio (ficção).

Por isso, vinha tentando criar um neologismo (ficou redundante) ou um novo personagem para me auto-criticar por conta de minhas “reflexões”. O Blogson já conta com o personagem "Jotabê", sempre utilizado para comentar as piadas imbecis e os trocadilhos infames que surgem em minha mente doentia. Por esse personagem ser um "sujeito" sem noção de ridículo, infantiloide, meio retardado e 100% "politicamente incorreto", tenho grande simpatia por ele. Até porque eu, José Botelho, tenho um perfil um pouco parecido com isso - meio infantiloide, um pouco retardado e 100% "politicamente incorreto". Por isso, apesar de ser uma ideia bastante esquizofrênica, achei que precisava de um personagem diferente.

Em BH existe um empresário de muito sucesso, que um dia acreditou que seus escritos e pensamentos eram tão bons quanto seu tino para negócios. O passo seguinte foi imprimir as "pérolas", emoldurar tudo e sair pendurando essas preciosidades em todas as filiais de suas empresas (essa é uma das vantagens de ser o dono). Por esse comportamento narcisista do empresário, eu poderia, talvez, utilizar as iniciais ou uma corruptela de seu nome, mas fiquei grilado (gíria antiga) de tomar algum processo. Eu sei que é paranóia, até porque ninguém lê mesmo o que escrevo, mas, sei lá, não quis correr risco. Como se dizia no Neolítico, "comigo não, violão!"

Uma coisa é certa: eu, pelo menos, jamais farei uma coisa semelhante. Primeiro, pela certeza de que meus textos não tem nenhum valor. Mas a razão principal mesmo é que não tenho grana para sair emoldurando meus pensamentos nem empresa nenhuma onde pendurá-los. Este é um dos motivos por que criei este blog (gênio!). E chega de tanta esquizofrenia! 



sexta-feira, 24 de julho de 2015

ANTI-SONETO

O que um neurótico puro-sangue faz quando resolve sair de sua "zona de conforto" (seja ela qual for)? Já pensa logo em explicar-se para quem nunca lhe pediu alguma explicação, começa a desculpar-se pelos erros que provavelmente ainda nem cometeu ou cometerá e morre de ansiedade e preocupação. Resumindo, sofre - e muito! - por antecipação. 

Eu sou desse tipo, pois sou neurótico real, de verdade, de carteirinha. Por isso, a preocupação de estar fazendo papel de idiota com o texto que será apresentado a seguir obrigou-me a fazer essa introdução antes, quase um pedido de desculpa pela ruindade do "produto". Minha zona de conforto no blog são os "causos", são as piadinhas e trocadilhos sem graça. Poesia, ficção, "literatices", definitivamente não são a minha praia.

Minha mulher sempre diz que eu explico demais, que eu falo demais. Acho que ela tem razão, mas é assim que eu sou. Às vezes eu brinco que sou muito interativo (usado como sinônimo de mala sem alça). Fazer o que, não é mesmo?

Já disse no Blogson (sou o rei da reciclagem e auto-citação) que "gosto muito de poesia e reverencio aqueles que conseguem transmitir emoção de forma concisa, minimalista. Os sonetistas então, esses são a nata, por conseguirem domar o esqueleto rígido do soneto. Em outras palavras, eu os vejo com o mesmo respeito que devoto aos neurocirurgiões. A coisa é mais ou menos como uma cirurgia feita no cérebro: o que falta em espaço sobra em restrições e cuidados a tomar. Ou seja, ambos conseguem o suprassumo da precisão e eficiência, tudo realizado em espaço muito reduzido".

O Millor, em uma entrevista, fez um comentário provocador ao afirmar que "Quando se deliberou que não haveria mais métrica e rima na poesia, toda senhora de 50 anos começou a fazer poesia".

Fiquei com aquilo solto na cabeça (estava sobrando muito espaço) e bateu uma vontade de aceitar o desafio de fazer um poema à moda antiga, com palavras e expressões em desuso, com rima e métrica, mais enfaixado que sujeito que operou a coluna. A opção pelo soneto foi imediata. E claro, seria dedicado à minha Amada.

Entretanto, por mais que ela seja minha musa inspiradora, “meu bálsamo benigno, meu signo, paixão de carnaval" (desculpe-me, Caetano), não saiu nada que prestasse, nada que rimasse, nada que se parecesse ao menos um pouquinho com o pior soneto já escrito até hoje (é óbvio que deve existir um assim). Mas acho que descobri o motivo: por conta da minha idade provecta, estou mais para expirado que inspirado.

E como não sou de jogar nada fora, resolvi agredir os 2,3 leitores do Blogson com o lixo que produzi (sou totalmente a favor da reciclagem). O resultado obtido está para um soneto de verdade como o personagem Bizarro está para o Super-Homem. O título do post já diz tudo. Vê aí.


Quisera saber fazer sonetos
p'ra cantar o que sinto por ela
Métrica justa, adequada, rimas ricas,
versos limpos em redondilha

(maior, menor, quem se importaria?)
alexandrino, estrofes isométricas
talvez. Mas que ficasse tudo certo,
“tudo esperto”, à la Vinícius de Moraes.

Invejei o engenho e a arte dos poetas
que criaram os mais ricos madrigais
Cantando seu amor por u'a donzela

Por nunca ser capaz, jamais
(tantas horas buscando a rima certa!)
de cantar uma beleza assim tão bela.


domingo, 19 de julho de 2015

PERDENDO O GÁS

Como sabem os malucos que têm a coragem de encarar as coisas que escrevo ou desenho, este blog surgiu como substituto dos inúmeros e-mails que enviava para meus filhos e uns pouquíssimos amigos. Acredito que o estilo que adoto e a forma como escrevo no Blogson traem (ou trazem) essa característica de mensagens, pois sempre me imagino falando com alguém, mais ou menos como o Tom Hanks falando com uma bola, no filme "Náufrago" - ou como meu patrono Robinson Crusoé falando com o selvagem Sexta-Feira.

Já disse também no blog que não sou bom em análise política ou em crítica social. Além disso, não tenho criatividade para criar textos ficcionais nem sei escrever poemas. Então, o que sobra são piadinhas e jogos de palavras sem graça ou infantiloides (que meus filhos dizem ser muito ruins) ou as lembranças e "causos" de gente que conheci ou com quem ainda convivo. Isso, venhamos e convenhamos, não é combustível para manter flutuando por muito tempo o Blogson, um balão cheio de presunção e vazio de auto-crítica.

A ideia de tornar públicos os textos só às sextas-feiras (para mais uma paródia com o Robson Crusoé), sugerida a título de brincadeira por meu filho mais velho, foi muito bem aceita - e sistematicamente descumprida. A compulsão de postar quase todos os dias também já foi abordada aqui. O problema principal é que estou perdendo o gás, estou ficando sem vontade de escrever muito - e sem assunto. Além disso, minhas inquietações existenciais, surgidas depois que fiz cinquenta anos, parecem ter sido serenadas, pacificadas (tenho hoje 65!). Mas o caldo entornou mesmo ao trapacear a mim mesmo, publicando ontem um comentário que fiz no blog "A Marreta do Azarãocomo se fosse um post normal ("normal" no padrão Blogson, bem entendido) . Vejam a que ponto cheguei! Drogadicto total, essa é a verdade (porque o Blogson é uma droga)!

Como preciso criar vergonha na cara e vencer essa dependência paralisante (acesso o Blogson umas trinta vezes por dia, sem exagero) resolvi chutar o balde: tenho 52 textos e desenhos programados para sair só às sextas-feiras

Já que o número de acessos ao blog não aumenta mesmo, só espero que os 2,3 leitores frequentes desta bagaça não esqueçam o velho e alquebrado Jotabê. E se pensar em descumprir a programação mais uma vez, vou pedir à minha mulher para me acorrentar no pé da cama (nada a ver com práticas sado-masô, entendeu?). Talvez assim funcione (a programação, é claro). 

sábado, 18 de julho de 2015

SÓ NA TRAPAÇA

Este post é uma trapaça que faço comigo mesmo. Decidi me desintoxicar do Blogson, da minha compulsão de postar coisas todo dia (ou quase isso). Resolvi que preciso maneirar a ansiedade, acredito que nem tenho tanto assunto assim que sirva de alimento para este blog. Por isso, a próxima publicação só ocorreria dentro de dois dias (preciso começar devagar!). E a trapaça é esta: resolvi postar no Blogson o comentário que faria no blog "A Marreta do Azarão". E o motivo é o texto do link abaixo:
http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2015/07/carla-perez-xandy-e-o-e-otchan-do.html

Vamos lá, começando pelo final:


No final do texto citado, o dono do Marreta deu uma escamada nos Beatles, meus ídolos máximos, mas não vejo problema nenhum nisso. O John era mesmo um mala sem alça. O que penso sobre esse conjunto (era assim que se falava na minha adolescência) é que, tendo começado quase (eu disse quase) como uma simples boy band, seus integrantes foram inovadores no estilo que abraçaram, o rock, uma área que tinha pouca sofisticação musical e instrumental. Tirando o gente boa Ringo, foi uma banda que contou com a sorte de ter três ótimos compositores, um arranjador genial (George Martin) e, no início, um marqueteiro competente (Brian Epstein). Como não sei inglês, não posso avaliar as letras, mas a música era (ou é) boa demais. E o melhor disco de todos é "Abbey Road". 

Quanto ao Caetano Veloso, estopim do texto citado, acredito que ele e o Chico Buarque são letristas insuperáveis, cujo defeito maior é escrever em português, uma língua periférica do mundo ocidental. Se fossem ingleses ou americanos, teriam arrasado no mundo todo.

O meio do texto mostrou duas das características básicas do Marreta, que são a cultura e o domínio vocabular que o blogueiro possui.

Quanto à primeira parte, gostei muito do texto, que me fez entender melhor por que as pessoas gostam mais de meus posts com memórias e lembranças. Falando de sua infância e juventude, às voltas com composições e redações elogiadas pelos mestres, falou também um pouco de mim (mas nunca ganhei estojo de canetinhas) e de mais um tanto de gente boa. Fico pensando que, apesar de ele gostar de textos ficcionais e poesias, acho que o Marreta dá para um bom memorialista!



sexta-feira, 17 de julho de 2015

FOI UM RIO... (MAIS UMA VEZ, VALEU!!!)

Recentemente, postei textos com minhas lembranças sobre a família de meu pai, originalmente escritos apenas para meus filhos. Esses textos tiveram ótima aceitação (no padrão minion do Blogson, lógico) e renderam comentários que me deixaram muito feliz - apesar da sisudez das minhas respostas ("obrigado"). Sei não, mas tenho um certo "pudor" na hora de agradecer, fico meio envergonhado. Mas, volto a dizer, fiquei muito feliz com os comentários.  Alguém disse serem aqueles o tipo predileto de textos que eu escrevo. E aí fiquei pensando o que faz uma pessoa que desconheço totalmente gostar de um texto "pessoal e intransferível" (como gosto de dizer)?

Para mim, um dos motivos é que a realidade pode ser tão ou mais interessante que a ficção mais delirante e criativa. Afinal, aquilo aconteceu mesmo! Outro motivo poderia ser o fato de não contar casos "chapa branca". Não me interessa contar simplesmente que a Tia Bilica cozinhava bem pra caramba (não tenho nenhuma tia com esse apelido). O que me interessa é mostrar a "Tia Bilica" às voltas com suas emoções e meu sentimento em relação a isso. Falar sobre o "wild side" é muito mais divertido que ficar só no "sunny side of the street" (esse comentário foi meio musical demais). Mesmo que, no fundo, eu tenha um carinho extremado pelas pessoas de quem falei.

Mas, talvez haja um motivo definitivo para a preferência dos 2,3 leitores mais frequentes do Blogson. E essa explicação foi ouvida muito tempo atrás.

Há muitos anos, nas manhãs de sábado, a Globo transmitia um programa educativo voltado para os estudantes de primeiro e segundo grau, se não me engano. Não me lembro mais do nome, pois não prestava muita atenção nele, já que tinha coisas mais importantes a fazer. Trocar fraldas, por exemplo.

Um dia, entretanto, tive minha atenção voltada para a leitura de um poema de Fernando Pessoa, enquanto a tela da TV mostrava belas imagens. Foi meu primeiro contato com a obra desse poeta (para falar a verdade, não ampliei tanto assim o contato depois disso). Mas o poema era muito bonito. E o locutor (ou professor ou...) fez um comentário do qual guardei o sentido. Disse que ao falar do rio de sua aldeia, Fernando Pessoa conseguira tornar-se universal. Melhor dizendo, o poema "O rio da minha aldeia", por falar de sua experiência pessoal, conseguira expressar sentimentos que podem ser entendidos por pessoas de qualquer lugar.

Então, acho que é isso: sem jamais pretender me comparar ao poeta (só temos em comum o fato de usarmos o mesmo alfabeto e sermos lusófonos - e, ainda assim, com diferença de sotaque e cultura) percebi que quando falo de casos e pessoas próximas a mim, quando abordo experiências e sentimentos puramente pessoais, consigo criar uma sintonia com pessoas a quem desconheço totalmente, justamente por tratar de "sentimentos universais".

Independente de qual explicação seja a verdadeira, só posso repetir o final de um post escrito em 2014, doze dias após a criação do Blogson:

“Então, ratificando, a sensação que eu tive foi (...) de alegria (...). Por isso, eu digo a todos, conhecidos e desconhecidos: VALEU!!!”


E agora, o que realmente vale a pena ler: a poesia de Fernando Pessoa


O RIO DA MINHA ALDEIA
(Alberto Caieiro)

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios, e navega nele ainda,
Para aqueles que vêem tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha, e o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.



terça-feira, 14 de julho de 2015

FANATISMO

Os fãs entusiásticos da série Star Trek (conhecidos por “trekkies” ou “trekkers”) ou aqueles que idolatram o “combo” Star Wars (conhecidos por “star warriors”) bem que poderiam ser considerados membros de uma seita (claro, cada um com a sua), de tão fanáticos que são. Mas não seria exatamente uma seita esotérica; no máximo, seria exo-terra.
(a Toscana é nossa!)

segunda-feira, 13 de julho de 2015

HOJE AINDA É DIA DE ROCK

Hoje é dia de rock! Melhor dizendo, hoje é o Dia Mundial do Rock. Mas isso só vale no Brasil, estamos combinados? Essa caretice começou a partir de 1985, com o nome de Dia Brasileiro do Rock. Motivo para ficar feliz com isso? Nenhum. 

Talvez devido a meu temperamento genuinamente anti-social, uma coisa que sempre abominei e vi com desconfiança é o comportamento de manada. Um bom exemplo disso é a criação de alguma data "comemorativa". Para mim, essas datas são, em sua maioria um porre só. Dia Internacional da Mulher, por exemplo. Quer coisa mais excludente, hipócrita, preconceituosa e machista que uma celebração como essa? Todos os dias são - ou deveriam ser - o "dia internacional da mulher"! Eu sonho com o dia em que as mulheres mandem enfiar essa comemoração no cu dos homens, dizendo -"não precisamos mais disso. Somos - para sempre - iguais ou melhores que vocês".

O mesmo sentimento eu tenho em relação a um Dia Mundial do Rock. O Mick Jagger teria dito que o rock, mais que um estilo musical, é atitude. Pois é. E não há nada com menos atitude que a celebração de um dia "mundial" do rock. É mais ou menos como fazer o vovô sentar em uma cadeira de balanço, colocar um cachecol em seu pescoço e pantufas nos pés (o contrário disso seria muito estranho) e dizer que aquele é o melhor lugar para ele. Para mim, dia do rock é um dia em que tem show de rock!   

Na década de 1950 o rock mostrou a cara para o mundo com o som do Bill “cachinho” Halley, Chuk Berry, Jerry Lee Lewis, Little Richard e Elvis (The Pelvis)Na década de 1960 explodiram os Beatles, os Stones, Beach Boys e os Animals. Às vésperas da década de 1970, The Who, Mothers of Invention, Jimmi Hendrix, a gangue de Woodstock e a turma do "sexo, drogas e rock and roll" puseram para foder.

Como isso aqui não é um catálogo nem dicionário de rock, lembraria ainda o Pink Floyd, o Led Zepellin, Yes, Genesis, Jethro Tull, Deep Purple, Black Sabath, AC/DC, B-52, Iron Maiden e até o Queen, Kiss, The Police, Green Day e todo tipo de músico que as mamães de antigamente gostariam de manter distantes de suas filhinhas.

Hoje, infelizmente (ou não), o rock perdeu importância, perdeu a aura e a mística que já teve um dia. Então, comemorar o dia do rock é como fazer uma excursão ao museu ( -"olha lá, aquilo existiu mesmo!"). E, apesar de meu desprezo por datas comemorativas, acho que hoje o dia do rock até cai bem com um chazinho (detesto chá!) e umas torradas com geleia. Pena que o Dia da Pizza foi comemorado no dia 10 de julho. Se fosse no dia 13, a combinação seria perfeita. Eu poderia dizer que o rock, no fim das contas, terminou em pizza.

Notas finais:
O nome deste post é o título de uma música gravada por Sá, Rodrix e Guarabyra. Quem não conhece ou quer relembrar, siga o link abaixo.
http://www.vagalume.com.br/sa-rodrix-guarabyra/hoje-ainda-e-dia-de-rock.html

E se você quer  conhecer um pouco da irreverência que o rock já teve, dê uma olhada nesta capa de um dos discos do Mothers of Invention (traduza também o título). Parece que os Beatles ficaram ofendidíssimos pela gozação à capa antológica do disco "Sergeant Pepper's" e rolou até processo de plágio, se não me engano. Depois disso, até os Simpsons ganharam uma imagem parodiando a, talvez, capa mais famosa da era dos vinis.

Agora, olha a original dos Beatles:



domingo, 12 de julho de 2015

COMENTANDO AS PENÚLTIMAS - 07

Recentemente, o senador Humberto Costa disse textualmente que “o Aécio Neves, secundado por um conjunto de parlamentares e elementos da extrema direita ‘pretendem’ de toda forma aplicar um golpe no Brasil, tentando cassar o mandato da presidenta da República, que foi eleita pela maioria dos brasileiros (...) Ele é o capitaneador desse processo”. Será mesmo?

O que está acontecendo é que o Tribunal de Contas convocou a presidente para explicar as “pedaladas fiscais” cometidas em 2014. Se o Tribunal rejeitar as contas de seu governo, ela estará sujeita a um processo de impeachment. Que será ou não conduzido pelo Congresso.

Acho bacana quando alguém diz que a Dilma foi eleita pela “maioria dos brasileiros”. Primeiro pelo fato de que, normalmente, ninguém é eleito se tiver uma minoria dos votos segundo as normas de qualquer processo eleitoral (bazinga!). Segundo, porque ela teve apenas mais votos que os outros candidatos, se considerados isoladamente.

Segundo o site do TSE, a Dilma teve 54,5 milhões de votos em um total 142,8 milhões de eleitores. Depois de obter esses números no site do TSE, pude verificar que a Rousseff teve apenas 38,1% dos votos possíveis. E isso depois de prometer o que nunca poderia cumprir! Por isso, "maioria", não.

Eu sempre fico irritado, puto da vida, quando alguém da esquerda usa o termo “extrema direita” para demonizar tudo o que não se parece com sua visão de mundo. Esse pensamento paranoico teve seu equivalente no tempo dos generais presidentes, quando quem tinha críticas ao governo era chamado de "comunista". Outra maluquice, está na cara. A política brasileira nunca foi "bi-cromática" (direita ou esquerda) apenas; o que ela sempre teve mesmo é cinqüenta tons de cinza (e, parecido com o livro, o que já teve - e tem - de putaria...). 

Além do mais, diante da possibilidade de a “Dilma 9%” tomar um pé na bunda, chamar todo mundo de extrema direita é só uma atitude extrema de esquerda, preocupada que está com o futuro (do PT, lógico).

E, se você pensar bem, diante das últimas notícias e imagens da presidente andando de bicicleta, dá para concluir que, no fundo, no fundo, ela gosta de uma boa pedalada (acho que podia ter deixado essa de fora...).

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sábado, 11 de julho de 2015

GATÃO DA MELHOR IDADE

Hoje, ao acordar, depois das abluções matinais (acho linda essa expressão. Se fosse mais novo até faria uma tatuagem com ela), fiquei admirando a imagem refletida no espelho. Examinei detidamente os olhos, a pele, os cabelos (o que restou deles, bem entendido), a barriga, o porte físico. A conclusão a que cheguei é que, apesar da idade provecta (6.5 na véia), estou cada vez mais gato. É verdade!


O Miguel Paiva, grande cartunista, criou o personagem “gatão de meia idade”. No meu caso isso não dá mais, mas aceitaria de bom grado ser chamado de “gatão da melhor idade”. Só que o gato que melhor me representa é da raça Sphinx: sem pelo, olhos arregalados, pele toda enrugada e feio pra caralho. Olha o Jotabê felino aí em baixo. Só faltou a pinta no lado esquerdo.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

SÓ PARA PASSAR O TEMPO - 01

Há muitos anos, a igreja que frequento era de responsabilidade dos Padres Cruzios, todos eles holandeses. A casa paroquial onde moravam era guardada por um cachorro pastor alemão bravo pra caramba. Um belo dia, fiquei sabendo que o cão mordera a mão do vigário. Não tive dúvida tratar-se de um conflito religioso: um pastor alemão mordendo um padre holandês. Óbvio!


Lembrei-me desse caso depois de ter lido no site do IG que a filha do Edir Macedo lançará seu livro “Casamento Blindado” em outro continente (não conheço o conteúdo do livro, mas acredito que podia ter o subtítulo "usando o cinto de castidade"), com tiragem inicial de 45.000 exemplares! E o continente é a África, onde já existem mais de cem franquias da Universal.  Mais de cem igrejas na África! Se vacilar, até gnu já foi convertido (zebra, não, porque com ele só vale o que pode dar certo). Tenho que admitir que o bispo é muito foda em prospectar novos mercados e novos negócios! 

Foi aí que me ocorreu uma ideia que passaria para ele "de grátis", sem cobrar nada: a Record já faz novelas com temas bíblicos, certo? Porque não fazer também um desenho animado no estilo Hanna Barbera? Esse estúdio tinha um personagem parecido com o Scooby Doo, um dog alemão biônico ou um robô em forma de cachorro, não sei bem. No Brasil, recebeu o nome de Bionicão

Se essa ideia fosse aprovada, eu já teria duas sugestões: o cachorro seria um pastor alemão (questão de afinidade religiosa, sabe como é?) e o nome em português poderia ser Evangelicão. Show de bola!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

COISAS DE ORATÓRIOS

Meu pai nasceu em Oratórios, mais precisamente em São José dos Oratórios, na época em que esse município ainda era apenas um distrito de Ponte Nova. Saiu de lá na década de 30, creio, mas guardou sempre uma lembrança carinhosa de sua terra. De tal forma, que quando mencionei que o João Bosco, compositor nascido em Ponte Nova, havia gravado uma música com o nome de “Das Dores de Oratórios”, meu pai espantou-se:

 Não é possível! Será que é mesmo a minha querida Oratórios?

Era. Dei a ele o disco que continha essa música. A bem da verdade, não era uma música para se gostar de imediato. Falava de uma noiva que foi abandonada no altar, enlouquecendo a partir daí. Trajando o que restou do vestido de casamento, ficava gemendo e gritando pela cidade.


Quando eu e meu irmão éramos crianças, nosso pai nos contava histórias incríveis enquanto nos colocava para dormir. Começou contando casos de sua infância e acabou com histórias mirabolantes inventadas por ele. Para nós isso não fazia a menor diferença, porque tudo parecia ser a narrativa saída de um livro de aventuras, tal sua dessemelhança com nossa vida de crianças de cidade grande cercadas e controladas por onze adultos.

Minha irmã, onze anos mais nova que eu, também ouviu esses casos. Meu pai era um bom contador de histórias mas, talvez, a explicação do encanto e diversão proporcionados por esses casos antigos esteja nesta frase ouvida recentemente (infelizmente, desconheço o autor): “nada é mais estranho que o passado recente”.

Finalizando essa não tão pequena introdução, preciso dizer que a maioria dos casos ouvidos por nós dissipou-se como fumaça, como a fumaça do tempo que passou. Por isso, relembrar alguns desses casos ingênuos, divertidos e antigos que já tinha esquecido, me deixa feliz. Porque parte do que sou hoje veio lá de São José dos Oratórios, veio da família de meu pai, de seus costumes, de sua esquisitice e de sua forma peculiar de relacionar-se com o “mundo exterior”. Para isso, vou usar e abusar da memória e das descrições encaminhadas por minha irmã, que conviveu muito mais tempo com nosso pai. Vamos lá:


DO TEMPO DA ESCRAVIDÃO
“Papai me contava algumas histórias dos escravos do avô dele (pai da vovó Vita): quando ocorreu a abolição, eles imploraram para continuar na fazenda porque não queriam ir embora de jeito nenhum – e realmente continuaram lá. Segundo relatos de nossa avó, esses escravos eram tratados com consideração, como se fossem empregados e não escravos. Uma das histórias que eu mais gostava de escutar era a de um escravo velho e meio amalucado: no dia em que ele cismava que era feriado não tinha ninguém que o convencesse do contrário. Punha uma garrafa de cachaça debaixo do braço e ia às fazendas da vizinhança provocar ‘os colegas que não estavam de folga’. Isso dava uma confusão danada para o nosso bisavô, que depois tinha de apaziguar a fúria dos demais fazendeiros, porque o tal escravo perturbava o trabalho dos outros. Segundo papai, nossa avó contava esse caso com muita simpatia e muita ternura porque gostava muito do preto.

Quanto à família do vovô Augusto, imagino que talvez tivesse um perfil abolicionista, porque não me lembro de relatos desse tipo de história; ao mesmo tempo, lembro-me vagamente de menção à revolta de nosso avô frente a situações de desumanidade. Papai dizia sempre que seu pai era um homem extremamente correto e justo e não mentia em hipótese alguma, doesse a quem doesse, embora fosse muito amoroso”.


SÁ GERMANHA E SÁ GENOVEVA
“Sá Germanha (Germania) e Sá Genoveva eram empregadas da casa deles e, provavelmente, irmãs. Uma delas dizia que quando ia a um ‘baile’, levava um almanaque; assim, quando algum ‘cavaiero’ a convidava pra dançar, ela agradecia e recusava delicadamente explicando – ‘não posso, estou estudando’. E papai acrescentava que o almanaque devia estar de cabeça pra baixo, porque ela não sabia ler.

Uma delas, quando ia à cidade fazer compras, às vezes voltava vitoriosa contando a negociação que tinha realizado. Era alguma coisa como – ‘acha que eu sou boba de comprar isso por cinco réis (ou coisa parecida)? Eu levo se o senhor deixar por dez!’ E o comerciante muito generosamente e em consideração à ‘clientela fiel’, concordava!

Um dia, quando uma delas estava na cozinha com uma conhecida, um dos tios entrou e perguntou se o ‘coffee’ estava pronto e ela respondeu que já estava saindo. Outro tio surgiu e ela informou que o café estava pronto, ao que ele respondeu: – ‘oh! muchas gracias!’. A amiga, boquiaberta, perguntou se ela entendia o que eles diziam e ela muito importante esclareceu: – ‘ah minha filha, pra trabalhar aqui nesta casa, tem que falar muitas línguas’.”


ZÉ MAMÃO
“Sei que morava em Oratórios e papai falava dele com muita simpatia. Ele gostava muito da família do papai e ia com muita frequência na casa ou venda deles. Uma vez ele apareceu com uma mala velha de couro e foi se despedir porque estava indo embora para Ponte Nova ou sei lá onde. Tio Delvaux então com muita conversa e psicologia o convenceu a desistir do intento, usando argumentos ‘fortes’ ao dizer como todos na cidade ficariam muito tristes com a ausência dele e que não achariam ninguém para substituí-lo nas ‘funções imprescindíveis que ele executava tão bem’, funções essas que eu não lembro bem, mas eram umas coisas bem malucas. E Zé Mamão, muito comovido, desistiu de ir embora e abriu a mala para que o Tio Delvaux visse as preciosidades que ele ia levar: uns carretéis de madeira vazios, umas latinhas, uns vidrinhos sem tampa e um pedaço de fumo de rolo. Aí foi a vez do Tio Delvaux ficar comovido com tamanha inocência. Outros tempos, né?”


NADANDO NO RIO
“Segundo papai, algumas vezes, ele, Tio Nhô, seu primo Odilon e outros amigos iam para a beira do rio fumar escondido. Quem sabia nadar, aproveitava a ocasião pra se refrescar; um desses era o Odilon.

Papai dizia (e mamãe também confirmava) que seu primo era moleque demais. Em um desses dias, depois de ter nadado bastante, montando na bicicleta todo molhado e, diga-se de passagem, nu e com o cigarro no canto da boca, começou a fazer demonstrações das habilidades ciclísticas. Só que justo nessa hora, passa a jardineira (ônibus) das moças do colégio interno e com as freiras também, que dão de cara com a cena: Odilon pedalando a bicicleta, pelado e de cigarro na boca.

Papai contava que foi aquele alvoroço, as freiras horrorizadas tentando tapar os olhos das moças e algumas mais assanhadas olhando animadamente com risinhos disfarçados e irônicos.”


O PRIMEIRO AUTOMÓVEL
“Papai contava que em determinado dia chegou o primeiro automóvel em Oratórios e, como era de se esperar, causou imenso rebuliço. Todos os moradores, boquiabertos, querendo ver de perto aquela preciosidade. Era um carro alemão (papai dizia a marca, mas eu não me lembro).

Como ninguém sabia dirigir, resolveram chamar certo indivíduo, muito ‘gabaritado’ por ter morado algum tempo no Rio de Janeiro. O problema é que o sujeito também não sabia dirigir, mas não podia dar o braço a torcer. Como dizia papai, “montou no carro e ligou a ignição” e saiu dando arrancos e mais arrancos e fazendo um barulhão, em meio ao espanto e entusiasmo geral.

Quando alguém com um pouco mais de sensatez perguntou ao ‘experiente motorista’ se era daquele jeito mesmo, ele respondeu categoricamente que sim, porque aquele era um carro alemão e os alemães são assim mesmo, ‘muito bruscos’”.


“O SECRETÁRIO MODERNO”
“Outro caso de que me lembrei foi o de um amigo do Tio Lourival que ficou hospedado na casa dos nossos avós alguns dias. Esse amigo estava radiante com um livro que havia adquirido. O título era ‘O Secretário Moderno’ e o livro apresentava modelos de cartas para várias situações. Quando partiu, despediu-se calorosamente de todos, principalmente do amigo Lourival, agradecendo a hospedagem.

Pois bem, pouquíssimos dias depois, Tio Lourival recebeu uma carta desse amigo com os seguintes dizeres (imagino que devia ter um prezado ou caro ou algum outro pronome de tratamento):

‘Lourival,
Qual o motivo do teu silêncio?' 

E papai completava  ‘ele devia estar doido para estrear o livro, mas não conseguiu encaixar o Lourival em nenhum dos modelos de carta. Não encontrando outra opção, não se deu por rogado’.
Fico imaginando a cara do Tio Lourival, que era muito irônico, lendo a carta.”


LINGUIÇA NO FUMEIRO

Imagino que no início do século XX todas as casas mais simples possuíam um fogão de lenha. Também existia um na casa de meus avós paternos, em São José dos Oratórios (distrito de Ponte Nova). Pendurado sobre o fogão havia um pau roliço, onde se colocava parte da produção caseira de linguiças, que iam sendo defumadas graças ao calor e à fumaça da lenha queimada para o preparo das refeições da família.

E é aí que entra a protagonista deste caso: uma mulher meio louca, meio desaforada e talvez já um pouco idosa, às vezes ia à casa de minha avó pedir esmola ou comida, se não me engano. Pelo menos para meu pai e seus irmãos era conhecida por "Sá Maria me Atende" (a súplica transformada em apelido!).

Creio que em um dia qualquer, Sá Maria entrou na casa, provavelmente pela cozinha, e pediu comida. Uma de minhas tias, talvez desejando verdadeiramente ajudar a coitada, ofereceu trabalho a ela. E a surpresa veio com a resposta dita de forma irônica e lírica, dizendo que aceitava galinha assada e "linguiça no fumeiro", mas de trabalho estava fugindo. E nunca mais voltou a por os pés na casa de minha avó. É uma historinha boba? Certamente que é, mas a frase esquecida é que daria sabor a esse "causo", talvez um sabor de linguiça caseira defumada lentamente.


FALANDO FRANCÊS
“Trata-se do filho de um dos moradores do distrito; o pai era frequentador e freguês do armazém de nosso avô Augusto. Homem muito humilde, trabalhador rural e que tinha muita estima pela família do papai, no final do dia, depois da lida, ia para o armazém conversar fiado, fumando cigarro de fumo de rolo e provavelmente tomando uma pinguinha, como muitos outros. 

Pois bem, esse homem simples tinha um filho que foi mandado para um seminário como auxiliar de serviços e adquiriu algum estudo por lá. Teria sido enviado para esse seminário por intermédio de algum patrão do pai com a intenção de ajudar na educação do rapaz. De tempos em tempos o rapaz voltava à casa paterna, talvez em período de férias e o pai, muito orgulhoso,ao exibir o talento de seu primogênito, aparecia no armazém geralmente em dia e horário de maior movimento, para que mais pessoas pudessem apreciar o espetáculo. E começava ordenando ao filho que pedisse o primeiro item da lista de compras apontando para o saco de arroz. O “crioulinho” (era assim a referência ao elemento) na maior desenvoltura, pedia em alto e bom som (vou escrever do jeito que se pronunciava):

 ‘Done moá an quilô de arrozê’.

(Entenda-se: done moá an quilô = donne-moi un kilo...)
E o pai, orgulhosíssimo, olhava ao redor para ver a impressão causada nos demais, igualmente encantados e boquiabertos. E assim o filho prosseguia com os outros itens. Feijão virava feijô, fubá virava fubê, farinha era farinhê na boca do picareta. E ouvindo o filho falar "francês", o pai, não se contendo de emoção, já engasgado com toda aquela erudição, ordenava o último item e o rapaz, sem pestanejar:

 ‘Done moá ine rapadurê’.

Em vista disso, o pobre homem prorrompia em pranto e, entre lágrimas, exclamava:

 ‘Ele fala um francêis tão ispivitado, que até eu, que sou anarfabeto, entendo!

E papai concluía de forma solene e irônica: ‘Coisas de Oratórios!’ Mamãe sorria e balançava a cabeça como quem diz ‘nunca vi tanta bobagem’”.

* * * * *

Este texto é uma homenagem a meu pai, nascido em 1911, em um dia de Finados. Por ter acompanhado o enterro dos pais e de quase todos os irmãos (era o segundo mais novo), ele odiava essa data, ocasião em que trancava-se em um quarto, imagino que entregue às lembranças da família. E só permitia a entrada dos filhos.

É também um agradecimento público à minha irmã, pela paciência e empenho em lembrar e escrever esses casos para mim.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

DORMINDO PROFUNDAMENTE

Este post é mais um adendo ou anexo, pois não fazia parte do texto que escrevi para meus filhos. Resolvi fazê-lo para encerrar a série "Século... vírgula..." sobre a família de meu pai, depois de receber três presentes de minha irmã.

ÁLBUM DE RETRATOS
O primeiro presente foram os retratos que ela me enviou por e-mail. Fiquei fascinado com as fotografias. Sinceramente, gostaria de apresentar os tios sem a beca de formatura, mas não consegui as fotos 3 x 4 de todos. O TOC me impediu de usar quatro fotos normais e só uma com beca. As fotos das tias são mais recentes, tal como eu me lembro delas. E a ordem, claro, é coerente com a data de nascimento de cada um. O casal que aparece em uma foto esmaecida são meus avós paternos - Vovó Vita e Vovô Augusto (Sô Gusto). Esse retrato tem mais de setenta e cinco anos, pois quando eu nasci meu avô já tinha morrido.

Curioso é o fato de todos os homens terem estudado medicina e todas as mulheres farmácia. É claro que alguma coisa deu errado nessa história, pois nenhum dos homens exerceu essa profissão! A minha dedução é que aconteceu com meus tios o mesmo que com meu pai: estudaram medicina só para agradar os pais. 

Não faz muito tempo, inexistia a separação nítida de cursos universitários tal como é hoje. Tive um colega cujo título era engenheiro civil-eletricista. Minha mãe tinha um cunhado cujo título era engenheiro-arquiteto. Assim, imagino que, na época de meus tios, quem se formava em medicina estava automaticamente habilitado em farmácia. Foi o que aconteceu com meu pai.

Aliás, há mais uma curiosidade: durante o Estado Novo, se não me engano, os farmacêuticos foram autorizados a registrar-se como químicos, para suprir uma mão de obra inexistente e necessária aos esforços de industrialização do país. Dessa forma, meu pai tinha a formação de médico, farmacêutico e químico (profissão que realmente exerceu). 

Esse colar de títulos universitários não o impediu de viver duro a maior parte da vida, sempre às voltas com agiotas. E o motivo, creio, é bem simples: com a morte de dois dos irmãos mais velhos e a quebra dos negócios da família, sobrou para os remanescentes o pagamento de dívidas e encargos, situação bem na linha da frase -"segura no pincel aí que eu vou tirar a escada”.

QUADROS
Na mesma linha homenagem-memória dos textos anteriores, apresento duas imagens do "quadro dos carneiros" mencionado no post anterior ("SÉCULO VINTE VÍRGULA TRÊS"). A primeira resultou de uma foto tirada (ficou com reflexo do flash) por minha cunhada e tem as cores originais da pintura. A segunda é a cópia que está hoje na casa de minha irmã. Como pode ser visto, as cores não correspondem às originais.



NO PAÍS DOS BANGUELAS
Recentemente, minha irmã perguntou se eu queria uma maletinha que pertenceu ao pai de meu pai. Acho que a resposta que dei é óbvia, não? Aceitei na hora, lógico!

Além de toda desmontada e comida de cupim, trazia uma curiosidade: na parte interna (apesar dos cupins), estavam preservados os "berços" das ferramentas que ali estiveram acondicionadas. As formas das ferramentas eram visualizadas ou intuídas facilmente. E eram alicates, boticões e ferrinhos de dentista!

Como meu avô era dono de armazém... em um distrito de Ponte Nova... no final do século XIX / início do século XX... só posso pensar que, às vezes, talvez exercesse também essa atividade naquele fim de mundo. O que teria suas vantagens: antes de extrair o siso de alguém, já vendia logo o anestésico (cachaça, claro).

NASCIDOS NA FAZENDA - 05

Por mais que eu goste de retratos, preciso admitir que a foto de algum parente falecido a quem nunca tivemos oportunidade de conhecer é um...