Algum tempo atrás, a revista Veja trouxe esta
informação: quando o papa João Paulo II veio ao Brasil em 1980, a porcentagem
de católicos declarados era de 89% da população; em 2013, essa porcentagem caiu
para 64%. Segundo essa revista, a previsão é que em 2030 os evangélicos (bem
entendido, todos os fiéis das várias denominações) ultrapassem os católicos.
Fiquei pensando nessas coisas e cheguei a uma
simples conclusão. Não é a fé que está em jogo, o problema é de estratégia mercadológica.
Se víssemos as vertentes católica e evangélica como duas redes varejistas
concorrentes, tipo Casas Bahia e Ricardo Eletro, teríamos a seguinte
situação:
As duas redes oferecem o mesmo “produto” – no
caso, Deus (embora uma delas goste de alardear que seu produto é melhor, com
frases como “o meu Deus...”). Ora,
se o produto é igual, é preciso avaliar as condições comerciais de cada “loja”.
Por exemplo, as condições de pagamento: as
lojas católicas aceitam qualquer merreca ou até nada mesmo. Já na concorrência,
até onde sei, o pagamento mínimo é de 10% da renda do “freguês” (o trocadilho
não foi intencional. Escapou-se-me.). Ponto para a rede católica.
Os vendedores da concorrência poderiam dizer
que as lojas católicas trabalham com um tipo de venda casada que eles não
fazem. Imagino até o argumento:
- Vê se
pode, lá neles, para levar o pacote completo da Santíssima Trindade nesse
preço, só se levar também Nossa Senhora e um montão de santos.
- Ah,
não! Aí fica muito caro!
Mas não creio que seja esse o motivo do
crescimento das vendas dos evangélicos.
Bom, o que sobra então é a publicidade e o valor
agregado (odeio esta expressão) que cada rede consegue impor ao seu
produto.
Se compararmos as campanhas publicitárias das
duas redes, a diferença é gritante (muitas vezes, no sentido literal). A rede
católica praticamente não tem publicidade; a concorrência, no entanto, utiliza
a mídia de forma maciça em suas várias opções (até ônibus). E enquanto a rede
católica fazia “opção preferencial pelos
pobres”, a rede evangélica prometia mundos e fundos (de investimento,
talvez) aos consumidores, ciente do sentimento expresso pelo “filósofo” e
carnavalesco Joãozinho Trinta quando disse que "Pobre gosta de luxo! Quem gosta de pobreza é intelectual"!
O único valor agregado plausível são os
milagres. Aí é que está o grande diferencial. Pode parecer que as duas redes
agregam o mesmo valor a seu produto, mas há diferenças de qualidade e
quantidade.
A rede católica oferece milagres sofisticados
e raros, qualitativamente bem acabados, mas quase inatingíveis. Para o sujeito
conseguir um milagre, tem que ter excelente cadastro. E contar ainda com a
intervenção de algum santo. E são exigidos muitos formulários, há muita
burocracia.
Já na rede evangélica (pelo menos em algumas
denominações) rola a maior esculhambação. Quantidade é o que não falta (mesmo
que a qualidade seja até risível). É “milagre” a rodo, todo dia. Tem pastor
(perdão, eu queria dizer vendedor) que até deveria se chamar Apracur (“Apracur é pra curar...”), de tão fodão
que o cara é, pois cura até AIDS!
Há ainda um aspecto que sempre chamou minha
atenção: se você ouvir os clientes e vendedores (na verdade, “vendilhões do
templo”) de algumas denominações evangélicas, vai notar que falam sempre em
progresso e cura materiais, nunca em cura e progresso espiritual. Talvez por
isso é que a rede evangélica cresceu tanto: parece que o sujeito muda de igreja
para se dar bem na vida, só isso.
Ou ainda: é como se os "migrantes" tivessem se cansado do modelo antigo e estivessem à procura de um modelo novo, mais bonito, com novas funcionalidades. Por isso, fica a pergunta final:
Para esse pessoal que trocou o catolicismo por uma dessas novas versões de igreja evangélica, Deus lembra ou não lembra um novo modelo de eletrodoméstico?
(29-06-2014)