No início deste mês completei 75 anos de
idade, setenta e cinco anos! Duvido que existam blogueiros mais velhos que eu.
Por isso, para “ensinar” a meninada mais jovem, aí na casa dos sessentinha ou
menos, resolvi dar um spoiler de como provavelmente estarão quando atingirem a
minha idade atual. E quis fazer isso agora, porque já terei virado poeira de
estrelas (stardust) quando estiverem ouvindo alguém cantar que vai comer seu bolo.
Talvez minhas "aulas" sejam um segredo de Polichinelo, mas o fato real é que velhice chega como quem não foi convidada e,
mesmo assim, age como dona da casa. E o mais curioso é que ela se instala sem avisar, em
silêncio, insidiosamente, como um ladrão que invade uma residência que alguém se esqueceu de
trancar.
Nessa fase meu corpo lembraria uma indústria dividida
em vários departamentos ou seções, mas mal administrada e deficitária: o
almoxarifado não tem peças de reposição, o setor de manutenção foi sucateado. O
setor de transporte geralmente anda mal das pernas, o que é literalmente
verdade, pois os joelhos guincham e choram – cantando fados tristes a cada
tentativa de agachar. O setor de geração de energia usa e abusa de combustível
de baixa qualidade – meu abdômen, volumoso, revela anos de alimentação descuidada,
aliada a uma ansiedade congênita que me faz assaltar a geladeira e potes de
biscoito durante a madrugada.
A visão embaça lentamente, graças a uma
catarata que ainda não foi operada, como se o mundo também cansasse de ser
visto. E por falar em sensação de cansaço, ela é companheira constante, assim
como o desânimo e a vontade de nada fazer. Esse quadro é – ou deveria ser – preocupante,
não fosse uma insólita sensação de imortalidade – sentida na juventude,
mas injustificável na velhice.
Mas a mudança mais
estranha acontece no cérebro, que funciona como uma agência de publicidade e
marketing, estruturada para atender todo tipo de público, pois nem tudo
envelhece de forma igual ao mesmo tempo. A curiosidade continua infantil, um
pouco na pegada do George Bernard Shaw quando disse que “alguns homens veem as coisas como elas são e dizem por que, eu sonho
coisas que nunca existiram e digo, por que não?”
Mesmo embaralhado com outros sentimentos, o
senso de humor continua a existir e lembra o de um adolescente despreocupado. Mas o que mais me
espanta é continuar a olhar a vida, o mundo, as pessoas com os mesmos olhos de quando tinha
vinte ou trinta anos. E essa maneira de olhar, a visão atraída por corpos jovens, de pele hígida e formas sedutoras,
ainda desperta em mim desejos de um homem de trinta — embora tudo permaneça,
platônico, no território exclusivo da mente.
Resumindo a gororoba, a velhice inapelável se
instala, mas sem um espelho à frente que nos mostre a verdade, a mente reage como
se as idades já vividas pudessem ser revividas. Alguém disse uma frase muito
boa que utilizo para fechar este spoiler de envelhecimento: “Envelhecer, no fundo, é esse embate entre a
esperança e o espelho. E o espelho, ingrato, nunca mente”. E sempre vence.
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