Tenho tido muitos pesadelos ultimamente – pesadelos que me fazem acordar triste, deprimido. E o pior é que guardam uma semelhança muito grande entre si. Sempre trazem a sensação de abandono, censura, de rejeição. Os ambientes não correspondem a nenhum lugar que conheci, são mal iluminados e há poucos móveis, como se estivessem sendo desocupados.
Às vezes, sonho que volto, ou tento voltar, para a empresa onde trabalhei durante quatorze anos e onde fui
mais feliz – e da qual saí no meio de um processo trabalhista, quando ela já
estava pré-concordatária. Hoje, essa empresa não existe mais, mas mesmo sem nunca mais ter tido contato com nenhum deles, me sinto
censurado, ignorado pelos colegas que nela permaneceram até o naufrágio definitivo.
Mas, nesta madrugada, o pesadelo foi
diferente. Sinceramente, foi tão louco que eu tenho dúvida se era apenas um sonho/pesadelo "normal" ou se estava interferindo no "enredo". Começou com contornos bíblicos e depois ganhou o formato de um
roteiro de filme de terror. Confesso que não sei onde terminou o pesadelo –
iniciado ainda sob sono profundo – e onde começou o delírio meio alucinógeno em
que ele se transformou, a ponto de me fazer querer interferir no diálogo iniciado
quando o Criador, depois de chamar o anjo exterminador, começa a desabafar:
– Não
aguento mais a maldade dos homens! Devia ter deixado que essa gentinha se
afogasse no Dilúvio – ia sobrar até para o Noé e sua família!
– Mas, Senhor... fostes Vós mesmo que os criastes!
– Não te pedi opinião! Mandei te chamar para acabar com os maus.
– Não seria melhor acabar com a maldade humana?
– Não! Se fosse isso, teria que extinguir toda a humanidade.
– É verdade... Seria um trabalhão – com o perdão da má palavra – dos diabos. Além disso, não haveria espadas de fogo suficientes.
– Pois é. Mas me lembrei da Revolução Francesa, quando milhares de pessoas foram guilhotinadas. Acho que a guilhotina é um bom instrumento para acabar com a nobreza da maldade e do crime.
– E quando posso começar?
– Já. Mas vamos definir uma ordem: primeiro os reis do tráfico, depois os príncipes da corrupção, os duques do feminicídio, os marqueses da pedofilia e, por fim, os condes e barões da mentira, da maldade e da crueldade humanas.
– Boa!
Mas um silêncio ensurdecedor se instalou. E
eu me dei conta de que estava acordando. Aquilo tinha sido só um sonho – ou um
pesadelo lisérgico. Pensei que aquele diálogo poderia servir como um bom
rascunho para um filme apocalíptico. Virei-me de lado tentando dormir de novo,
pois ainda eram duas da manhã. Mas tive a certeza de que um filme assim não
faria sucesso – e ainda receberia muitas críticas, até mesmo de algum “nobre”
que tivesse vestido o barrete (ou a carapuça).
Ao voltar a dormir, surgiu outro pesadelo,
tão recorrente quanto o primeiro: nele, eu me via ainda trabalhando na empresa
onde me aposentei – depois de onze longos e odiosos anos. A sensação era
parecida: sentia-me ignorado, veladamente censurado e rejeitado pelos
ex-colegas de quem não gostava – e eu não gostava de quase ninguém. Ao acordar, numa mistura de alívio e raiva, disse para mim mesmo:
– Eu não trabalho mais nessa merda!
Mas o gosto amargo – que algum gaiato definiu como “gosto de fundo de gaiola” ou “de cabo de guarda-chuva” – permaneceu na boca. Já era hora de levantar.
– Mas, Senhor... fostes Vós mesmo que os criastes!
– Não te pedi opinião! Mandei te chamar para acabar com os maus.
– Não seria melhor acabar com a maldade humana?
– Não! Se fosse isso, teria que extinguir toda a humanidade.
– É verdade... Seria um trabalhão – com o perdão da má palavra – dos diabos. Além disso, não haveria espadas de fogo suficientes.
– Pois é. Mas me lembrei da Revolução Francesa, quando milhares de pessoas foram guilhotinadas. Acho que a guilhotina é um bom instrumento para acabar com a nobreza da maldade e do crime.
– E quando posso começar?
– Já. Mas vamos definir uma ordem: primeiro os reis do tráfico, depois os príncipes da corrupção, os duques do feminicídio, os marqueses da pedofilia e, por fim, os condes e barões da mentira, da maldade e da crueldade humanas.
– Boa!
– Eu não trabalho mais nessa merda!
Mas o gosto amargo – que algum gaiato definiu como “gosto de fundo de gaiola” ou “de cabo de guarda-chuva” – permaneceu na boca. Já era hora de levantar.
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